AO LEITOR
Caro leitor e cara leitora,
Em épocas anteriores, a fala inicial de um livro era uma conversa franca, pausada, por vezes com rodeios de moça em baile da corte. Buscava–se a proteção das musas, mas a benevolência da crítica era o grande alvo. São famosas as polêmicas durante o século XIX, que no mínimo nos deixam entrever o sistema cultural, onde era pequena a estrutura escolar (aliás, a infância tinha sido há pouco tempo regulada) e as moças (novamente as moças) liam os romances em livro ou em fascículos na nota de rodapé dos folhetins à falta de outras formas de diversão (exemplo grande é o desenho que aparece na primeira edição de "A Moreninha" do Macedo).
Fico a cismar se nossa vida modernosa tem tanto assim de diferente do tempo de nossos trisavós. Mudei a tempo e acima o destinatário para o politicamente correto masculino e feminino, embora possa haver quem diga que deveria ser melhor o feminino primeiro; não são poucos os pouco melódicos cumprimentos "a todos e a todas". Quer dizer, nossa época tem um laivo, eu diria um travo mesmo, de preocupação com o nosso outro – e aqui talvez alguém diga que não é lúcido o possessivo. Enfim, estamos a ver que o limite do admirável mundo novo é menor e não maior, porque o mundo ficou menor. Nossas comunidades à moda das antigas vilas organizam–se em até alguns milhares de contatos no Orkut, mas em geral ficam pequenas no limite de 300 amigos no MSN Messenger. Buscamos incessantemente conectarmo–nos a outros, e com certeza deixamos de olhar com um sorriso de bom dia o nosso vizinho de porta, ao descermos no mesmo elevador os infinitos dois andares que nos separam do solo.
E aqui reside o ponto de explicação do texto à francesa, cada prato em sua hora, separado, medido, circunstanciado, cerimonioso. A proposta da revista Texto Digital em advertir o leitor especialmente acabou, quem diria, na banda de cá do paralelo 23. A grande mudança neste viés contemporâneo é a liberdade de dizer e fazer, subvertendo os meios de produção metropolitanos. Esta revista não é em papel, pode ser lida "em linha", na apropriação carretelina (não sei porque me lembro de apólogo machadiano sobre a linha e a agulha) do termo em inglês "on line". Talvez dizer melhor seria "nos trilhos", pois chegaremos ao texto, se seguirmos a linha do trem, mesmo que nem todos os caminhos cheguem a Roma. Em ponto de partida, quer–se aqui fazer algo diferente, sem peias nem meias (que não combinam com as areias das praias da ilha catarinense onde reside a revista eletrônica). Assim, descalça de preconceitos a revista não tem limites de leitores e de autores, uma verdadeira odisséia no espaço a ser explorado. E aqui volto ao contexto do passado, pois estamos a navegar em mares dantes nunca navegados – e através de um navegador!
A idéia de uma revista eletrônica é economizar meios de interação – ficam para trás a distribuição (que é feita de imeio a imeio, com ajuda dos mecanismos guglianos – nosso pantagruel moderno) e o desaparecimento (é sempre possível recuperar o texto, desde que tenha sido feita uma cópia de segurança em algum disco rígido ou coisa que o valha). Por outro lado, avantajado seria/será o número de leitores, aliás algo que cresce no Brasil assustadoramente a despeito de todas as predições negativas da escola salvacionista de índole redentora (novamente o passado ressurge nas caravelas que buscavam expandir a fé católica). Fico assim um tanto angustiado de estar aqui a fazer a voz iluminante do que é muito mais lustroso. Mas vamos lá.
Texto Digital tem o seu quê de novo, mas translúcido, afinal mudou o meio mas inúmera é a inteligência a testar a tessitura do texto. Vai–se encontrar aqui e ali a moda, o jeito, a vontade, maneiras de ver o mundo digital e o lugar deste mundo ao usar a palavra, esta coisa que nos encanta e nos envolve, impressa, dita, gritada. O dedo percorre cada pedaço virtualmente, no alinhavo do rato português e "mouse" brasileiro, inventiva prosódia do ditongo.
São vários vieses, começo por um, termino por outro, afinal se é hipertexto não há entrada certa, tampouco certeira, arranjo de quem olha e de quem quer. E começa a viagem da tela.
Wilton Azevedo elabora argumento sobre o dizer hipermediático, verdadeira ou fantasiosa forma de caminhar enquanto passado feito presente, conhecimento redivivo e recuperado, cessada a sua finita efemeridade da expansão da forma e da expressão.
O incansável Luiz Felipe Ribeiro, mourejador de longas datas, discorre ao par de sua experiência sobre a pouca visibilidade possível de uma revista eletrônica acadêmica, especialmente se comparada aos sítios que nutrem o desejo de ver e de ser visto. Interessantemente, alerta para o que pode ser em face do que não tem sido – o meio eletrônico, ousado em tese, é tímido na prática.
Maria Clara Paixão de Sousa, modernosa filóloga, une o difícil ao impossível, testando a recuperação de um corpus infinitamente distante na voz impressa através de mecanismos de análise lingüístico–computacional, embora o resultado possa ser quase cabalístico, no sentido das múltiplas leituras e aconchegos de uma voz que ficou perdida na história dos séculos XVI a XIX.
Discutindo a vertente dos gamemaníacos de apontar/atirar, Gilbertto Prado inova a perspectiva da teoria do jogo encontrável nos meios comerciais, propondo uma outra história, narração sem pontos a alcançar, mantida a ficcionalidade, engendrada a sua interatividade no pressuposto do interesse do jogador em conhecer algo que desconhece.
Simone Souza de Assumpção, lá em Dois Irmãos, testa a vontade dos jovens em ler poemas se encapsulados pela forma multimediática do computador enquanto instrumento de leitura. O dinamismo dessa outra maneira de levar o aluno a entrar em contato com o mundo literário ainda está engatinhando, mas aponta para momentos de sucesso.
Já o ávido Saulo Cunha de Serpa entranha–se em experiência de uma estilística forense, mimetizando eletronicamente os antigos estudos de estilo feitos por Lapa e Spitzer, a buscar nas Cartas Chilenas marcas de um outro autor (ou autores) além do quase aceito Tomás Antonio Gonzaga.
O artigo de Marcos Silva Palácios mostra os caminhos do jornalismo eletrônico e seus motivos de grande sucesso, a ponto de estarem a modificar sistemas de assinatura e formatos de jornal. Por outro lado, vai discutir a hiperficção, modo literário pouco desenvolvido, talvez pela ineficiência de autores ou da instrumentalização de que dispomos.
Finalmente o guru Alckmar Luiz dos Santos, com pose de mineiro torcedor de futebol de várzea, discute agudamente o Grammatron, elaborando o modus operandi do construir o criar literário. Fábula, leitura, interação, ação, leitor, escritor e vão perdidas as valsas amigas, em descompasso no espaço que em aço (à maneira de Guilherme de Almeida) se torna o mormaço da escrita sempiterna e poderosa.
Fica o convite ao desvario da leitura incessante, meio tosca meio plana, de um texto que se quer meio para o puro e árido devaneio, sem cheiro de papel amarelado pelo tempo, com um calor de luzes.
Obrigado,
Alamir Aquino Corrêa
ENSAIOS
ESCREVENDO, LENDO, ESCRELENDO
Alckmar Luiz dos Santos
Universidade Federal de Santa Catarina
PARA UMA POETICIDADE DO TEXTO LITERÁRIO EM MEIO ELETRÔNICO
Cristiano de Sales
Universidade Federal de Santa Catarina
APONTAMENTOS PARA O GAME “COZINHEIRO DAS ALMAS”
Grupo Poéticas Digitais ECA/USP
Universidade de São Paulo
JORNALISMO E LITERATURA NA INTERNET: Combinando pesquisas com experiências didáticas
Marcos Silva Palácios
Universidade Federal da Bahia
ATRIBUIÇÃO DE AUTORIA: um problema antigo, novas ferramentas
Saulo Cunha de Serpa Brandão
Universidade Federal do Piauí
POESIA, LEITURA E COMUNIDADE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM
Simone Souza de Assumpção
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
ELETRONICOLÍRICA FAZ-SE CONTRA O TEMPO E A CARNE
Stélio Furlan
Universidade Federal de Santa Catarina
POÉTICA DAS HIPERMÍDIAS, UMA ESCRITURA EXPANDIDA.
Wilton Azevedo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
PALESTRAS
AS NOVAS TECNOLOGIAS, A MESMA AUTORIDADE
Alamir Aquino Corrêa
Universidade Estadual de Londrina
POESIA EM CONTEXTO DIGITAL
André Vallias
Poeta, designer e produtor de mídia interativa
MEMÓRIAS DO TEXTO
Maria Clara Paixão de Sousa
Universidade Estadual de Campinas
ACERVOS LITERÁRIOS E CATÁLOGOS DIGITAIS
Maria da Glória Bordini
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
ALGUMAS TESES SOBRE AS REVISTAS ACADÊMICAS DIGITAIS
Luis Filipe M. de Souza Ribeiro
Universidade Federal Fluminense
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