<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 2 n.1 2006 –

http://www.textodigital.ufsc.br


FURLAN, S. Eletronicolírica faz-se contra o tempo e a carne. Texto Digital, Florianópolis, ano 2, n. 1, Julho 2006.

 

 

ELECTRONICOLÍRICA

FAZ-SE CONTRA O TEMPO E A CARNE

 

ELECTRONICALYRIC

MAKES ITSELF TROUGH TIME AND FLESH

 

 

“Da carnagem das gramáticas/ arranco a música / o nome/ o número”.

[Herberto Helder, A cabeça entre as mãos, 1981].

 

 

 

Stélio Furlan

Doutor em Literatura pela UFSC

Universidade Federal de Santa Catarina

steliofurlan@ibest.com.br

 

RESUMO: A justaposição dos excertos “Electronicolírica” e “faz-se contra o tempo e a carne” no título deste trabalho sugere um modus operandi caro à poética de Herberto Helder: a tessitura combinatória. Trata-se de um estudo sobre a poesia experimental herbertiana, que privilegia a investigação do ludismo combinatório de uma escritura não avessa à consistência estrutural, mote para a reflexão sobre instrumentos de criação e processos compositivos acionados pelo/no espaço cibernético.

      

PALAVRAS-CHAVE: Electronicolírica. Herberto Helder. Poesia experimental.

 

ABSTRACT: The juxtaposition of the excerpts “Electronicolírica” and “faz-se contra o tempo e a carne” on the title of this work suggest a modus operandi precious to the poetics of Herberto Helder: the combinatory texture. It is a study of the herbertian experimental poetry, that privileges the investigation of a ludic combinatory of a writing not averse to a structural consistency, motto for reflection about instruments of creation and combinatory processes activated by/on the cybernetic space.

 

KEYWORD: Electronicalyric. Herberto Helder. Experimental poetry.

 

 

A justaposição dos excertos “Electronicolírica[1] e “faz-se contra o tempo e a carne” mobiliza um modus operandi caro à poética herbertiana: a tessitura incidental e combinatória. O primeiro sintagma alude ao título do livro de poesia experimental lançado em 1964, no qual Herberto Helder faz valer o procedimento criativo das “transposições dos processos aleatório e combinatório, associados à máquina electrónica”, no estilo “poesia por computador”.[2] Já o fragmento “faz-se contra o tempo e a carne” é um verso de “O Poema”[3] do mesmo textor, que discute condições de possibilidade do fazer poético, no caso, como se imperativo fosse dizer para fixar a corporeidade no instante. [4]

O poema faz-se contra o tempo: as nuances da temporalidade são condensadas em certas expressões como “noite”, “neve”, “fogo”, ou referidas na passagem mesma das estações. E faz-se contra a carne, o que sugere tanto colado ao corpo, fonte inesgotável de percepção, quanto versus: como se o labor do engendrar, ou a luta com as palavras para nomear as faces do mundo antes que o mesmo se transmute fosse a luta mais sã. O trabalho do artífice impulsiona a poesia a confundir-se com a vida, para ser sangue, e ser circulação, e ser palpitação do vivido.

      Esta comunicação tece algumas considerações sobre dois poemas de Electronicolírica, “A bicicleta pela rua adentro – mãe, mãe –” e “A menstruação quando na cidade passava”, tomando como mote o jogo combinatório dessa poesia de invenção que não descura da consistência estrutural. É o que se pode ler numa nota posfacial de Herberto Helder sobre o que anima Electronicolírica:

 

Em 1961 Nanni Balestrini realizou em Milão uma curiosíssima experiência. Escolhendo alguns fragmentos de textos antigos e modernos, forneceu-os a uma calculadora eletrónica que, com eles, organizou, segundo certas regras combinatórias prèviamente estabelecidas, 3002 combinações, depois seleccionadas.

O autor destes poemas aproveitou da referida experiência o princípio combinatório geral nele implícito. Assim, utilizando um limitado número de expressões e palavras mestras, promoveu a sua transferência ao longo de cada poema sem, no entanto se cingir a qualquer regra. Sempre que lhe apeteceu, recusou os núcleos vocabulares iniciais e introduziu outros novos, que passaram a combinar-se com os primeiros ou simplesmente entre si.

Devido ao uso de restrito número de palavras, as composições vinham a assemelhar-se, nesse aspecto, a certos textos mágicos primitivos, a certa poesia popular, a certo lirismo medieval. A aplicação obsessiva dos mesmos vocábulos gerava em linguagem encantatória, espécie de fórmula ritual mágica, de que o refrão popular é um vestígio de que é vestígio também o paralelismo medieval, exemplificável com as cantigas dos cancioneiros.

 

E arremata:

O princípio combinatório é, na verdade, a base lingüística da criação poética [5].

     

Embora a passagem seja auto-explicativa, se pode acrescentar que a metáfora do jogo calha à perfeição para perscrutar esta experiência textual, pois solicita uma noção de poesia como campo no qual se favorecem “substituições infinitas no fechamento de um conjunto finito” [6]. Importa, sobretudo, é a aventura da construção textual e o jogo da sua realização. Se o “princípio combinatório”, como defende Herberto Helder é “a base lingüística da criação poética”, então se pode dizer que, com efeito, “todo discurso é bricoleur”. No caso, o lúcido jogo textual feito de imbricações várias alude ao trabalho de bricolage: entenda-se “um trabalho intermitente” cujo processo compositivo “consiste em montar novas estruturas mediante a recombinação de peças e materiais disponíveis”. Ou ainda, um “trabalho manual feito de improvisos” e que aproveita “toda a espécie de materiais e objectos”. [7] Por redobramento se trata de uma atividade criativa marcada pela experimentação constante, pela decomposição e recomposição, enfim, um processo criativo que não só valoriza o desvio dos meios costumeiros e literais, mas também capaz de poder transformador ao colocar as palavras e as coisas em movimento e em relação.

      Ao mobilizar estratégias de exploração poética outras, Electronicolírica instiga pela “espaçosa desarrumação das imagens” [p.101]: aí entra a inspiração tumultuosa, o ritmo vertiginoso, o gosto centrado na variação organizada de versos-palavras, uma seleção vocabular cujas combinações levam ao extravio do código comum para culminar na explosão do continuum do legível.

      Herberto Helder é considerado tanto um revolucionário da forma poética, “desarticulador radical de toda a tradição portuguesa”, como escreve Jorge Henrique Bastos  “o abalo que sua poesia provoca é um dos mais profundos que a literatura de língua portuguesa já sofreu” [p.11]  quanto o que assegura a vitalidade da tradição... da ruptura. Indo nas águas de Maria Lúcia Dal Farra, Herberto Helder prolonga a “tradição do illisible e do enouï, na esteira de Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé (do poema que se faz como resistência e afronta aos discursos dominantes e facilmente consumíveis), passando pelo surrealismo, pela experimentação, e exercendo-se como vanguarda permanente” [p.156]. Demais, e confesso que premido por certa angústia de influência teórica, não seria ocioso investigar em que medida a poesia herbertiana mobilizaria recursos hipertextuais e, por extensão, ampliaria o rol de textos segundo uma “tradição não-linear ou multilinear em literatura”. [8]

Se dita experimentação poética alude “a certo lirismo medieval” pode-se dizer que Herberto Helder suplementa a tradição da ruptura pela criação da figura do cibertrobadour. Questionador incessante do seu ato poético, repetidas vezes justifica o que o punge: “Cantar é um subterrâneo”, “o canto é o meu corpo purificado” [p.37], logo, o canto é modus para desvelar a corporeidade do que existe e nomear o que pulsa no corpo do mundo. Assim, pode dizer o corpo como “objeto cantante” [p.34] e se auto-nomear como “uma coisa audível, sensível./Um movimento.” [p.41].

Herberto Helder não só revivesce certo lirismo medieval pela recorrência a uma linguagem encantatória gerada pelo refrão popular e pelo paralelismo medieval, processos compositivos típicos dos cantares dos cancioneiros, mas também pelo campo semântico, uma vez que o amor é um dos seus temas vitais. Com efeito, tal poesia é

 

rara pela sua qualidade de plenitude e de exuberante consumação do amor, numa literatura em que o poeta tem sido desde sempre o “desprezado” e o amor só pode ser infeliz. A maneira de Herberto Helder cria e concretiza a veemência do desejo e a força imparável de sua realização, faz com que os poemas se revistam de encadeamentos de imagens, metáforas e simples referências que     destroem o discurso, mas nos dão um verbalismo vivo e válido porque tende para a recriação do caos original, para a exuberante felicidade do amor no paraíso terreal.[9]

 

      Isso justifica que o encarecimento à mulher seja reiterativo na singular ars amatória herbertiana: “são fabulosas/ as mulheres” [p. 36]. Como se pusesse em contigüidade a mulher e a linguagem: “a linguagem/ para amar e ruminar” [p.40]. Mas não mais a donna inefável, conjunto de virtudes excelentes, auratizada pelo espartilho do código amoroso cortês, que via de regra impunha ao cantor a sublimação do amor em ânsia incorpórea. Ele prefere cantar, simplesmente, “uma mulher com quem beber e morrer” [p.17]. Canta “as admiráveis raparigas” [p.59], “uma jovem mulher com sua harpa de sombra/ e seu arbusto de sangue” [p.17]. Então, canta a “mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito” [p.17]. A mulher com “seus sorrisos ardendo/ suas mamas de pura substância, / a curva quente dos cabelos” [p.18]. A “fêmea com tanto sangue entre as ancas” [p.125].

      Herberto Helder encarece o feminino, “Porque as mulheres não pensam: abrem/ rosas tenebrosas/ alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual” [p.48]. Porque “as mulheres tornam impura e magnífica/ nossa vida masculina” [p.48]. Porque “essas mulheres tornam feliz e extensa/ a morte da terra” [p.49]. E celebra as mulheres “que cantam a eternidade/ Cantam o sangue de uma terra exaltada” [p.49]. E exalta a “cândida variedade das mulheres amadas” [p.45], ou mães. Evoca o “caos materno” [p.116], a “matéria materna” [p.141], “minha mãe, minha máquina”; leia-se:

     

A bicicleta pela rua adentro − mãe, mãe  −

      Ouvi dizer toda a neve.

      As árvores crescem nos satélites.

      Que hei-de fazer senão sonhar

      Ao contrário quando novembro empunha  −

      Mãe, mãe − as telhas dos seus frutos?

      As nuvens, aviões, mercúrio.

      Novembro − mãe − com as suas praças

      Descascadas.

 

      A neve sobre os frutos − filho, filho .

      Janeiro com outono sonha então.

      Canta nesse espanto − meu filho − os satélites

      Sonham pela lua dentro na sua bicicleta.

      Ouvi dizer novembro.

      As praças estão resplendentes.

      As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.

      Aviões passam no teu nome −

      minha mãe, minha máquina  −

      mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.

[...]

      Era tudo uma máquina

com as letras lá dentro. E eu vinha cantando

com a minha paisagem negra pela neve.

E isso não acabava nunca mais pelo tempo

fora. Começo a lembrar-me.

Esqueci-te as barbatanas, teus olhos

de peixe, tua coluna

vertebral de peixe, tuas escamas. E vinha

cantando na neve que nunca mais acabava.

[...]

− mãe − nunca mais acabava pelo tempo fora.

 

Escrever “minha mãe, minha máquina” equivale a afirmar que o poeta cria a máquina lírica que o recria e que delineia a corporatura do seu estar no mundo? Talvez. Se a “energia da escrita” impulsiona o trânsito das palavras reiteradas ao longo do poema isso pode sugerir o reconhecimento do vivido em constante mutação. A seu modo configura, por certo, “uma efectiva imagem do mundo[10].

Qual filho que “canta nesse espanto” a vastidão do espaço infinito, o poema indicia uma relação sobredeterminada com o contexto de onde surge e transfigura. Lembrar que a máquina lírica herbertiana é acionada à

 

época em que os primeiros satélites chegam à Lua, à mater lunar [...] e o poeta não pode resistir à tentação do luxo do espaço: toda a área e enorme distância siderais serão arrastadas para o interior do corpo que as devora, ultrapassando pantagruelicamente os seus limites corporais. [11]

 

      A voragem da nomeação mobiliza as energias do poema herbertiano. Como escreve, “a busca de outro nome para o dia contraditório de morte e de esperança, de luz e de cansaço”. [12] Criar é nomear: indicia um esforço de engendração que surpreende o nome cotidiano das coisas. Para Herberto Helder, a poesia é "um baptismo atónito, sim uma palavra/ surpreendida para cada coisa" [p.130]. Cabe ao textor-bricoleur laborar na oficina da palavra para, ao plasmar "uma coisa poética”, elevá-la à condição de um “acto iluminante do génesis". O que daí deriva mais não é que um fazer poético enquanto exploração planeada do aleatório de cada execução. Prenhe de aproximações insólitas, tal poesia “vive e respira em um território de flutuações indisciplinares [todavia organicamente flexionadas], que ela própria vai, pouco a pouco, conquistando e instaurando” [13]. Caso do poema A menstruação quando na cidade passava: o inusitado das aproximações plasma a imagem poética. Imagem essa que se modela pela liberdade associativa e recombinatória de palavras-núcleo e versos postos em rotação. Daí a temperatura da imagética herbertiana verter-se tão mais intensa quanto mais inesperada:

 

A menstruação quando na cidade passava
o ar. As raparigas respirando,
comendo figos - e a menstruação quando na cidade
corria o tempo pelo ar.
Eram cravos na neve. As raparigas
riam, gritavam - e as figueiras soprando de dentro
os figos, com seus pulmões de esponja
branca. E as raparigas
comiam cravos pelo ar.
E elas riam na neve e gritavam: era
o tempo da menstruação.

As maçãs resvalavam na casa.
Alguém falava: neve. A noite vinha
partir a cabeça das estátuas, e as maçãs
resvalavam no telhado - alguém
falava: sangue.
Na casa, elas riam - e a menstruação
corria pelas cavernas brancas das esponjas,
e partiam-se as cabeças das estátuas.
Cravos - era alguém que falava assim.
E as raparigas respirando, comendo
figos na neve.
Alguém falava: maçãs. E era o tempo.

O sangue escorria dos pescoços de granito,
a criança abatia a boca negra
sobre a neve nos figos - e elas gritavam
na sombra da casa.
Alguém falava: sangue, tempo.


As figueiras sopravam no ar que
corria, as máquinas amavam. E um peixe
percorrendo, como uma antiga palavra
sensível, a página desse amor.
E alguém falava: é a neve.
As raparigas riam dentro da menstruação,
comendo neve. As cabeças das
estátuas estavam cheias de cravos,
e as crianças abatiam a boca negra sobre
os gritos. A noite vinha pelo ar,
na sombra resvalavam as maçãs.
E era o tempo.

E elas riam no ar, comendo
a noite,
alimentando-se de figos e de neve.
E alguém falava: crianças.
E a menstruação escorria em silêncio -
na noite, na neve -
espremida das esponjas brancas, lá na noite
das raparigas
que riam na sombra da casa, resvalando,
comendo cravos. E alguém falava:
é um peixe percorrendo a página de um amor
antigo. E as raparigas
gritavam.

As vacas então espreitando,
e nos focinhos consumia-se o lume em silêncio.
Pelas janelas os violinos
passavam pelo ar. E a menstruação nas raparigas
escorria pela sombra, e elas
gritavam e comiam areia. Alguém falava:
fogo. E as vacas passavam pelos violinos.
E as janelas em silêncio escorriam
o seu fogo. E as admiráveis
raparigas escutavam a sua canção, como
uma palavra antiga escorrendo
numa página pela neve,
coroada de figos. E no fogo as crianças
eram tocadas pelo tempo da menstruação.

Alimentavam-se apenas de figos e de areia.
E pelo tempo fora,
riam - e a neve cobria a sua página de tempo,
e as vacas resvalavam na sombra.
Em silêncio o seu lume escorria das esponjas.
Partiam-se as cabeças dos violinos.
As raparigas, cantando as suas crianças,
comiam figos.
A noite comia areia.
E eram cravos nas cavernas brancas.
Menstruação - falava alguém. O ar passava -
e pela noite, em silêncio,


a menstruação escorria pela neve.

 

      O poema A menstruação quando na cidade passava, glosando Carlos Drummond de Andrade, convida o leitor a penetrar no reino das palavras, a contemplar suas mil faces secretas ocultas sob a face neutra. Por inferência relacional, a pensar nas mil faces do sangue expelido: um rito de passagem [“E no fogo as crianças eram tocadas pelo tempo da menstruação”]; margem para o desencontro, o que não vem a ser, a realidade absorvente do não-ser... E, por associação de rapariga, menstruação, neve, de um ato amoroso adiado, arrefecido por força das circunstâncias.

      Pode-se seguir desdobrando a complexidade dessa imagética, o porquê da disseminação e recolha das expressões: “riam na neve”, “riam na sombra”, e das palavras mestras: “rapariga”, “noite”, “cidade”, “menstruação”. Por ora, resta constatar, no que tange ao princípio combinatório, a mútua voragem das palavras e das coisas: enquanto a “noite come areia”, trocando em miúdos, enquanto a boca negra da noite abocanha a cidade [feita de areia], as raparigas comem figos e neve e cravos, pois o tempo da menstruação pode ser também um tempo de cantar, gritar, brincar, e de viver sinestesicamente a vida.

      Com efeito, em A menstruação quando na cidade passava é visível o festival de sensações, o intenso frenesi cromático. Notar que a sinestesia, por sinonímia, aproxima-se da idéia de rede, no caso, as várias conexões associativas lembram as sensações operando simultaneamente. No corpo do poema circula um carnaval de sensações: auditivas [gritos, silêncios, cânticos], visuais [lume, sombra, fogo, sangue, neve]; tácteis [pescoços de granito, sopro]; gustativas [comiam figos]. Há festa no intexto das sensações: gustativo, táctil e visual [comendo figos na neve]; auditivo, visual e gustativo [riam na sombra da casa, resvalando/ comendo cravos]; táctil, auditivo e visual:

 

E eram cravos nas cavernas brancas.
Menstruação - falava alguém. O ar passava -
e pela noite, em silêncio,

a menstruação escorria pela neve.

 

Noutras palavras, a contigüidade entre o nonsense e a tal da “consciência lingüística vigilante” se revela num cromatismo vocabular excitado pelo choc entre o claro e o escuro, mais de uma vez sugerido pelo contrastes entre o branco e o vermelho. Leia-se em Os brancos arquipélagos, de 1970:

 

o texto assim coagulado, alusivas braçadas

de luz no ar fotografadas respirando,

a escrita, pavorosa delicadeza a progredir,

enxuta, imóvel gravidade,

o território devastado por brancos

tumultos de estio. [p.71]

 

ou em versos de Os selos, de 1989:

 

Levo a máscara, disse eu. Quando pus os dedos

na frase, a frase

sangrava, tinha aquele lanho, alguém cosera com ágrafes de marfim

 palavras a marfim e sangue. [p.128]

 

Em sua procura da poesia como ato de nomeação, Herberto Helder distancia-se do que possa representar lugar-comum ou obviedade lingüística. Antes, transmuta a matéria verbal para liberar o poder encantatório da palavra, absorvendo ressonâncias, como se quisesse minerar a substância visceral da própria linguagem poética.

      A travessia textual de Electronicolírica, como se lê nos poemas trazidos à baila, dissemina obstáculos à legibilidade, o que dificulta a ordenação das referências feitas nos textos. Mas é justamente essa polissemia do texto illisible [14] o que leva à promoção do leitor. É a errância atenta e voluntária pelo território das palavras que anima o prazer da inteligência, pois o desafia a tornar-se partícipe do processo criativo. Não mais só o textor como tradutor do sentido simbólico do mundo, mas agora é o próprio leitor, enredado nas malhas da letra, que é impelido a assumir a condição de decifrador dos múltiplos sentidos do texto.

      No entanto, para fruir o poema herbertiano não é imperioso aspirar sua compreensão como reflexo especular do vivido. Pretender extrair o significado do poema, tentar explicá-lo, equivale a pretender ler no pouso da ave nos fios elétricos uma casual notação musical. Como se o vôo da ave ao pausar nos fios elétricos simulasse uma pauta musical. Por extensão, como se as palavras-versos arrumadas em versos-palavras fossem pautadas por um nexo lógico de representação. Aqui não é o poeta que se despersonaliza num “vôo outro”, como Fernando Pessoa, mas as próprias palavras-versos voam outras, circulam no corpo do poema em constante migração de sentido, e o que fica é a fruição do vôo e do pouso reconfigurante. E o leitor, sem a demanda de complementação de sentido nos versos seguintes, pode abrir os poemas como janelas aos próprios sonhos despertos.

      Herberto Helder, da seleção vocabular ao arranjo da trama textual, engenha uma máquina lírica que aciona a desautomatização da espera lírica habitual. A rigor, importa mais o prazer do jogo textual transgressor, a lúcida ousadia da montagem, o lúdico brincar com as palavras, o que livra o exercício poético da tarefa de representar algo ou de tornar-se “um meio ao serviço dos grandes fins”.

      E assim o "código estético" dessa tessitura poética experimental se volta para a renovação o Engenho e Arte. Inspiração, no recorte do léxico. Arte, na consciência artesanal, no vigor combinatório das palavras e das coisas:

 

As vacas então espreitando,
e nos focinhos consumia-se o lume em silêncio.
Pelas
janelas os violinos
passavam pelo ar. E a menstruação nas raparigas
escorria pela sombra, e elas
gritavam e comiam areia. Alguém falava:
fogo. E as vacas passavam pelos violinos.

E as janelas em silêncio escorriam
o seu fogo.      

 

Tudo é posto em rotação: “os violinos passavam pelo ar”, “as vacas passavam pelos violinos”... Inevitável não lembrar certo quadro de Magritte, cuja tela simula uma janela aberta à paisagem que emoldura. Curioso notar que quadro se intitula “La condition humaine”. E não seria forçoso, por inferência relacional, referir que tal condição reverbera naquele verso de A máquina lírica, de Herberto Helder, “Que hei-de fazer senão sonhar”.

 

René Magritte [1933]

 

Este procedimento tipo mise en abîme, o quadro dentro do quadro ou do que enquadra, faz interface com os versos de Poemacto [1961] também da fase experimental:

 

− Caneta do poema dissolvida no sentido

primacial do poema.

Ou o poema subindo pela caneta,

Atravessando seu próprio impulso,

Poema regressando.

 

Mundo e poema se correspondem, mutuamente se transfundem. Nisso, o texto-bricolage herbertiano parece cortejar o desejado point de l’esprit surreal [15]. Contudo, se essa tessitura trança associações inesperadas, dita estratégia produtiva ultrapassa o fortuito surreal via “uma poesia tipo experimental, na qual predomina o nonsense do discurso desarticulado, não mais em termos surrealistas, mas por força de um processo combinatório, altamente cerebral, de reiteração de palavras e expressões”. [16] Essa tomada de posição se confirma com palavras de Herberto Helder, para o qual o surrealismo foi suplementado por uma “consciência lingüística vigilante”:

 

Suponho que esta vigilância linguística, que contrabalançaria, de algum modo, o automatismo surrealista, conferindo ao discurso uma maior consistência estrutural, provinha de outras poéticas de conhecimento recente nomeadamente as de João Cabral de Melo Neto e David Mourão-Ferreira [...] [17].

 

É justamente este “labor de oficina” que nos permite voltar uma vez mais à associação do poeta do bricoleur. Tal conceito foi urdido por Claude Lévi-Strauss em algumas páginas que se tornaram antológicas de La Pensée sauvage [1962]. Aí ele define o bricoleur como o que utiliza “os meios à mão”, ou seja, trabalha com procedimentos que acusam a ausência do premeditado, longe dos processos e normas adotados pela técnica. Lévy-Strauss opõe um tipo de conhecimento que valoriza a sistematização e o método, exemplificado pela figura do engenheiro, e um tipo que reverencia a improvisação sem finalidade imediata, caso do bricoleur. [18]

Em Herberto Helder a oposição binária suscita uma ilação problemática outra, porquanto as duas instâncias se complementam. No seu procedimento textual, o trabalho ordenado, metódico e pré-determinado do engenheiro se lê na “essência de oficina”, no “trabalho lingüístico vigilante”, na seleção vocabular, enquanto que o labor da bricolagem é o que se ativa no giro calidoscópio (re)combinatório das palavras na máquina lírica, máquina de emaranhar percepções, visibilidades...

     

      Era tudo uma máquina

      com as letras lá dentro.

 

      Trazer à baila algo da poesia portuguesa [ainda] contemporânea, visando uma tomada de posição sobre o “que há de mais expressivo e substancioso” [19] ou de mais de visceral e convulsivo foi, por certo, uma das modestas pretensões deste ensaio. Dita textualidade suscita algum interesse aos estudos sobre uma condição hipertextual [20] de escritura pelo processo combinatório electronicolírico que, ao acionar poesia feita com poesia, favorece a semiòsis ilimitada. Nesse sentido, discutir a poesia herbertiana num viés hipertextual implica observar um processo criativo aberto ao movimento das conexões associativas, a possibilidade de discutir o poema como rede de múltiplas interações combinatórias [o que solicita a metáfora da teia, da trama e do tecido como conectores ou hiperligações], a problematização do compromisso do poema com a linearidade/seqüencialidade do verso e com desfechos conclusivos. E, em decorrência desse processo, a promoção do leitor que, em situação de perda  pois o texto-fruição de Helder “faz entrar em crise a sua relação com a linguagem”  é convidado a flanar por ligações textuais diversas.

Em Electronicolírica, a leitura linear pode ser substituída por uma leitura em travessias e correlações. [21] E se o que daí deriva incide na tradição do illisible, e se resiste à imediata compreensão e consumo, nada disso mitiga a força da expressão poética. A aleatória combinação na esteira da chamada “poesia por computador” não trava o fulgor poético-encantatório de Herberto Helder: é do esvaziamento mesmo dos conteúdos que flui o ímpeto criador capaz de excitar a nervura verbal do real.

      O ímpeto criador associado ao jogo de bricolagem ativado pela máquina lírica foi, como vimos, uma das constantes herbertianas aqui privilegiada. Resta citar alguns versos mais à guisa de conclusão:

     

Folheie as mãos nas plainas enquanto desusa a gramática da madeira, obscura

      memória: a seiva atravessa-a.

      Que a mão lhe seja oblíqua.

      Aplaina a tábuas baixas e sonolentas − torne-as

      ágeis.

      Leveza, oh faça-a como a do ar que entra nelas.

      Por súbita verdade a oficina se ilude: que

      de inspiração,

      o marceneiro transtorne o artesanato do mundo. [...]

      Tanto lavra as madeiras para que seja outro o espaço

      a segui-lo: [...]

      − e é esse o espaço que o segue, que ele arruma, onde se põe

      em equilíbrio,

      nomeando os artefactos, colhendo o ar que se exala

      da linha de nomes sobre o abismo,

      e por cima do abismo ele brande aquela vara

      com a cor

      ao toque no fundo:

      tão intrínseco e junto, tudo, e explícito: dor e ornamento,

      e o ornamento é tão

      experimentado no mundo, e trabalhado em madeiras e dedos,

      tão sofrido como atenção, que ele mesmo

      sustém a chaga ao lume do seu baptismo,

      e cerrando o extenuante espaço do concreto

      dentro de si,

      vive disso.[22]

     

O poema se exibe como um jorro caudaloso de versos, de fragmentos de vozes seguidos de abruptos silêncios, lugar onde pausa o verso inconcluso. Na oficina herbertiana o marceneiro-poeta nomeia “os artefactos” e transtorna “o artesanato do mundo”, deste modo surpreende o poema, feito de “íngrimes laborações”, [23] como ato de nomeação onde se canta o tempo e a carne.

 

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MENERÉS, Maria Alberta e CASTRO, E.M.de Melo e. Antologia da novíssima poesia portuguesa. Círculo de Poesia. Livraria Morais Editora, Lisboa, 1959.

 

PALÁCIOS, Marcos. Hipertexto, fechamento e o uso do conceito de não-linearidade discursiva. Disponível em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/palacios/hipertexto.html acesso em 19 de julho de 2006.

 

SILVA, João Amadeu Oliveira Carvalho da Silva. A poesia de Herberto Helder. Do contexto ao texto: uma palavra sagrada na noite do mundo. Fundação Calouste Gulbenkian – Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Imprensa Portuguesa, 2004.

 

WILLER, Cláudio. Herberto Helder e a grande poesia portuguesa contemporânea. Revista Agulha. Fortaleza/ São Paulo.  Disponível em http://www.secrel.com.br/jpoesia/ag9helder.htm acesso em acesso em 19 de julho de 2006.

 



[1] Talvez se possa dizer que este título ressuma o “ar do tempo” – a demanda por uma poesia de invenção – que marca a geração da Poesia Experimental lusitana na década de 1960. Electronicolírica, livro composto de dez poemas escritos em 1963 e publicados em 1964, foi posteriormente intitulado A máquina lírica [1967]. Cf. HELDER, Herberto. O Corpo O Luxo A Obra. São Paulo, Iluminuras, 2000, pp.53-66. Todas as indicações de páginas entre colchetes referem-se a essa coletânea de poemas.

 

[2] Conforme se lê no sítio http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/helder/uni_hel.html, acesso em 20 de julho de 2006, em Electronicolírica Herberto Helder “deixou-se influenciar directamente pelo estilo da «poesia de computador», que, tanto ele como os outros poetas da geração da poesia experimental, desenvolveram e levaram a um ponto crucial, contribuindo, desta forma, para uma indiscutível renovação da poesia portuguesa dos anos 60”. E, mais adiante, Herberto Helder “fez as transposições dos processos aleatório e combinatório, associados à máquina electrónica, para a realização de textos humanos, introduzindo na escrita da poesia elementos de renovação revolucionária”. Grifos meus.

 

[3] Fragmento textual de Herberto Helder, do livro de poemas intitulado A Colher na Boca, lançado em 1961.

 

[4] Trata-se de uma variação da assertiva de André Breton, segundo o qual “a poesia é a fixação da eternidade no instante”.

 

[5] HELDER, Herberto. Electronicolírica. Col. “Poesia e Verdade”, Guimarães Editores, 1964.

 

[6] Colho o conceito de jogo em DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença [p. 244]. Aqui, o movimento do jogo ativa a lógica da suplementaridade, no que tange a busca de um signo que supre, que acrescenta, “vem a mais” [p.245]. Embora herdeiro da grafia surreal, esta escrita é menos automática do que marcada, por uma “consciência lingüística vigilante”.  Cf. HELDER, Herberto. “Trinta e cinco anos de poesia [1960-1995]”. Disponível em http://www.iplb.pt/pls/diplb/web_autores.get_exert?id=2178484 acesso em 19 de julho de 2006.

 

[7] Cf. AGAMBEM, Giorgio. Infância e História. Destruição da experiência e origem da história. [Trad. Henrique Búrigo], p.172. Segundo Carlos Ceia, em Dicionário de termos literários, bricolage é um “termo francês que significa, literalmente, um trabalho manual feito de improvisos e aproveitando toda a espécie de materiais e objectos. Nas modernas teorias da literatura, o termo passa a ser sinónimo de colagem de textos ou extra-textos numa dada obra literária, o que nos aproxima da idéia de hipertexto. Também serve para traduzir uma prática dita pós-modernista de transformação ou estilização de materiais preexistentes em novos (não necessariamente originais) trabalhos.” Ver nota de rodapé n° 18. Sobre o conceito de bricolage cf. também http://www.symbolon.com.br/artigos/bricoleur.htm acesso em 19 de julho de 2006.

 

[8] Cf. PALÁCIOS, Marcos. Hipertexto, fechamento e o uso do conceito de não-linearidade discursiva. Disponível em www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/ palacios/hipertexto.html acesso em 19 de julho de 2006.

 

[9] MENERÉS, Maria Alberta e MELO E CASTRO, E.M. de. Antologia da novíssima poesia portuguesa, p. XXI.

 

[10] Fragmento textual de Herberto Helder, extraído do “Texto-Introdução” a Poesia Experimental I. Trata-se de uma revista de poesia experimental organizada por António Aragão e Herberto Helder, em abril de 1964. Leia-se: “A superação do caos exprime-se pelo encontro de uma linguagem. É na linguagem que a experiência se vai tornando real. Sem ela não há uma efectiva imagem do mundo”. Apud SILVA, João Amadeu Oliveira Carvalho da. A poesia de Herberto Helder. Do contexto ao texto: uma palavra sagrada na noite do mundo, p.76.

 

[11] Maria Estela Guedes. Herberto Helder: Poeta Obscuro. Disponível em http://www.triplov.com/poeta_obscuro/cobra_montagem.html acesso em 19 de julho de 2006.

 

[12] HELDER, Herberto. Trinta e cinco anos de poesia. Disponível em http://www.iplb.pt/pls/diplb/web_autores.get_exert?id=2178484 acesso em 19 de julho de 2006.

 

[13] DAL FARRA, Maria Lúcia. “Posfacial” in O Corpo o luxo a obra, op.cit, p.150. Noutras palavras, ao prolongar os processos compositivos da vertente surreal, Electronicolírica sugere um fazer poético como resultado de talhe e associação por collage cujos enlaces terminam por aproximar diferentes espaços e temporalidades. O que lembra Pierre Reverdy, para o qual a criação da imagem poética deveria vir do aproximar de duas realidades mais ou menos afastadas: “Quanto mais as relações das duas realidades aproximadas forem longínquas e correctas, mais a imagem será forte – mais poder emotivo e realidade poética ela terá” [apud BRETON, André. Manifesto do Surrealismo, p.42]

 

[14] Maria Lúcia Dal Farra diferencia illisible de ilegível, no caso, não toma o illisible como o que impossibilita a leitura, mas enquanto oportunidade ao “extravio do código comum, a utilização deliberada de impecilhos de leitura, vincados na desculturalização e na desautomatização do sentido”. Deste modo o illisible se torna capaz de “opor resistência aos discursos dominantes e de problematizar qualquer tipo de linguagem consumível” [posfácio a O Corpo O Luxo A obra, op.cit, p.157].

 

[15] Como escreve André Breton, no Segundo Manifesto do Surrealismo [1930]: “Tudo leva a crer que existe um determinado ponto donde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo, deixam de ser percebidos contraditòriamente. Ora, em vão procuraríamos para a actividade surrealista outro móbil além da esperança da determinação deste ponto”, p.152.

 

[16] MOISÉS, Massaud. Pequeno dicionário de literatura portuguesa, p.172.

 

[17] HELDER, Herberto. Trinta e cinco anos de poesia. Disponível em http://www.iplb.pt/pls/diplb/web_autores.get_exert?id=2178484 acesso em 19 de julho de 2006.

 

[18] Vale lembrar que o conceito de bricolage de Lévi-Strauss foi retomado por Jacques Derrida, em “A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas”, mas para esboroar a dicotomia entre o bricoleur como improvisador e o engenheiro como o que patrocina um tipo de conhecimento que privilegia a sistematização e o método. Para Derrida “todo discurso é bricoleur” e “o próprio engenheiro ou sábio são também espécies de bricoleur”. Cf. DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença, p. 238-239. Segundo Carlos Ceia, este ponto de vista “serve para chamar a atenção para a instabilidade do sentido do texto: nenhum texto possui absoluta e intocável unidade”, em conseqüência, “o texto-bricolage não admite a possibilidade de ser governado por qualquer lógica científica, de forma a caminhar para uma conclusão inevitavelmente esperada”. Disponível em http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/B/bricolage.htm acesso em 19 de julho de 2006.

 

[19] Para Cláudio Willer, “se for para situar Helder historicamente, o mais importante será mostrar como assimila, e transforma a seu modo, a vertente rebelde que parte de Baudelaire e inclui, evidentemente, o Surrealismo. Para qualificá-lo, basta indicá-lo como expoente máximo do que Octavio Paz havia denominado, acertadamente, de tradição da ruptura, assim demonstrando que essa tradição não se esgotou”. Cf. WILLER, Cláudio. Herberto Helder e a grande poesia portuguesa contemporânea. Disponível em http://www.secrel.com.br/jpoesia/ag9helder.htm acesso em 19 de julho de 2006.

 

[20] A propósito do conceito de hipertexto, leia-se: “El término "hipertexto" fue acuñado en los años sesenta por Theodore Nelson para expresar la idea de escritura/lectura no linear de un sistema de informática”. Para Nelson, o hipertexto representa a "escritura no secuencial - texto, que se ramifica y permite elecciones al lector y que es mejor leído en una pantalla interactiva. En base informática esto se traduce en un conjunto de nudos (palabras, páginas, imágenes, gráficos, secuencias sonoras y documentos complejos) no relacionados linearmente y si con conexiones de tipo reticular. El término “hypertexto”es usado para designar la forma de texto electrónico, la nueva tecnología y también el modo de publicación”. Disponível em http://www.saladeprensa.org/art252.htm acesso em 19 de julho de 2006.

 

[21] O que aproxima as experimentações poéticas herderianas do conceito de hipertexto segundo Theodore Nelson para o qual o hipertexto evolui de uma lógica literária para uma forma exponencial: "É uma nova forma de escrita computacional dentro da qual cada unidade textual pode dar lugar a acessos não seqüenciais". Disponível em http://www.citi.pt/ciberforma/antonio_baptista/conceitos.html acesso em 19 de julho de 2006.

 

[22] Fragmento poético do livro de poemas intitulado Do mundo[1991-1994] in O Corpo O Luxo A obra, op.cit, p.138 e 139.  Grifos meus.

 

[23] “A poesia também pode ser isso:/ a dor com que não durmo lavrado completamente/ íngrimes laborações dos aerólitos − e então um pingo de ouro nos recessos / do cérebro”. Cf. Herberto Helder, Os selos [1989] in O Corpo, O Luxo, A Obra, op.cit, p.129.