ACERVOS LITERÁRIOS E
CATÁLOGOS DIGITAIS
LITERARY COLLECTIONS AND
DIGITAL CATALOGS
Maria da Glória Bordini
Doutora
em Lingüística e Letras pela PUC-RS
Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Os estudos literários descortinam um novo horizonte
de possibilidades produtivas, com as perspectivas de armazenamento e velocidade
de acesso à informação trazidas pela idade digital. O
potencial de inovação e avanço do conhecimento nessa área reside num ângulo de
abordagem do objeto literário impossível de ser perseguido antes da era do
computador pessoal e das redes eletrônicas que os interligam.
As reais condições materiais para uma aspirada
articulação da obra com o sistema literário e cultural dependem da mobilização
de tantas variáveis que só os recursos da informática permitem a construção de
um cenário em que texto e extratexto se conjuguem.
Quando se busca estudar a literatura brasileira incluindo seus autores, seus
textos e seu público, bem como a indústria cultural, as instituições que
legitimam o objeto literário e a historicidade de todos esses fatores, a
reprodução digital de documentos, os bancos de dados, as bibliotecas virtuais,
os tratamentos da imagem, o hipertexto, enfim, as facilidades trazidas pelas
novas tecnologias manifestam sua plena potencialidade relacional.
Através de um projeto integrado, financiado pelo
CNPq, intitulado Fontes da Literatura Brasileira, a equipe de pesquisadores da
PUCRS, liderada por Regina Zilberman, levou a cabo
durante 13 anos vários projetos de memória literária, onde se desenhou um
horizonte de pesquisa ainda pleno de promessas. Dados objetivos, decorrentes da
recuperação e coleção de fontes primárias, postos em circulação e em contato,
já contribuíram com novos conhecimentos históricos, críticos e até teóricos
para a área de Letras, como se pode comprovar através de livros como As
Pedras e o Arco: fontes primárias, teoria e história da literatura,[1] ou Caderno de Pauta Simples: Erico Veríssimo e a Crítica Literária[2].
Resultantes do Projeto Fontes foram os
acervos de escritores sulinos, hoje em número de dez, mais quatro coleções
documentais, que impuseram a adoção de medidas
tecnológicas para a preservação e a investigação dos documentos neles reunidos.
A matéria dos acervos inclui manuscritos, datiloscritos,
esboços, notas de pesquisa e de leitura, correspondência, iconografia, itens
audiovisuais, obras de arte, ilustrações, bibliotecas pessoais, edições
nacionais e internacionais, toda espécie de notas de imprensa, desde
entrevistas até anúncios, registros de adaptações, fontes de fortuna crítica,
contratos, prestações dc contas, layouts,
folhetos e cartazes de publicidade, objetos pessoais, souvenirs,
homenagens de toda sorte e documentos pessoais.
A necessidade de mobilizar essa imensa massa de
vestígios materiais da vida e da obra de escritores tais como Erico Verissimo, Dyonélio
Machado, Reynaldo Moura, Josué Guimarães, Mario Quintana,
Lila Ripoll, Pedro Geraldo Escosteguy e outros, obrigou à informatização. O Acervo
Literário de Erico Verissimo
foi o modelo-piloto de todo o empreendimento, gerando um sistema original de organização,[3] expandido aos
demais acervos e hoje adotado até
Tudo ficaria demasiado restrito à consulta direta,
com a manipulação de uma gama extensa de documentos, o que se tornaria inviável
sem o auxílio da digitalização e da catalogação eletrônica. Mesmo existindo
catálogos, as limitações advindas da necessidade de manusear milhares de fichas
preenchidas a mão ou datilografadas, com atenção ao cruzamento de dados,
tornaria a consulta muito demorada e inviabilizaria o trabalho de consulentes
internacionais, que em geral não dispõem de tempo para acessar as fontes que os
interessam. Isso sem falar no problema da catalogação propriamente dita e dos
danos possíveis aos documentos em virtude do manuseio e exame não mediado por
veículos protetores.
Tendo em vista a especificidade da documentação e da
pesquisa literárias, os acervos de escritores sulinos foram tratados informaticamente a partir do sistema de organização
elaborado pelas diversas equipes de pesquisa que ao
longo de onze anos se envolveram com o trabalho de acervo e que se encontra não
só publicado nos Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias, mas está
disponível na internet, no endereço:
www.pucrs.br/fale/pos/centrodememoria/trabalhos.htm
Esse manual, idealizado pela coordenadora do Acervo
Literário de Erico Verissimo
e surgido dos sucessivos encontros do Grupo de Pesquisa de Acervos de
Escritores Sulinos, de reuniões e jornadas de trabalho com manuscritos de seus
coordenadores e bolsistas, estabelece as diretrizes a serem observadas na coleta,
acondicionamento, arquivamento e catalogação de qualquer dos acervos
pertencentes ao Centro de Memória Literária da PUCRS. Foi pensado em função da
informatização dos acervos e, abstraindo-se os elementos relativos à coleta,
acondicionamento, armazenamento e conservação do material, encontram-se nele os
modelos de todas as fichas catalográficas eletrônicas
para cada espécie de arquivo, com instruções detalhadas para preenchimento,
seja ele manual ou digitalizado.
Quinze espécies de arquivos documentais podem ser
organizadas e catalogadas pelo sistema, conforme as características da produção
de cada autor. São elas: 01- Originais, 02- Correspondência, 03- Publicações na
Imprensa, 04- Esboços e Notas, 05-Ilustrações, 06- Documentos Audiovisuais, 07-
Memorabilia, 08- Comprovantes de Edições, 09-
Comprovantes de Crítica, 10- Comprovantes de Adaptações, 11- Objetos de Arte,
12- História Editorial, 13- Biblioteca, 4- Vida e 15- Obra.
Os catálogos têm entradas gerais, que discriminam o
código do material, o nome do acervo, a categoria do item, seu gênero,
localização na sede do acervo (móvel e compartimento), autor do item, título
(quando houver), data de produção, número de páginas, estado de conservação e
descrição de dimensões, suporte e conteúdo. Para cada arquivo, conforme sua
natureza, pode haver outras entradas específicas.
A ficha da classe 01-Originais, por exemplo,
registra os manuscritos das obras do autor que resultaram na primeira edição ou
alguma das versões anteriores, na falta destes, assim como textos prévios
inéditos ou abandonados pelo autor, desde que apresentem um grau razoável de finalização.
Sua configuração prevê, além dos dados gerais, o número de volumes. O
preenchimento permite a inclusão de dados duvidosos, designados por ponto de
interrogação e a ausência de dados, por travessão. As datas iniciam pelo
ano/mês (abreviado)/dia. Os volumes componentes do
item são registrados com U para único o com o número total. Se
pertencem a uma coleção, indica-se o número da mesma. Na entrada
Localização, residências particulares, instituições, salas, armários,
compartimentos destes, estantes, prateleiras destas, caixas e volumes são
indicados pelas letras iniciais, assim como em Estado, abreviam-se muito bom,
bom, regular e péssimo pela inicial.
A descrição discursiva do item, para papéis,
menciona o suporte físico, suas dimensões, tipos de papel, tintas empregadas,
inscrições ou ilustrações, páginas faltantes ou intercaladas pelo autor,
numeração original, se houver, dados sobre a história do item. Para objetos,
refere-se o que o constitui, a substância de que é feito,
as dimensões, o tema, inscrições. É nela que se anotam dados e endereços em que
se encontram, quando estão fora do Centro de Memória Literária.
Na ficha da classe 15- Obra,
é possível conhecer a produção do autor, através de resenhas breves. No Banco
de Dados, dá acesso a todas as fichas relacionadas à obra X,através
de uma sigla usada em todas as demais, bem como a índices de uma edição padrão,
de caráter toponímico, antroponímico, incluindo
remissões as mais variadas, como a fatos históricos, entidades ficcionais e
mitológicas, e até marcas de fantasia que apareçam na obra.
Cada ficha é também preenchida por assunto, com até
cinco palavras-chave, a partir de uma lista básica, mas modificável. O Assunto
dá acesso eletrônico à ficha no banco de dados em que todas estão incluídas.
Desse modo, pode-se procurar por área (ex.: Biografia, Literatura Estrangeira,
História, Cultura Brasileira), por conteúdo ficcional (relações pessoais,
políticas), por conteúdo não-ficcional (indústria cultural, relações
institucionais), por elemento do item ficcional (personagem, enredo, cenário,
obra de XX), por local (países), por época/evento (Ditadura Militar, Revolução
de 30).
Um software desenvolvido para os acervos pela Bell Systems, para rodar na plataforma Windows, informatiza
essas fichas à medida que vão sendo preenchidas por coleta de dados no
acondicionamento e arquivamento. Prevê a digitalização do item através de scanner
a cores, acoplando, em hipertexto, arquivos de texto/imagem/som a essas
fichas e, com isso, dispensando a consulta ao item original, salvo para estudos
de suporte ou marcas de escrita. A utilização de arquivos dessa natureza,
entretanto, não permite impressão ou cópia, para salvaguardar os direitos
autorais dos herdeiros.
O programa
de informatização Acervo oferece, no menu principal,
as opções: “tabelas”, “pesquisa” e “material”.
A opção “Tabelas” é codificadora.
Pode ser utilizada para adicionar ou alterar: 1) Nomes de acervos e suas
siglas; 2) Grupos (classes de materiais) e seus respectivos números; 3)
Categorias do material e seus códigos; 4) Gêneros do mesmo e suas siglas; 5)
Assuntos na lista dos mesmos que consta na ficha e suas siglas; 6) Índices; e
7) Tipos de históricos relativos ao acervo X, que informam sobre bolsistas,
coordenadores, correspondência, documentação legal, eventos, exposições,
herdeiros, história do acervo, projetos, relatórios, trabalhos produzidos e/ou
publicados.
A opção “Materiais”, após escolher-se o acervo
do escritor a ser consultado, abre a ficha catalográfica
de cada item do acervo X. É identificada, abaixo, pelo dia, mês, ano e hora em
que foi elaborada ou modificada (data da última atualização). No cabeçalho
possui os campos: fechar, desfazer, recortar, copiar, colar, encontrar,
encontrar próximo, filtro avançado, filtro por
seleção, remover filtro, classificação crescente, classificação decrescente,
primeiro, anterior, próximo, último, novo registro, salvar registro, excluir
registro e abre tela menu.
As fichas
correspondem aos itens das classes de documentos existentes nos acervos:
Originais
Correspondência
Publicações
na imprensa
Esboços e
Notas
Ilustrações
Audiovisuais
Memorabilia
Comprovantes
de Edição
Comprovantes
de Crítica
Comprovantes
de Adaptação
Objetos de
Arte
História
Editorial
Biblioteca
Vida
Obra
Todos Grupos
Em cada ficha a existe a opção “Assuntos”. Esta inclui
palavras-chave como Artes Visuais, Autógrafo do Autor, Beethoven, Artigos
Brasileiros, Autocrítica, entre muitos outros. A palavra-chave permite, na
opção “Pesquisa – por assunto”, recuperar todas as fichas em que ela conste. Ainda
há duas opções: Imprimir ficha, que fornece a ficha em sua versão final; e Foto
Grande, que exibe a imagem do material.
A opção “Pesquisa” abre campos a serem preenchidos
conforme os interesses do consulente. São eles:
·
Pesquisa por material, em que se podem localizar, por exemplo, ilustrações;
·
Pesquisa por assunto, que remete a, por exemplo, Drummond;
·
Referência bibliográfica, quando se desejam listas de bibliografia constante no
acervo, como fortuna crítica ou biblioteca do autor;
· Referência
bibliográfica por assunto, que refina a busca bibliográfica;
·
Ficha por material, que gera o modelo de uma ficha de acordo com o material,
·
Ficha por categoria, que gera o modelo de uma ficha de acordo com a categoria,
·
Históricos, correspondendo a dados sobre as atividades do acervo.
A facilidade de obtenção de dados, utilizando-se os
catálogos eletrônicos para acervos literários, pode ser medida se comparada à
penosa pesquisa manual, através da consulta ficha a ficha, sem possibilidade de
formarem-se listas e sem índices remissivos entre as fichas. Diante de um
catálogo eletrônico, o pesquisador apenas comanda um roteiro preestabelecido,
reunindo dados que o interessam numa velocidade em tempo digital. Além de
dispensar em muitos casos a pesquisa direta ao documento, preservando-o de
desgaste, esses recursos de informatização oferecem, em tempo reduzido,
acesso a uma variedade tão grande de materiais e assuntos, bem como a datas e
dados multidisciplinares, que um trabalho com os documentos em si jamais
alcançaria num prazo razoável.
Dessa forma, a existência da catalogação eletrônica
de acervos não apenas é instrumento de preservação de nossa memória literária,
como abre novos horizontes de pesquisa na área dos estudos literários,
mobilizando elementos que, sem a informatização, os pesquisadores só poderiam
associar com muita dificuldade. Como o processo associativo inesperado é a
fonte de novos conhecimentos, pode-se avaliar a necessidade de que os recursos
digitais sejam empregados em ampla escala em questões documentais, antes que os
dados essenciais desapareçam.
<REVISTA TEXTO DIGITAL>
[1] Obra
publicada pela editora da UFMG, de Belo Horizonte, em 2004.
[2]
Edição do Instituto Estadual do Livro, de Porto Alegre, em 2005.
[3] Consulte-se os Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias
da PUCRS, Porto Alegre, v.1, n.1, jan. 1995, que publica o Manual de
Organização do Acervo Literário de Erico Veríssimo.