<REVISTA TEXTO DIGITAL>
ISSN 1807-9288
- ano 2 n.1 2006 –
http://www.textodigital.ufsc.br
ALGUMAS TESES SOBRE AS
REVISTAS ACADÊMICAS DIGITAIS
SOME
THESES ABOUT THE DIGITAL ACADEMIC MAGAZINES
Luis Filipe M. de
Souza Ribeiro
Doutor
em História pela UFF
Universidade
Federal Fluminense
1.- As revistas acadêmicas
digitais, de uma forma ou de outra, transportaram para o meio digital, os
formatos e, com eles, os vícios das revistas impressas, deixando, com isto, de
tirar partido das inúmeras possibilidades que a edição digital permite e
possibilita.
2.- A própria noção de revista como
edição periódica manteve-se, via de regra inalterada. Com isto, reafirmaram a limitação
física do meio impresso, numa forma de edição mais ampla e flexível, como a
digital.
3.- Ora, uma edição impressa em
papel encontra limites físicos, seja no tamanho do objeto impresso, seja na
escala de custos que isto significa, seja mesmo na possibilidade de manuseio de
leitura. Uma edição digital escapa de tais limitações, podendo ter qualquer
dimensão física, sem aumento considerável de custos; sua extensão não causa
problemas de manuseio.
4.- O princípio da periodicidade,
insuperável numa edição impressa – pois não se pode atualizar uma revista! –,
não é problema para a edição digital. Esta enorme vantagem não tem sido, até
aqui pelo menos, utilizada nas revistas acadêmicas. A periodicidade corresponde
necessariamente a volumes impressos e, assim, inalteráveis ao longo do tempo.
Mesmo uma segunda edição corrigida não é mais a mesma revista e demanda
referência bibliográfica distinta. Num meio digital, a atualização pode e deve
ser permanente, sendo necessária para isto a superação do fetiche do texto
impresso como objeto acabado e intocável. Isto demandará uma enorme flexibilização de nossos conceitos de texto e de fidelidade
textual.
5.- Por outro lado, a tradição
moderna de leitura se impôs como uma atividade, silenciosa e individual, de
caráter linear, com eventuais cruzamentos de informação, na forma de
referências bibliográficas e de notas de pé-de-página.
Com o advento da informática e da internet, a noção de leitura sofreu
ampliações de caráter radical. As técnicas do hipertexto, as possibilidades de
cruzamentos e intercruzamentos de informações, a flexibilidade da navegação em
todas as direções do texto , as ferramentas de busca,
as diferentes formas de glosa e anotações, o fácil e rápido cruzamento de
informações entre diferentes textos, a própria superposição de textos fizeram
da leitura um movimento amplo, não-linear, o seu tanto caótico e de uma
inescapável infinitude de possibilidades.
6.- Estas possibilidades e riquezas
só muito lentamente se concretizam no universo acadêmico e de suas revistas
digitais. Há uma surda e persistente resistência à leitura na tela do
computador. Ela é entendível e justificável: é fruto de uma longa tradição da
leitura do objeto livro e de suas limitadas possibilidades de manuseio, ainda
que muito mais amplas que as dos rolos que o antecederam. Sempre que o suporte
material da escrita sofre alterações de monta, as resistências se apresentam e
são de longa duração. Não penso com isso que o livro de papel vai acabar, nem
sou adepto de teorias apocalípticas sobre o futuro da cultura na época da
informatização. Apenas, ocorreu a invenção de um novo suporte para a escrita,
cheio de promessas e de possibilidades novas. Ele se agrega ao livro
tradicional e passa a construir o livro mais aberto das bibliotecas virtuais.
Há um acréscimo, jamais uma subtração.
7.- As imensas possibilidades de
leitura, abertas pelo texto eletrônico, ainda não se materializaram na
concepção das revistas digitais que, em tudo e por tudo, tendem a imitar o
formato das revistas de papel. Não oferecem elas,
claros e ágeis, instrumentos de navegação e de cabotagem. Falta-lhes ainda a
agilidade que o meio em que nasceram e se desenvolvem lhes oferece. Mas é tudo
um problema de infância e crescimento. Estamos ainda engatinhando nesse universo
de possibilidades textuais. Computadores cada vez menores, telefones celulares
inteligentes e agendas eletrônicas flexíveis colocam ao alcance de todos a portabilidade do livro, com a flexibilidade da
leitura eletrônica. Resta que nossas revistas se adaptem às novas
possibilidades, sem que precisem abrir mão da qualidade, da seriedade e da
profundidade que nossa prática intelectual demanda.
8.- Mais que todas, a
possibilidade de reescrever o texto lido instaura uma prática dialógica que, no
livro de papel, resumia-se nas anotações à margem, que tanto enriquecem o
processo de leitura. Agora, trabalhar e retrabalhar o
texto alheio, sem dele apossar-se intelectualmente, faz-nos ser leitores ativos
e reorganizadores das trajetórias das múltiplas leituras que se entrecruzam na
nossa prática discursiva. Escrevendo sobre o lido ou reescrevendo o entendido,
passo a ser eu um leitor-escritor, sem medo de travar o criativo trabalho do
diálogo, do qual nascem todas as possibilidades de significação do ato de leitura.
9.- A co-presença física do autor e
do leitor na prática discursiva do texto eletrônico esclarece e amplifica as
postulações de Mikhail Bakhtin sobre a natureza centralmente dialógica da
linguagem. A possibilidade de navegar em múltiplas direções num mesmo texto, de
travar diferentes níveis de diálogo numa mesma leitura, rompem
a linearidade do sintagma e conduzem a uma prática que resolve a oposição
sintagma/paradigma numa dialética criadora de significações sempre renovadas.
10.- Nas revistas acadêmicas, tais
aspectos ainda não foram explorados suficientemente. Faltam-lhes a ousadia
teórica e a inteligência estratégica, para buscar novas dimensões para o ato de
ler.
11.- Outro aspecto que vale ser
trazido à discussão é, inevitavelmente, o problema da existência e
sobrevivência de tais revistas. Até aqui, a nossa experiência parece ter sido
pautada pelas exigências cartoriais das agências de fomento, que viabilizam
economicamente os cursos de pós-graduação no Brasil. Tal mecenato nada tem de inocente
e escraviza a pesquisa científica a critérios meramente quantitativos, em que a
qualidade tem que necessariamente ceder espaço aos pontos percentuais de
"produtividade". Nossa pesquisa está condenada a, sempre e
necessariamente, "dar certo". Nos grandes centros intelectuais e
tecnológicos, se
12.- Com isto, necessidade e a pressa
em publicar, e publicar em quantidade, tem levado a maioria das revistas a
tornarem-se meros arquivos-mortos, registros
cartoriais, depósito de borradores em fase de amadurecimento. É de notar-se a
ausência quase completa de debates, de polêmicas, de divergências que são o
motor do avanço científico e da renovação do pensamento.
13.- A entronização de uma linguagem
arrevesada e pretensamente científica, ilegível e aborrecida, tem feito dos
textos acadêmicos obras sem leitores e teses sem refutação. Nasce tal linguagem
do mito de que a verdade científica só é acessível aos especialistas. Ao
contrário, a história humana e a história das ciências têm demonstrado que os
grandes pensadores e os grandes descobridores, por pensar claro, escrevem
claro. Vencer a barreira da ilegibilidade é tarefa
primordial de sobrevivência das revistas acadêmicas, em especial na era da
internet, em que o acesso a elas é universal e irrestrito.
14.- As experiências editoriais
eletrônicas, via de regra, ocorrem na esfera das instituições acadêmicas, com
todos os óbices que a vida institucional coloca para decisões que exigem
rapidez e execução imediata. Via de regra, os núcleos de informática prática
– os provedores de hospedagem e de acesso – vinculam-se a outras esferas de
decisão administrativa que os programas de graduação ou de pós-graduação que
produzem as revistas eletrônicas, o que termina por gerar conflitos de
competência e disputas administrativas estéreis e paralizadoras.
Os informatas, normalmente, entendem bem de seu riscado, os computadores, mas
não têm a paciência de imaginar que as revistas dirigem-se a não especialistas.
Com isto, em pouco facilitam a vida de quem pretende apenas lançar mão dos
recursos da informática para fins que escapam da própria informática. A maioria
das revistas exige ajuda especializada para poderem ser manuseadas por
recém-chegados e por não-especialistas.
15.- Na esfera privada, as coisas não
são nada mais fáceis. Pelo menos em nosso país, a possibilidade de uma revista
de corte acadêmico poder ganhar vida independente está vinculada ao mercado da
publicidade. Este, no que diz respeito à internet, tende a usar como critério
de avaliação de uma revista como meio de divulgação o que chamam, meio
misteriosamente, de "visibilidade". Ou seja, uma revista merece
receber anúncios na proporção de visitas que recebe diariamente. Ora, uma
página de sexo - explícito ou não - consegue uma visibilidade diária, que uma
revista acadêmica não atinge em um ano de existência. Assim prosperam as
páginas de namoro, de encontro, de fotografias de celebridades. Dificilmente
haverá espaço para o apoio publicitário a uma iniciativa que não renderá nunca
50.000 visitas diárias. Com isto a viabilidade e a sobrevivência de uma revista
privada é escassa e sua presença no mercado dependerá
de muita abnegação e de um desprendimento econômico franciscano.
16.- Mas, um
futuro claro já aí está. Cheio de possibilidades a serem exploradas, manuseadas,
percorridas com curiosidade. Depende de nós o esforço para adptarmo-nos
a um novo tempo, a uma nova velocidade, a possibilidades entressonhadas
de democratização do saber.
<REVISTA TEXTO DIGITAL>