

Ao leitor.
Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jocundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
Machado de Assis
Clique. O breve espaço deste gesto pode representar a diferença entre o ser e o não ser no universo do ciberespaço.
Será?
A propósito do tempo, escolhemos citar Machado de Assis não só para deixar um registro de seu nome nesta publicação no ano do centenário de sua morte, mas porque a sua obra é uma prova de que nem sempre o tempo vence.
Em seu delírio, Brás Cubas conhece a força do “minuto que vem” e, ao mesmo tempo, a fragilidade de sua existência. A velocidade do tempo, os seus limites e a necessidade de que o próximo substitua o anterior, expressos na epígrafe, nos remetem ao tempo-espaço sem fronteiras da internete e toda a produção artística ou (ou supostamente artística) que ela veicula.
Considerando o caráter efêmero do supostamente novo transformado em velho, no breve espaço de um clique, fica a pegunta: devemos guardá-los? Substituí-los incessantemente? Ou esquecer ambos? Construir ou experimentar: precisamos escolher entre estas duas atitudes? Ou buscar uma terceira alternativa que englobe as duas? Estas são algumas questões que aparecem a partir da leitura do texto de Edson Costa Duarte. Em “Babelização e desbabelização (para uma utopia do virtual)”, o autor, partindo da discussão do conceito de tempo, apresenta e discute outros conceitos, focando sua atenção no caráter transitório do objeto virtual.
Ao questionar a natureza deste objeto somos levados a outras perguntas que ainda sem resposta: a produção em meio digital implica necessariamente em novas concepções de composição? Até que ponto a mudança de suporte mexe com a natureza do objeto artístico e/ou literário nele criado? Essa mudança de suporte afeta também a leitura e a interpretação desse objeto? Até que ponto esta nova ferramenta gera um novo fazer acadêmico, um novo pensar?
Se há um a certeza em tudo isso é a de que este novo suporte abriu novos campos de estudo. São os estudos auxiliados por computador, geralmente interdisciplinares, por exigir conhecimento nos âmbitos da informática e da estatística, além do conhecimento específico na área do texto analisado. Um deles é o que utiliza a estatística textual a fim de investigar a autoria de um texto a partir do traços estilísticos. É deste campo o outro artigo publicado nesta edição.
José Carlos Jardim Júnior se aventura na investigação de um mistério que remonta ao século XVIII: a autoria das Cartas Chilenas. Utilizando recursos da estatística textual, o trabalho “Apontamentos de análise informatizada em torno das cartas chilenas” estuda aspectos estilísticos a partir do conjunto dos versos os sáficos, agregando aos estudos já existentes sobre as Cartas, mais elementos que contribuam para a identificação de sua autoria.
As investigações que aliam o uso do computador e métodos estatísticos de análise de dados para o estudo de textos têm quase meio século em países como França, Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil o campo ainda é incipiente com quase nenhuma produção bibliográfica e a extensa bibliografia estrangeira ainda ocupa as prateleiras das livrarias.
Iniciada com mensuração das palavras das epístolas bíblicas de S.Paulo feitas por Augusto de Morgan, os estudos quantitativos têm a sua origem em 1851, de acordo com Anthony Kenny e Susan Hockey. Mas a primeira publicação na área é atribuída a outro pioneiro, o norte-americano T. C. Mendenhall que, em 1887, testa a hipótese de que a extensão das palavras pudesse ser uma característica distintiva de autoria no artigo “The characteristc curves of composition”.
Além dos textos, esta edição traz três trabalhos de arte eletrônica de Suzete Venturelli, professora e pesquisadora, membro do Instituto de Artes da Universidade de Brasília.
Seja bem vindo à sexta edição da Texto Digital, espaço aberto à experimentação, à criação e à reflexão sobre arte e literatura num contexto de novas tecnologias.
Deise Freitas
CRIAÇÕES
Curvas
Silepticoscorpos
Autômatos celulares bidimensionais
Suzete Venturelli
ENSAIOS
BABELIZAÇÃO E DESBABELIZAÇÃO (PARA UMA UTOPIA DO VIRTUAL)
Edson Costa Duarte
APONTAMENTOS DE ANÁLISE INFORMATIZADA EM TORNO DAS CARTAS CHILENAS
José Carlos Jardim Junior
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