<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 4 n.1 2008 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


DUARTE, Edson Costa. Babelização e desbabelização (para uma utopia do virtual). Texto Digital, Florianópolis, ano 4, n. 1, Julho/2008.

 

 

BABELIZAÇÃO E DESBABELIZAÇÃO (PARA UMA UTOPIA DO VIRTUAL)

 

BABELIZATION AND DESBABELIZATION (FOR A UTOPY OF VIRTUAL)

 

 

Edson Costa Duarte

Doutor em Literatura

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

Campinas, Brasil

 duarteazul@ig.com.br

 

 

RESUMO: Este artigo faz a descrição sumária de algumas características da cultura virtual, aqui pensada a partir de algumas discussões feitas sobre o conceito do tempo. A utopia está atada ao movimento vertiginoso e infinito do próprio tempo, e nos ajuda a delinear os contornos da babelização e desbabelização. A babelização pressupõe mecanismos de produção/recepção relacionados à proliferação, à confusão (Babel) ou amálgama de linguagens e materiais (suportes) da cultura virtual. A desbabelização está ligada à reprodução do mesmo, às homologias ou similitudes, e à paródia disseminados na cultura virtual.

 

PALAVRAS-CHAVE: Cultura virtual. Utopia. Tempo.

 

ABSTRACT: This paper is a brief description of some characteristics of virtual culture, thought here from some discussions made on the concept of the time. The utopy is tied with the movement’s own frenetic and infinite time, and help us shape the contours of babelization and desbabelization. The babelization presuppose mechanisms of production/reception related to proliferation, the confusion (Babel) or amalgam of languages and materials (media) of virtual culture. The desbabelization is linked with the reproduction of same, the homologies or similarities and parody disseminated in the virtual culture.

 

KEYWORDS: Virtual culture. Utopy. Time.

 

 

 

Poema pictura loquens, pictura poema silens.[1]

 

Los hombres son figuras en el tiempo y el espacio y en cualquier momento, como corresponde a su posición en estas cuatro dimensiones, pueden ser localizados y datados. Pero con esto no basta. Como quinta coordenada se añade en el caso de los hombres y de todo aquello que experimentan y hacen, la determinación de su paso a través del universo simbólico, donde los hombres conviven. Representante manifiesto de esta dimensión es el lenguaje, esto es, los símbolos globales, complejos, humanos, diferentes de una sociedade a outra, que sirven, asimismo, para que los hombres se comuniquem y orienten. Pero a esta dimensión pertenecen también los contenidos simbólicos como, por ejemplo, los conceptos o lo que llamamos el “sentido” de las comunicaciones – dicho con brevedad, todo cuanto en el trato de los hombres pasa y es configurado por su “conciencia” – y también el significado actual de los conceptos “espacio” y “tiempo”. Éstos como otros símbolos humanos no se dan de una vez por todas. Siempre están en movimiento, siempre haciéndose lo que son y siempre en devenir.[2]

 

BABELIZAÇÃO DESBABELIZAÇÃO: PARA UMA UTOPIA DO VIRTUAL

 

A utopia não se separa do movimento infinito: ela designa etimologicamente  a desterritorialização absoluta, mas sempre no ponto crítico em que esta se conecta com o meio relativo presente e, sobretudo, com as forças abafadas neste meio. A palavra empregada pelo utopista Samuel Butler, “Erewhon”, não nos remete somente a “No-Where”, ou a parte-Nenhuma, mas a “Now-Here”, aqui-agora.[3]
 

Gostaria de descrever, sem nenhum intuito de alcançar respostas definitivas, algumas questões vinculadas a uma de minhas eternas obsessões: o tempo. Conceito este de fundamental importância para qualquer discussão sobre a cultura virtual. Em seguida, gostaria de multiplicar questionamentos relacionados a este conceito-matriz, para que possa expor reflexões que me vêm diante do que se conceituou virtual.

 

A utopia, atada ao movimento vertiginoso e infinito do próprio tempo, nos ajudará a delinear os contornos da babelização e desbabelização, conceitos subjacentes a tudo o que aqui será dito. De um lado, a babelização pressupõe mecanismos de produção/recepção relacionados à proliferação, à confusão (Babel) ou amálgama de linguagens e materiais (suportes) presentes na cultura virtual. De outro lado, a desbabelização está ligada à reprodução do mesmo, do similar, às homologias ou similitudes, ao pastiche e à paródia disseminados na cultura virtual.

 

Se entendemos por utopia o ponto paradoxal de junção de um tempo e de um espaço, teremos  minimamente esboçado o lugar conceitual de onde procuraremos observar e compreender a cultura e o objeto virtuais. Ora, quando falamos do virtual, estamos falando do que está ao mesmo tempo totalmente imerso, diluído no tempo, numa agoridade angustiante (o aqui-agora), e também de algo que só existe enquanto origem no imaginário,[4] estando, portanto, fora do tempo (no lugar-nenhum). Aí, o caráter paradoxal que o virtual carrega em si. 

 

Antes de fixar limites conceituais, deveríamos pensar a (des)babelização como um conceito híbrido, um conceito do trânsito, do tempo. Mas, para sermos didáticos, convém demarcar minimamente as fronteiras, descrevendo separadamente estes dois conceitos, numa redução necessária, para depois amalgamá-los nesta coisa mutante, mimetismo que participa da metamorfose do tempo.

 

DO VIRTUAL (DES)BABEL

               

Para começar a conversa, vamos a Jacques Derrida e a seu ensaio sobre tradução intitulado Torres de Babel.[5] Lendo este livrinho me veio a idéia de pensar o virtual a partir da metáfora da confusão da línguas, da babel, num movimento de diáspora representacional (babelização), pois a imagem virtual, por exemplo, é coisa movente e híbrida, que não comporta a síntese, a decantação (a não ser momentânea, fugaz); e concomitante a ele, outro movimento que seria aquele que determina ou separa o eternamente outro do mesmo travestido de novo (desbabelização).[6] 

 

Faremos, neste momento, uma síntese do que Derrida diz sobre a torre de Babel. Seremos sucintos. Derrida discute a sobre a traduzibilidade/intraduzibilidade de um texto a partir da metáfora da babel (confusão) de línguas, uma multiplicidade que interdiz não só a fixação de sentidos como a própria comunicabilidade humana. O autor entende que o mito da torre de Babel é o mito da origem do mito, a metáfora da metáfora, a narrativa da narrativa. Cito: “A ‘torre de Babel’ não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, ela exibe um não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de acabar qualquer coisa que seria da ordem da edificação, da construção arquitetural, do sistema e da arquitetônica.” (pp. 11-12) Para desenvolver esta idéia, Derrida inteira o leitor da própria ambigüidade da palavra Babel, que enquanto nome próprio deveria ser intraduzível, mas por uma espécie de confusão associativa, pode ser traduzido por um nome comum: “confusão”. 

 

Isto dito, Derrida cita Voltaire, dizendo que para o filósofo, Ba significa pai – nas línguas orientais – e Bel significa Deus; daí chega à conclusão que Babel significa a cidade de Deus, a cidade santa, e afirma que os antigos davam este nome a todas as suas capitais; em seguida Voltaire diz que é incontestável que Babel quer dizer confusão, seja porque os arquitetos se confundiram na altura da torre, sejam porque as línguas se confundiram. Aqui, a ironia presente no texto do filósofo.

 

Sobre esta multiplicidade de/das línguas, Derrida afirma que Deus é aquele que dá seu próprio nome (a cidade carrega o nome de Deus, o pai, sendo o pai da cidade que se chama confusão), dando todos os nomes. Deus é aquele que está na origem da linguagem, é, portanto, aquele que é o nome dessa origem das línguas.

 

“Mas é também esse Deus, que no movimento de sua cólera (como o Deus de Boheme ou de Hegel, aquele que sai dele, determina-se na sua finitude e assim produz a história), anula o dom das línguas, ou ao menos o desune, semeia a confusão entre seus filhos e envenena o presente (Gift-gift). É também a origem das línguas, da multiplicidade dos idiomas, dito de outra maneira, daquilo que se chama correntemente de línguas maternais.”(p. 14) 

 

Aqui, um resumo do mito, usado como metáfora da desconstrução e da proliferação, da multiplicidade dos sentidos. 

 

ESTÉTICA OU UTOPIA(?) DOS TEXTOS IMPUROS

 

Comment redonner du sens à l’art alors qu’il est de plus en plus remis en cause par la fantastique inflation de l’univers des images et de sons que provoque l’explosion des tecnologies de la communication? Commer opérer, au sein du domaine réservé et protégé de l’art, la réunification symbolique de cette cacosémie qui plonge la société dans un océan furieux de signes? La solution apparaît du côté de l’ouverture qui propose une logique figurative fondée sur la polysémie. Polysémie associée à une participation perceptive du spectateur – interdite dans la communication sans feedback des médias de masse – qui peut se limiter à une relecture attentive de l’ouvre et à une priorité du processus sur le produit.[7]

 

Paradoxo primeiro: pensar utopicamente em uma estética do virtual é antes de tudo pensar uma estética dos textos impuros, pois já não é mais possível buscar o belo ou o sublime (enquanto conceitos imutáveis ou apriorísticos) num “texto” que é uma mescla de linguagens outras, heterogeneidades diversas, sobreposição do singular e do mesmo, evanescência de significados. É, sobretudo, pensar num “texto” que é imagem em constante mudança. Um “texto” que é, antes de tudo, processo e não produto.

 

Paradoxo segundo: Isso é o que se pode dizer da arte virtual, enquanto matéria movente. E se procurarmos categorias estéticas que se lhe apliquem, necessariamente elas deverão incorporar este caráter não fixo de um “objeto” de arte feito para ser fruído em meio digital. A fruição de um texto digital é, então, o sempre estar nestes instantes que se (des)dobram e (re)dobram formando um espaço que tende a se tornar, pela impossibilidade de demarcarmos nitidamente suas fronteiras, ao mesmo tempo “ausente” e “infinito”.   

 

O que buscaremos, neste momento, é apenas o sucinto mapeamento de algumas características do possa ser esse chamado “objeto artístico digital”. Ou, melhor dizendo, procuraremos descrever um “sintoma”, cuja profilaxia posterior só poderá ser alcançada quando pormenores outros, hipóteses outras confirmarem, corroborarem ou desmentirem nosso diagnóstico primeiro.

 

Temos, a partir deste objeto expansionista toda uma constelação discursivo-conceitual já assentada, que procura dar conta de suas especificidades, na grande maioria dos casos tomando como ponto de partida categorias conceituais usadas para descrever as outras artes da imagem, a fotografia, a pintura, o cinema etc.[8] Embora muitos teóricos tomem por base esta cultura da imagem anterior à era do digital, é preciso dizer que a imagem digital não se deixa reduzir por estas descrições. A imagem digital é de uma “matéria” absolutamente outra, e a tentativa de descrevê-la (aplicando categorias conceituais dessas outras artes) pode nos levar a uma perigosa imprecisão terminológica.

 

A imagem digital é ambígua e paradoxal, ela é o todo e o fragmento indissociavelmente atados, estando, também ela, atada ao tempo. Por isto, analisá-la aplicando uma terminologia (das estéticas tradicionais?) que tende a fixar os contornos do objeto artístico pode ser temerário. Isto é dito porque comumente se “lê” uma obra no intuito de se fixar significações, mas a obra digital deve ser pensada como um processo infindável de significações em movimento. A própria significância ou fruição é o que deve estar em primeiro plano quando se pensa na cultura virtual. 

 

Quero dizer com isto que para a obra digital os critérios interpretativos e as cadeias discursivo-conceituais devem se ater à idéia de uma “imagem-processo” e não no desejo de estabelecer um roteiro de leitura ou interpretação que determina um “início” e um “fim” da obra, gerando seu encarceramento (enquanto objeto, ou lugar artístico) entre estas duas paredes e outras mais, fixando ou engessando a obra, poder daí “descrevê-la” com algum grau de segurança e acerto.

 

Além deste caráter movente da imagem digital, é preciso atentar que os critérios de valor das estéticas tradicionais não cabem mais para uma cultura do virtual. Aqui, é preciso ressaltar que o virtual se estabelece em uma cultura de massa e também num momento em que a técnica deixa de ser relegada a um segundo plano, para ganhar o primeiro plano da cena.

 

DE ALGUMAS UTOPIAS DO VIRTUAL

 

Aqui, penso estabelecer-se o primeiro grande racha nos teóricos que se ocuparam do virtual. As posições não são tão maniqueístas como podem parecem a um leitor de primeira sentada, e os equívocos, creio, se teceram justamente por isto.

 

Passemos rapidamente esta questão. Sendo esquemáticos, teríamos:

 

A crença. De um lado, haveria uma nítida crença de elevação do virtual à categoria de máximo expoente de uma realização tecnológica e artística, no sentido de ampliar os horizontes do saber, de uma partilha humanitária do conhecimento etc. Desta corrente, Pierre Lévy seria um dos representantes que ganhou maior visibilidade, um dos porta-vozes desta euforia retórica cuja prática nem sempre vemos concretizada.

 

A descrença. De outro lado, há toda uma constelação de autores que relacionam a questão do virtual a outras questões vinculadas à crítica da cultura pós-moderna. Como é humanamente impossível esquematizar (sem que isto seja um assassínio) a teoria destes autores, cujas obras, além de serem complexas, muitas vezes contêm posições divergentes, apenas Baudrillard (do qual falo um pouco mais adiante) será o eleito para exemplificar esta corrente. Falo, dentre outros, de Gilles Deleuze, Félix Gattari, François Lyotard, Fredric Jameson. Estes autores propõem questões que estão longe da aposta ingênua de que o virtual seria uma espécie de deus ex-machina que vem pôr fim a todas as aflições humanas.

 

Estamos, no entanto, de qualquer lugar que se fala, numa terra de ninguém (numa no man’s land, na utopia),  pois de qualquer maneira precisamos re-inventar um modo de descrever este mundo novo, esta época de metamorfoses do real cada vez mais velozes.

 

Pensando o virtual dentro da cultura pós-moderna, uma primeira questão importante seria a dificuldade que temos em não confundir o que poderia ser o verdadeiramente “novo” com a “novidade”. Numa época de sucessão vertiginosa de potências criativas - dadas pela técnica - num momento em que a paródia, o pastiche, a colagem, o mosaico são cada vez não mais a derivação de uma mente vulgar e incapaz da criação, mas uma derivação lógica e consciente de que nada mais persiste ao tempo. Esta questão, levada a seus limites, nos leva a mais um paradoxo:

Há ainda razão em falar em “novo” e “novidade” num tempo em que nada, nenhuma coisa, nenhum tempo é mais remoto do que o ontem?[9]

 

Tudo isto dito, para afirmar que o próprio “dispositivo” da imagem digital traz em si sua entropia ou fissão, que numa fração mínima de tempo a fará explodir em tantas outras possibilidades artísticas. A arte digital é feita para ser efêmera, fugaz instante, e a proliferação infinita que a rege, estas camadas e camadas de “textos” em mise en abîme, em palimpsesto, nada mais são do que instantes de fruição que se fazem na disseminação do mesmo, envolto em tantas máscaras.

 

A tautologia (a desbabelização), portanto, seria o círculo de centro maior onde toda a arte digital gravita ou se ramifica em círculos concêntricos (a babelização). O fluxo, em todas direções, entre estes círculos é o que constitui a fruição. O círculo maior, da tautologia, prescreve um tempo mais dilatado, ou momentaneamente congelado, se assim se pode dizer, dentro do qual proliferam objetos quase indistintos, rastros ou sopros de coisas efêmeras assim como as línguas mortas: Babel é o temp(l)o da língua das delícias.

 

Estamos, neste momento, diante de uma proliferação de objetos que criam discursos em torno deles, mas que não escapam da agonística[10] geral presente na própria linguagem. Queremos dizer com isto que há uma luta constante contra a morte na cultura virtual, por isto, metaforicamente, a proliferação infindável acaba sendo um meio de preservação da própria vida.

    

     DE ALGUMAS VIRTUALIDADES

Alors que l’art traditionnel reposait sur un système de représentation dûment institutionalisé, celui de Beau-Arts, et étroitemente solidaire d’un système technique parfaitement spécifique (peinture, dessin, gravure, etc., et ses multiples sous-catégories), l’art, dès le début du siècle, en substituant le réel à son image (collages et ready-mades) et en s’ouvrant à toutes les techniques, à tous les matériaux possibles, sans aucune interdiction de principe, refuse de s’enfermer dans une quelconque spécificité.[11]

 

Diante deste quadro, uma das perguntas que podem ser feitas é a seguinte: como pensar, esteticamente, o objeto artístico virtual com os julgamentos de valor presentes em toda estética? 

 

Quero dizer com isto que para julgarmos é preciso separar o joio do trigo, mas quando se pensa na multiplicação infinita possibilitada pelo virtual, este processo de escolher grãos pode se tornar inviável. Há, no virtual, um enorme predomínio da técnica, ou a técnica[12] ganhando uma visibilidade nunca antes alcançada. Esta característica possibilita a proliferação infindável de objetos virtuais considerados artísticos ou não. Este quadro descrito, por sua vez, impossibilita uma descrição satisfatória deste universo (de objetos virtuais), que tende ao infinito.

 

Como determinar a singularidade de tais objetos? Como pensar uma estética do efêmero, completamente oposta/diferenciada a/de qualquer estética até hoje delineada?

 

Para quem lê um pouco mais calmamente Baudrillard, por exemplo, antes de ver nele um crítico mordaz deste império do virtual saberá que, no fim das contas, ele quer pensar justamente como o efêmero virou moeda corrente, e como na sociedade pós-moderna a fugacidade virou não só moeda de troca, mas também a própria essência da cultura. Não podemos falar mais em valores eternos (como beleza, sublime etc.), podemos apenas procurar constatar como hoje o mesmo pode se traduzir (em raros casos) enquanto outro, enquanto ouro.  Isto quer dizer que a reprodução do mesmo é moeda corrente, a dificuldade que se encontra é se conseguir criar um produto estético em que este mesmo reluza.

 

Aí, penso, está o porquê de Baudrillard ver em Andy Warhol o último dos criadores verdadeiramente singulares, porque fez justamente da ausência da singularidade, da arte enquanto valor de consumo, a sua reflexão estética. E, mais que isto, Warhol colocou em xeque, guilhotinou de vez, por assim dizer, a idéia de que ainda fosse possível, na cultura pós-moderna, pensar em elementos estéticos e artísticos perenes. Se antes, ao que parece, foi Duchamp um dos pioneiros da discussão sobre a aleatoriedade e a institucionalização (os críticos de arte e os museus, por exemplo) do que se convencionou chamar artístico, Warhol talvez tenha sido o artista a dar o golpe de misericórdia  no perene, ou o pontapé inicial no efêmero quando se pensa em arte.

 

DO OBJETO VIRTUAL

 

É preciso que isto fique claro porque é justamente o tempo um dos conceitos fundantes, centrais, a toda discussão sobre a cultura pós-moderna. E temos que pensar que estamos agora diante de um objeto artístico absolutamente novo, original, que tem que ser tratado e pensado em termos de contornos, de dispersões conceituais, de multiplicidade de objetos, de acontecimentos e de descontinuidades.

 

Como pensar o objeto virtual a partir de uma análise que tem (para ser verossímil) necessariamente que ser provisória? Uma análise, descrição, que não busque legitimar nada, nenhum conceito ou idéia que se fixe?

 

Só podemos pensar o objeto e a cultura virtual, é preciso que se repita, a partir da idéia de processo, de amálgama de contraditórios, de trânsito de conceitos, de redes conceituais que servem apenas para costurar um tecido fino e provisório, cuja aceleração temporal cuidará de sabiamente esgarçar. Quero dizer com isto, que só é possível tatear uma utopia do virtual, dificilmente se poderá pensar, tecer, descrever uma estética do virtual, como se fez com as outras artes.

 

É justamente aí, na efemeridade do gesto (cujo ancestral mais remoto seria Pollock) que o objeto virtual encontra sua efêmera singularidade. É quase como um susto. Como o sopro da criação. Quase como uma língua das delícias, anterior à própria fala. Mas, em verdade, o objeto virtual, pode-se pensar, verdadeiramente nunca chega a singularizar-se, porque sempre estará no quase. Sempre a um passo de.

 

DO ESPAÇO VIRTUAL

 

Quando falamos de babelização e desbabelização é preciso que saibamos que estes são dois processos artísticos/discursivos grudados à pele do virtual, mas que este, réptil que é, sempre nos levará a descrever contornos sucessivamente outros para que possamos dar conta dessa metamorfose do tempo.

 

Estaremos falando sempre de imagens, porque o virtual é o reino das imagens, imagens em movimento, mas ao contrário do cinema, por exemplo, as imagens virtuais podem ser muito mais aleatórias, e sua decupagem e montagem se dá em tempo “real”, portanto, nunca saberemos o final do “filme”, porque nunca poderemos vê-lo mais de uma vez.

 

Aqui, na imagem, penso que este processo de desbabelização toma contorno no sentido de que as páginas da internet têm, na imensa maioria dos casos, uma espécie de roteiro pré-estabelecido, quase como que um “esqueleto” que é seguido. Digamos que quando navegamos na rede, seja pela “recursividade” dos programas etc. – seja pela mesma “maquiagem” das páginas – a sensação mais presente é a do já-visto. O mesmo pode ser dito da grande maioria dos sites dedicados à poesia ou à arte em geral. Eles são pouco “criativos”, porque geralmente seguem uma máscara pronta. Raras são as exceções. O mesmo é sintoma da desbabelização.

 

Aí um outro sintoma, derivado do anterior: a proliferação de objetos virtuais, proporcionada pela técnica, dificulta muito a seleção, segundo alguns critérios estéticos vigentes, do que seria artístico ou não, do que “perduraria” no tempo. Aliás, além de ser humanamente impossível fazer um exaustivo mapeamento de tudo, para daí aplicar conceitos de valor, temos que nos perguntar se este objeto, o virtual, é feito para “durar”?

 

Aí, mais um impasse: como fazer um catálogo, um museu de objetos virtuais, uma seleção do que pode ou não ser artisticamente interessante ou singular, se a própria multiplicação pode mascarar o mesmo em diferenciado (cópia, pastiche, paródia etc. – tudo isto nos remete de novo à pop art), e além disto pode haver objetos virtuais absolutamente “geniais” que podem ter ficado na rede algum tempo e depois sumido sem ao menos termos notado! Aqui teríamos algo como observar uma estrela de primeira grandeza que vemos, mas que já morreu há muito! Infelizmente, no campo do virtual, isto ainda não é possível. As constelações visíveis, as estrelas visíveis, embora virtuais, ainda dependem da paradoxal materialidade do virtual.

 

Esta constatação é importante porque sabemos que os sites ficam no ar quando são visitados e não podemos afirmar que os mais visitados sejam os melhores etc. E mesmo os sites que conseguem se manter no ar, sendo pouco visitados, os que trabalham com a idéia de criação de textos e imagens ou coisas afins, não possibilitam a fixação dos trabalhos criados pelos internautas. Isso ocorre pela impotência do espaço.

 

Aqui, um cuidado que devemos ter: há teóricos mais deslumbrados que carregam demais, exageram demais na tinta, nos elogios ao virtual, fazendo parecer que nele estaria a solução ou o grande avanço do homem em direção a uma evolução artística e intelectual surpreendente. Mas sabemos, por exemplo, que o espaço é um dado impossibilitador da criação de um banco de dados em muitas páginas de geradores automáticos de textos etc. Aqui, um dado contra a falsa idéia da rede como uma biblioteca, seja qual for, infinita.

 

DIGRESSÃO NECESSÁRIA

As línguas mortas assim o são porque sustentam um tempo incapaz de escapar de seu próprio círculo vicioso: os passados do presente atualizados na fruição. Como estabelecer em que tempo estamos quando fruímos a arte digital? Mesmo que estejamos no espaço do museu, da galeria ou da rua, o tempo (se estivermos conectados na rede) é este estar entre passados de um presente contingencial, sempre fugindo de nós mesmos.

 

Assim, nunca estaríamos verdadeiramente diante de um objeto virtual, mas sempre diante de sua sombra,[13] ou da sua potencialidade de imagem já desfeita. Perseguir a sombra deste objeto é perseguir a nossa própria metamorfose dos tempos, em nossa cultura pós-moderna.

 

Aqui um traço da babelização: não existe um único objeto de arte digital, mesmo que pensemos no mesmo objeto, porque enquanto coisa viva ele morre infinitamente para perpetuar o efêmero. Aqui, penso, nesta perpetuação do efêmero é que reside uma singularidade disto que podemos nomear objeto virtual. 

 

Quando se fala da cultura virtual, não se pode falar propriamente em reprodutibilidade[14] proporcionada pela técnica, como alguns teóricos fazem, porque o próprio mecanismo da produção digital é um mecanismo de indistinção entre cópia e original.

 

CONCECTANDO-SE AO EFÊMERO

 

(...) tirar o eterno do transitório.

 

A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável.[15]

 

Charles Baudelaire

 

É preciso reenviar as mensagens para nós mesmos. Nós, seres do tempo, temos a tendência a crer que tudo que dizemos nunca foi dito. Muitas vezes lemos, com olhos turvos de tantas películas de peles de conceitos, o que queremos ler, como se estivéssemos além de tudo o que vem do passado. Essa tendência nos leva a revestir com peles e peles de palavras novas conceitos já vistos.

 

Isto tudo pra dizer o óbvio, ou para pisar em óbvios, que muitas vezes têm cascas finas demais e se quebram. O que Baudelaire escreve, exato e sucinto, nestas duas epígrafes, por exemplo, muitos outros fizeram e fazem tratados para dizer o mesmo. Aí, a babelização a que me refiro, a proliferação conceitual presente em muito do que se vê na cultura virtual, que em grande maioria dos casos se restringe à pele, sendo “cultura visual”.

 

Falamos em “películas” porque queremos resgatar, além deste caráter de finas peles coladas umas às outras, palimpsesto imaginado, também o caráter de imagem indissociável da arte digital. Constatação: toda arte digital é imagem, esta realidade é indiscutível. Mas, enquanto imagem híbrida, temos que tomar o máximo cuidado ao relacioná-la com a fotografia, a pintura ou com o cinema. Antes de ser uma imagem, a imagem digital é híbrida, e antes disto, de novo o tempo: efêmera.

 

Por isto, procurar sentidos, quando se fala em arte digital, é algo temerário e complicado. A sucessão imagética, sem nenhum corte-montagem, que vemos diante de uma página da internet, por exemplo, nos leva a estabelecer o seguinte: mais que a recordação, a cultura virtual trava uma luta entre o que reter e o que esquecer, isto num ritmo e velocidade muitas vezes alucinantes. Antes de pensar na experiência, temos que agarrar a pobreza. Isto quer dizer que mais do que síntese, o movimento ou lei que devemos seguir é o de sermos rápidos, para não sermos afogados no mar do esquecimento por querermos recordar tudo.

 

Se a passagem vertiginosa das imagens virtuais em nossas retinas nos causa este problema, o do envelhecimento precoce do nascente, o único modo de não sermos atulhados pelas ruínas destas imagens que se sobrepõem é fazer uma seleção velocíssima do que realmente vale a pena reter. E esta seleção, claro, nem sempre será a melhor. A multiplicação imagética marca o desvio do pólo da recordação para o próprio processo de gerúndio da recepção, portanto para a própria via de mão dupla do processo de desbabelização/babelização configurado no fugaz do instante.

 

O que se quer dizer com isto é que o artista que trabalha com a arte digital deve, antes de qualquer coisa, lidar com o efêmero. E para tanto, deve pensar o efêmero não como uma categoria exterior ao objeto artístico, mas incorporá-lo como constitutivo da própria realização artística.

 

Isto quer dizer o seguinte: se a arte em geral é feita para ser ruminada, a arte digital é feita para ser regurgitada. Não se trata mais de uma arte que se propõe a sínteses, a roteiros de conhecimento, à elevação do espírito, sem nenhum julgamento de valor nisso (sendo apenas descritivo), mas em si só a arte digital é feita para se prestar a este eterno entrechoque de excessos expelidos. A arte digital é muito mais ruína que edifício.

 

FINITA VIA

 

Para finalizar, gostaria de expor algo que me intriga: mesmo que se tenha em mente todas estas características do objeto virtual (falta de contorno definido, movência, sobreposição de planos significativos etc.), é estranho que aqueles que criam, em meio digital, quase não invistam, não usem o caráter de contingência deste objeto como matéria de criação e fruição.

 

As páginas dedicadas a textos literários, por exemplo, na grande maioria dos casos não permitem ao fruidor a conversa infinita[16] que poderia ser tão enriquecedora no sentido de estabelecer a possibilidade de multiplicar este diálogo do fruidor com a coisa fruída, mesmo que não haja a possibilidade de fixar este texto num banco de dados, este texto criado a partir da “interferência” de quem lê seria quase como uma espécie de reverência, penso, de culto pagão ao transitório. Aí, penso, estaria verdadeiramente estabelecido um momento metalinguístico, ou meta-artístico propriamente dizendo, da arte digital.

 

Aí, penso, estaria verdadeiramente colocada às claras a ausência da aura do objeto artístico, de que tanto se fala depois de Benjamim; porque mesmo na arte digital, ao que parece, existe ainda a crença na aura que já se perdeu, mesmo que seja esta uma aura efêmera. Se realmente se fizesse este arruinamento textual, este apagamento da autoria, deixando com que a partir do nada, ou de algo amorfo, se constituíssem imagens e textos, que poderiam ser infinitamente alterados, penso que teríamos algo que performaria de forma satisfatória e instigante a característica de efemeridade do objeto virtual.[17]

 

Aí, teríamos, enfim, construída a Torre.

 

 

 

ouroboros

(começo em fim da arte digital)

cobra comendo o próprio rabo

 

SOLOS
A ficção? Já estou nela. Meus personagens são algumas hipóteses loucas que submetem a realidade a determinadas sevícias e que no final termino por assassinar quando eles já executaram a sua obra. Única forma de tratar as idéias: o assassinato (liquidamos bem os conceitos) – mas o crime deve ser perfeito. Evidentemente, tudo isso é imaginário, qualquer semelhança com seres reais seria puramente fortuita.[18]
 
dai toyuu jiwo kyaku amari
suna ni kaki
shinu kotowo yamete kaeri kitareri[19]

 

 


 

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Artigo recebido em 03/04/08

Artigo aprovado em 06/07/08

 

<REVISTA TEXTO DIGITAL>

 

 


[1] Aliás, essa indefinição do posicionamento relativo entre corpo e ciberespaço é um indício a confirmar provisoriamente a hipótese acima referida, pois não é algo que se vislumbre freqüentemente fora do ciberespaço.

 

[2]  Como se pode ver em http://www.grammatron.com/about.html.

 

[3]  Não posso deixar de mencionar e agradecer a ajuda sempre pronta de Jessé Gabriel da Silva nessas questões de Grego.

 

[4]  Por ser um trecho mais longo, preferi traduzi-lo.



[1] O “ut pictura poesis” (assim como é pintura, é poesia), de Horácio. Cito: “The notion that poetry and painting are alike had had some currency even before Horace, who probably knew--even if he may not have assumed that his audience would recall--the more explicit earlier statement of Simonides of Keos (first recorded by Plutarch, De gloria Atheniensium, 3.347a, more than a century after Ars Poetica): "Poema pictura loquens, pictura poema silens" (poetry is a speaking picture, painting a silent [mute] poetry).” Ver: http://www.english.upenn.edu/~afilreis/88/utpict.html

[2] ELIAS, Norbert. Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. pp. 146-147.

[3] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 130.

[4] A relação entre o real e o imaginário é descrita, por alguns autores, ligada à simulação e à dissimulação.

   Jean Baudrillard afirma que a liquidação de todos os referenciais marca a era da simulação, na qual acontece uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório, ou seja, há uma substituição no real dos signos do real, que nunca mais terá a oportunidade de se produzir, ao abrigo do imaginário, senão como hiper-real. Sobre a (dis)simulação o autor diz: “Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir: ‘Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas. (Littré) Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do ‘verdadeiro’ e do ‘falso’, do ‘real’ e do ‘imaginário’. O simulador está ou não doente se produz ‘verdadeiros’ sintomas?” (BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1981. p. 9-10)

   A questão posta por Baudrillard já aparece, de alguma forma, nos tratadistas barrocos. No prefácio do livro Da dissimulação honesta, de Torquato Accetto, Alcir Pécora diz: “Também Benedetto Croce compreende a ‘identidade substancial’ que Accetto prevê entre simulação e dissimulação, conceitos distintos apenas como ‘positivo e negativo do mesmo’, da mesma maneira que ocorre nas fórmulas de Grotius, que os define da seguinte forma: Simulatio (rei absentis): euis quod renera non adest, praetexta praesentia (aquilo que verdadeiramente não está junto, apresentado como presente); Dissimulatio (rei praesentis): euis quod revera adest, negata praesentia  (aquilo que verdadeiramente está junto, negada a presença).” In:  ACCETTO, Torquato. Da dissimulação honesta. Trad. Edmir Missio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. XVII-XVIII.

[5] DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

[6] Essa eterna mutabilidade do mesmo pode demonstrar uma contradição da busca infreada da “novidade”. Com a diferença de que hoje a velocidade em que as coisas são esquecidas é muito mais rápida, essa idéia pode ser aproximada de uma reflexão feita por Enzenberg: “O produto estético de amanhã, oferecido hoje, será olhado amanhã como um resto invendável que irá parar no arquivo ou no armazém: talvez dentro de dez anos lhe toque a sorte de ser lançado de novo como um remake sentimental. A obra de arte está também submetida aos procedimentos do envelhecimento artificial, já que ao mesmo tempo se cobra e se elimina sua glória  futura; ou melhor, se transforma, sob a forma de publicidade, em uma glória antecipada que se outorga à obra antes de sua aparição. Sua posteridade se produz industrialmente, de maneira que o princípio da não simultaneidade do simultâneo se converte em realidade educando a clientela para que seja uma clientela de vanguarda que quer adquirir a última novidade e exige, de certo modo, não consumir senão o futuro.” (p. 95) Consultar: ENZENSBERGER, Hans Magnus. As aporias da vanguarda. In: Revista Tempo Brasileiro (no 26/27) – Vanguarda e modernidade. Edições Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, jan./março 1971. pp. 85-112.

[7] COUCHOT, Edmond. La technologie dans l’art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 115-116.

[8] Alguns autores: MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001.; DELEUZE, Gilles. Cinema (a imagem-movimento). São Paulo: Brasiliense, 1985.; PARENTE, André (org.). Imagem-máquina (a era das tecnologias do virtual). São Paulo: Ed. 34, 1993.; BARROS, Ana & SANTAELLA, Lucia (Orgs.). Mídias e artes: os desafios da arte no início do século XXI. São Paulo: Unimarco Editora, 2002.

[9] Alusão a uma frase usada por alguns jornalistas: “Para o jornalismo, nada mais remoto que o ontem.”

[10] Considerando-se o enunciado como um ‘lance’ feito num jogo, uma  possível derivação é que “(...) falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provém de uma agonística geral. Isso não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo: não é este o caso do trabalho de estímulo da língua provocado pela fala e pela literatura? A invenção contínua de construções novas, de palavras e de sentidos é o que faz evoluir a língua, proporciona grandes alegrias. Mas, sem dúvida, mesmo este prazer não é independente de um sentimento de sucesso, sobre um adversário pelo menos, mas de envergadura: a língua estabelecida, a conotação.” In: LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 17. Grifos meus.

[11] COUCHOT, Edmond. La technologie dans l’art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 116.

[12] A relação entre arte e técnica/tecnologia é uma questão, para mim, um pouco confusa.

   Podemos tomar esta relação segundo Lyotard:

   “Técnica: seria necessário tempo para comentar o emprego filosófico da palavra. Lembrar-se de que techné designa em grego antigo ao mesmo tempo a arte e o que chamamos de tecnologia. Lembrar-se também de que tecnologia sempre significa nova tecnologia.”. In: LYOTARD, J.F. Peregrinações. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. p. 51.

   Ou, segundo a concepção de Couchot:  “Il faut remarquer d’abord que l’ordinateur et la télévision sont redevables à une technique commune de leur perfectionnement et leur développement, celle du tube à vide. Elle est à l’origine de l’électronique, technologie qui marque un changement capital par rapport aux techniques mécaniques et électriques et à la maîtrise de énergies. L’électronique n’est plus une technique dans la mesure où elle n’est plus empirique mais solidaire de la science, de ses théories, de ses formalisations mathématiques.”. In: COUCHOT, Edmond. La technologie dans l’art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 76-77.  

[13] “A alusão a  Peter Schlemihl, L’Homme qui a perdu son Ombre, não é acidental. Pois a sombra, como a imagem no espelho (no Estudante de Praga), é por excelência um resto, algo que pode ‘cair’ do corpo, assim como os cabelos, os excrementos ou os detritos de unhas aos quais estão assimiladas em toda a magia arcaica. Mas são também, sabemo-lo, ‘metáforas’ da alma, da respiração, do Ser, da essência, do que dá um profundo sentido ao sujeito. Sem imagem ou sem sombra, o corpo torna-se um nada transparente, já não é ele próprio nada mais que resto. É a substância diáfana que fica, uma vez que a sombra se vai. Já não há realidade: foi a sombra que levou consigo toda a realidade (o mesmo se passa em O estudante de Praga, a imagem quebrada com o espelho implica a morte imediata do herói – seqüência clássica dos contos fantásticos – ver também A sombra de Hans Christian Ardensen). Assim, o corpo pode ser apenas o detrito do seu próprio resíduo, recaída da sua própria recaída. Só a ordem dita real permite privilegiar o corpo como referência. Mas nada na ordem simbólica permite fazer uma aposta sobre a prioridade de um ou de outro (do corpo ou da sombra). E é esta reversão da sombra sobre o corpo, esta recaída do essencial, no limite do essencial, sob o golpe do insignificante, essa derrota incessante do sentido perante o que dele resta, quer sejam os detritos de unhas ou o objeto ‘alínea a)’, que constitui o encanto, a beleza inquietante destas histórias.” In: BAUDRILALRD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991. p. 178; nota 1 ; grifos do meus.

[14] Alguns autores usam o conceito de “reprodutibilidade técnica”, de Benjamin, em seus estudos sobre a cultura virtual. Conferir: PAIVA, Cláudio Cardoso de. Walter Benjamin e a imaginação cibernética: experiência e comunicabilidade na era do virtual. Disponível em: <http://ubista.ubi.pt/~comum/cardoso-claudio-paiva-walter-benjamin.html>         

[15] La peintre de la vie moderne. In: BAUDELAIRE, Charles. Ouvres complètes. Paris: Seuil, 1968. p. 553.

[16] Referência casual ao livro, de Maurice Blanchot, Conversa infinita.

[17] Uma experiência que lida com a efemeridade do virtual é o holopoema.  Cf. MACHADO, Arlindo. O sonho de Mallarmé. In: Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001. pp. 165-191.

  “Uma primeira aproximação do sonho mallarmaico poderia estar no holopoema, o poema construído com luz paralela do laser num espaço virtual de três dimensões. Certamente, é preciso considerar que a maior parte dos poemas esculpidos em hologramas, como de resto acontece com todas as novas tecnologias, não consistem senão adaptações tridimensionais de poemas que já funcionam bem na página plana e aos quais a dimensão de profundidade não acrescenta qualquer coisa de essencial. É o que acontece, por exemplo, em certos trabalhos holográficos do alemão Dieter Jung, que apenas exibem um novo arranjo espacial para poemas em versos – de resto, convencionais – de Hans Magnus Enzensberger. Mas quando acontece de o holopoema explorar as possibilidades de uma escritura verdadeiramente tridimensional, o resultado pode ser desconcertante, pois ele coloca o leitor diante de um texto paradoxal, um texto onde as palavras não estão mais arranjadas por nexos absolutos de linearidade e cujas relações sintáticas encontram-se em permamente transformação. Examinemos um poema como Luz / Mente / Muda / Cor de Augusto de Campos, na versão holográfica de Júlio Plaza: distribuídos no espaço tridimensional, em diferentes posições das coordenadas x, y e z, os grafemas ‘muda’, ‘luz’, ‘cor’ e ‘mente’ podem ser combinados de várias maneiras, possibilitando múltiplas leituras. Não existindo espaço plano, não há seqüência ‘lógica de leitura’, nem qualquer espécie de hierarquia regendo s combinações, tanto mais que o simples deslocamento do leitor diante do objeto virtual já faz com que o arranjo tridimensional se altere em relação a ele. Dependendo de como cada leitor se posiciona em relação aos vocábulos em cada momento, as funções gramaticais se alteram: ‘muda’ pode ser verbo ou adjetivo; ‘mente’ pode ser verbo, substantivo e até mesmo sufixo adverbial. A ambigüidade do arranjo estrutural, associada ainda à ambigüidade dos efeitos cromáticos da holografia (as cores se alternam ao menor movimento do leitor), permitem obter diversas soluções de montagem, num processo que lembra estreitamente – como observou Plaza (...) – a própria perfomance do pensamento ao operar por associações. Distribuído no espaço tridimensional, o poema de Augusto de Campos funciona melhor do que na página impressa, pois adquire uma forma dinâmica que não está muito evidente no papel.” (p. 167-169; grifos meus)

[18] BAUDRILLARD, Jean. Cool memories II. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 39.

[19] In: ISHIKAWA, Takuboku. Tankas. São Paulo: Massao Ohno/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1991. p. 173.

    A palavra “daí’, em japonês, significa: título, assunto, tema. Uma possível tradução do poema:

 

   “Daí” mais de cem vezes escrita na areia

    voltei cansado

    desisti de morrer.