<REVISTA TEXTO DIGITAL>
ISSN 1807-9288
- ano 4 n.1 2008 –
http://www.textodigital.ufsc.br/
DUARTE, Edson Costa.
Babelização e desbabelização (para uma utopia do virtual). Texto Digital, Florianópolis, ano 4, n. 1, Julho/2008.
BABELIZATION
AND DESBABELIZATION (FOR A UTOPY OF VIRTUAL)
Edson Costa
Duarte
Doutor
em Literatura
Universidade
Estadual de Campinas – UNICAMP
Campinas,
Brasil
RESUMO: Este
artigo faz a descrição sumária de algumas características da cultura virtual,
aqui pensada a partir de algumas discussões feitas sobre o conceito do tempo. A
utopia está atada ao movimento vertiginoso e infinito do próprio tempo, e nos
ajuda a delinear os contornos da babelização e desbabelização. A babelização
pressupõe mecanismos de produção/recepção relacionados à proliferação, à
confusão (Babel) ou amálgama de linguagens e materiais (suportes) da cultura
virtual. A desbabelização está ligada à reprodução do mesmo, às homologias ou
similitudes, e à paródia disseminados na cultura virtual.
PALAVRAS-CHAVE:
Cultura
virtual. Utopia. Tempo.
ABSTRACT: This paper is a brief description of
some characteristics of virtual culture, thought
here from some
discussions made on the concept of the time. The utopy is tied with the movement’s
own frenetic and infinite time, and help us shape the contours of babelization
and desbabelization. The babelization presuppose mechanisms of
production/reception related to proliferation, the confusion (
KEYWORDS: Virtual culture. Utopy. Time.
Poema pictura loquens,
pictura poema silens.[1]
Los
hombres son figuras en el tiempo y el espacio y en cualquier momento, como
corresponde a su posición en estas cuatro dimensiones, pueden ser localizados y
datados. Pero con esto no basta. Como quinta coordenada se añade en el caso de
los hombres y de todo aquello que experimentan y hacen, la determinación de su
paso a través del universo simbólico, donde los hombres conviven. Representante
manifiesto de esta dimensión es el lenguaje, esto es, los símbolos globales,
complejos, humanos, diferentes de una sociedade a outra, que sirven, asimismo,
para que los hombres se comuniquem y orienten. Pero a esta dimensión pertenecen
también los contenidos simbólicos como, por ejemplo, los conceptos o lo que
llamamos el “sentido” de las comunicaciones – dicho con brevedad, todo cuanto
en el trato de los hombres pasa y es configurado por su “conciencia” – y
también el significado actual de los conceptos “espacio” y “tiempo”. Éstos como
otros símbolos humanos no se dan de una vez por todas. Siempre están en
movimiento, siempre haciéndose lo que son y siempre en devenir.[2]
Gostaria de
descrever, sem nenhum intuito de alcançar respostas definitivas, algumas
questões vinculadas a uma de minhas eternas obsessões: o tempo. Conceito este
de fundamental importância para qualquer discussão sobre a cultura virtual. Em
seguida, gostaria de multiplicar questionamentos relacionados a este
conceito-matriz, para que possa expor reflexões que me vêm diante do que se
conceituou virtual.
A utopia,
atada ao movimento vertiginoso e infinito do próprio tempo, nos ajudará a
delinear os contornos da babelização e desbabelização, conceitos subjacentes a
tudo o que aqui será dito. De um lado, a babelização pressupõe mecanismos de
produção/recepção relacionados à proliferação, à confusão (Babel) ou amálgama
de linguagens e materiais (suportes) presentes na cultura virtual. De outro
lado, a desbabelização está ligada à reprodução do mesmo, do similar, às
homologias ou similitudes, ao pastiche e à paródia disseminados na cultura
virtual.
Se
entendemos por utopia o ponto
paradoxal de junção de um tempo e de um espaço, teremos minimamente esboçado o lugar conceitual de
onde procuraremos observar e compreender a cultura e o objeto virtuais. Ora,
quando falamos do virtual, estamos falando do que está ao mesmo tempo
totalmente imerso, diluído no tempo, numa agoridade angustiante (o aqui-agora),
e também de algo que só existe enquanto origem no imaginário,[4]
estando, portanto, fora do tempo (no lugar-nenhum). Aí, o caráter paradoxal que
o virtual carrega em si.
Antes de
fixar limites conceituais, deveríamos pensar a (des)babelização como um
conceito híbrido, um conceito do trânsito, do tempo. Mas, para sermos
didáticos, convém demarcar minimamente as fronteiras, descrevendo separadamente
estes dois conceitos, numa redução necessária, para depois amalgamá-los nesta
coisa mutante, mimetismo que participa da metamorfose do tempo.
DO VIRTUAL (DES)BABEL
Para
começar a conversa, vamos a Jacques Derrida e a seu ensaio sobre tradução
intitulado Torres de Babel.[5]
Lendo este livrinho me veio a idéia de pensar o virtual a partir da metáfora da
confusão da línguas, da babel, num movimento de diáspora representacional (babelização), pois a imagem virtual, por
exemplo, é coisa movente e híbrida, que não comporta a síntese, a decantação (a
não ser momentânea, fugaz); e concomitante a ele, outro movimento que seria
aquele que determina ou separa o eternamente
outro do mesmo travestido de novo
(desbabelização).[6]
Faremos,
neste momento, uma síntese do que Derrida diz sobre a torre de Babel. Seremos
sucintos. Derrida discute a sobre a traduzibilidade/intraduzibilidade de um
texto a partir da metáfora da babel (confusão) de línguas, uma multiplicidade
que interdiz não só a fixação de sentidos como a própria comunicabilidade
humana. O autor entende que o mito da torre de Babel é o mito da origem do
mito, a metáfora da metáfora, a narrativa da narrativa. Cito: “A ‘torre de
Babel’ não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, ela exibe
um não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de
acabar qualquer coisa que seria da ordem da edificação, da construção
arquitetural, do sistema e da arquitetônica.” (pp. 11-12) Para desenvolver esta
idéia, Derrida inteira o leitor da própria ambigüidade da palavra Babel, que enquanto nome próprio deveria
ser intraduzível, mas por uma espécie de confusão associativa, pode ser
traduzido por um nome comum: “confusão”.
Isto
dito, Derrida cita Voltaire, dizendo que para o filósofo, Ba significa pai – nas línguas orientais – e Bel significa Deus; daí chega à conclusão que Babel significa a
cidade de Deus, a cidade santa, e afirma que os antigos davam este nome a todas
as suas capitais; em seguida Voltaire diz que é incontestável que Babel quer
dizer confusão, seja porque os arquitetos se confundiram na altura da torre,
sejam porque as línguas se confundiram. Aqui, a ironia presente no texto do
filósofo.
Sobre
esta multiplicidade de/das línguas, Derrida afirma que Deus é aquele que dá seu
próprio nome (a cidade carrega o nome de Deus, o pai, sendo o pai da cidade que
se chama confusão), dando todos os nomes. Deus é aquele que está na origem da
linguagem, é, portanto, aquele que é o nome dessa origem das línguas.
“Mas
é também esse Deus, que no movimento de sua cólera (como o Deus de Boheme ou de
Hegel, aquele que sai dele, determina-se na sua finitude e assim produz a
história), anula o dom das línguas, ou ao menos o desune, semeia a confusão
entre seus filhos e envenena o presente (Gift-gift).
É também a origem das línguas, da multiplicidade dos idiomas, dito de outra
maneira, daquilo que se chama correntemente de línguas maternais.”(p. 14)
Aqui,
um resumo do mito, usado como metáfora da desconstrução e da proliferação, da
multiplicidade dos sentidos.
ESTÉTICA OU
UTOPIA(?) DOS TEXTOS IMPUROS
Comment
redonner du sens à l’art alors qu’il est de plus en plus remis en cause par la
fantastique inflation de l’univers des images et de sons que provoque
l’explosion des tecnologies de la communication? Commer opérer, au sein du
domaine réservé et protégé de l’art, la réunification symbolique de cette
cacosémie qui plonge la société dans un océan furieux de signes? La solution
apparaît du côté de l’ouverture qui propose une logique figurative fondée sur
la polysémie. Polysémie associée à une participation perceptive du spectateur –
interdite dans la communication sans feedback des médias de masse – qui peut se
limiter à une relecture attentive de l’ouvre et à une priorité du processus sur
le produit.[7]
Paradoxo
primeiro: pensar utopicamente em uma estética do virtual é antes de tudo pensar
uma estética dos textos impuros, pois já não é mais possível buscar o belo ou o
sublime (enquanto conceitos imutáveis ou apriorísticos) num “texto” que é uma
mescla de linguagens outras, heterogeneidades diversas, sobreposição do
singular e do mesmo, evanescência de significados. É, sobretudo, pensar num
“texto” que é imagem em constante mudança. Um “texto” que é, antes de tudo,
processo e não produto.
Paradoxo
segundo: Isso é o que se pode dizer da arte virtual, enquanto matéria movente.
E se procurarmos categorias estéticas que se lhe apliquem, necessariamente elas
deverão incorporar este caráter não fixo de um “objeto” de arte feito para ser
fruído em meio digital. A fruição de um texto digital é, então, o sempre estar
nestes instantes que se (des)dobram e (re)dobram formando um espaço que tende a
se tornar, pela impossibilidade de demarcarmos nitidamente suas fronteiras, ao
mesmo tempo “ausente” e “infinito”.
O que
buscaremos, neste momento, é apenas o sucinto mapeamento de algumas
características do possa ser esse chamado “objeto artístico digital”. Ou,
melhor dizendo, procuraremos descrever um “sintoma”, cuja profilaxia posterior
só poderá ser alcançada quando pormenores outros, hipóteses outras confirmarem,
corroborarem ou desmentirem nosso diagnóstico primeiro.
Temos, a
partir deste objeto expansionista toda uma constelação discursivo-conceitual já
assentada, que procura dar conta de suas especificidades, na grande maioria dos
casos tomando como ponto de partida categorias conceituais usadas para
descrever as outras artes da imagem, a fotografia, a pintura, o cinema etc.[8]
Embora muitos teóricos tomem por base esta cultura da imagem anterior à era do
digital, é preciso dizer que a imagem digital não se deixa reduzir por estas
descrições. A imagem digital é de uma “matéria” absolutamente outra, e a
tentativa de descrevê-la (aplicando categorias conceituais dessas outras artes)
pode nos levar a uma perigosa imprecisão terminológica.
A imagem
digital é ambígua e paradoxal, ela é o todo e o fragmento indissociavelmente
atados, estando, também ela, atada ao tempo. Por isto, analisá-la aplicando uma
terminologia (das estéticas tradicionais?) que tende a fixar os contornos do
objeto artístico pode ser temerário. Isto é dito porque comumente se “lê” uma
obra no intuito de se fixar significações, mas a obra digital deve ser pensada
como um processo infindável de significações em movimento. A própria
significância ou fruição é o que deve estar em primeiro plano quando se pensa
na cultura virtual.
Quero dizer
com isto que para a obra digital os critérios interpretativos e as cadeias
discursivo-conceituais devem se ater à idéia de uma “imagem-processo” e não no
desejo de estabelecer um roteiro de leitura ou interpretação que determina um
“início” e um “fim” da obra, gerando seu encarceramento (enquanto objeto, ou
lugar artístico) entre estas duas paredes e outras mais, fixando ou engessando
a obra, poder daí “descrevê-la” com algum grau de segurança e acerto.
Além deste
caráter movente da imagem digital, é preciso atentar que os critérios de valor
das estéticas tradicionais não cabem mais para uma cultura do virtual. Aqui, é
preciso ressaltar que o virtual se estabelece em uma cultura de massa e também
num momento em que a técnica deixa de ser relegada a um segundo plano, para
ganhar o primeiro plano da cena.
DE ALGUMAS
UTOPIAS DO VIRTUAL
Aqui, penso
estabelecer-se o primeiro grande racha nos teóricos que se ocuparam do virtual.
As posições não são tão maniqueístas como podem parecem a um leitor de primeira
sentada, e os equívocos, creio, se teceram justamente por isto.
Passemos
rapidamente esta questão. Sendo esquemáticos, teríamos:
A crença.
De um lado, haveria uma nítida crença de elevação do virtual à categoria de
máximo expoente de uma realização tecnológica e artística, no sentido de
ampliar os horizontes do saber, de uma partilha humanitária do conhecimento
etc. Desta corrente, Pierre Lévy seria um dos representantes que ganhou maior
visibilidade, um dos porta-vozes desta euforia retórica cuja prática nem sempre
vemos concretizada.
A
descrença. De outro lado, há toda uma constelação de autores que relacionam a
questão do virtual a outras questões vinculadas à crítica da cultura
pós-moderna. Como é humanamente impossível esquematizar (sem que isto seja um
assassínio) a teoria destes autores, cujas obras, além de serem complexas, muitas
vezes contêm posições divergentes, apenas Baudrillard (do qual falo um pouco
mais adiante) será o eleito para exemplificar esta corrente. Falo, dentre
outros, de Gilles Deleuze, Félix Gattari, François Lyotard, Fredric Jameson.
Estes autores propõem questões que estão longe da aposta ingênua de que o
virtual seria uma espécie de deus
ex-machina que vem pôr fim a todas as aflições humanas.
Estamos, no
entanto, de qualquer lugar que se fala, numa terra de ninguém (numa no
man’s land, na utopia), pois de
qualquer maneira precisamos re-inventar um modo de descrever este mundo novo,
esta época de metamorfoses do real cada vez mais velozes.
Pensando o
virtual dentro da cultura pós-moderna, uma primeira questão importante seria a
dificuldade que temos em não confundir o que poderia ser o verdadeiramente
“novo” com a “novidade”. Numa época de sucessão vertiginosa de potências
criativas - dadas pela técnica - num momento em que a paródia, o pastiche, a
colagem, o mosaico são cada vez não mais
a derivação de uma mente vulgar e incapaz
da criação, mas uma derivação lógica e consciente de que nada mais persiste
ao tempo. Esta questão, levada a seus limites, nos leva a mais um paradoxo:
Há ainda
razão em falar em “novo” e “novidade” num tempo em que nada, nenhuma coisa,
nenhum tempo é mais remoto do que o ontem?[9]
Tudo isto
dito, para afirmar que o próprio “dispositivo” da imagem digital traz em si sua
entropia ou fissão, que numa fração mínima de tempo a fará explodir em tantas
outras possibilidades artísticas. A arte digital é feita para ser efêmera,
fugaz instante, e a proliferação infinita que a rege, estas camadas e camadas
de “textos” em mise en abîme, em
palimpsesto, nada mais são do que instantes de fruição que se fazem na
disseminação do mesmo, envolto em tantas máscaras.
A
tautologia (a desbabelização), portanto, seria o círculo de centro maior onde
toda a arte digital gravita ou se ramifica em círculos concêntricos (a
babelização). O fluxo, em todas direções, entre estes círculos é o que
constitui a fruição. O círculo maior, da tautologia, prescreve um tempo mais
dilatado, ou momentaneamente congelado, se assim se pode dizer, dentro do qual
proliferam objetos quase indistintos, rastros ou sopros de coisas efêmeras
assim como as línguas mortas: Babel é o temp(l)o da língua das delícias.
Estamos,
neste momento, diante de uma proliferação de objetos que criam discursos em
torno deles, mas que não escapam da agonística[10]
geral presente na própria linguagem. Queremos dizer com isto que há uma luta
constante contra a morte na cultura virtual, por isto, metaforicamente, a
proliferação infindável acaba sendo um meio de preservação da própria vida.
DE ALGUMAS VIRTUALIDADES
Diante
deste quadro, uma das perguntas que podem ser feitas é a seguinte: como pensar,
esteticamente, o objeto artístico virtual
com os julgamentos de valor presentes em toda estética?
Quero
dizer com isto que para julgarmos é
preciso separar o joio do trigo, mas quando se pensa na multiplicação infinita
possibilitada pelo virtual, este processo de escolher grãos pode se tornar inviável. Há, no virtual, um enorme
predomínio da técnica, ou a técnica[12]
ganhando uma visibilidade nunca antes alcançada. Esta característica
possibilita a proliferação infindável de objetos
virtuais considerados artísticos ou não. Este quadro descrito, por sua vez,
impossibilita uma descrição satisfatória deste universo (de objetos virtuais),
que tende ao infinito.
Como
determinar a singularidade de tais
objetos? Como pensar uma estética do
efêmero, completamente oposta/diferenciada a/de qualquer estética até hoje
delineada?
Para quem
lê um pouco mais calmamente Baudrillard, por exemplo, antes de ver nele um
crítico mordaz deste império do virtual
saberá que, no fim das contas, ele quer pensar justamente como o efêmero virou moeda corrente, e como na
sociedade pós-moderna a fugacidade virou não só moeda de troca, mas também a
própria essência da cultura. Não
podemos falar mais em valores eternos (como beleza, sublime etc.), podemos
apenas procurar constatar como hoje o
mesmo pode se traduzir (em raros casos) enquanto outro, enquanto ouro. Isto quer dizer que a reprodução do mesmo é
moeda corrente, a dificuldade que se encontra é se conseguir criar um produto estético em que este mesmo reluza.
Aí,
penso, está o porquê de Baudrillard ver em Andy Warhol o último dos criadores
verdadeiramente singulares, porque fez justamente da ausência da singularidade, da arte enquanto valor de consumo, a sua
reflexão estética. E, mais que isto, Warhol colocou em xeque, guilhotinou de
vez, por assim dizer, a idéia de que ainda fosse possível, na cultura
pós-moderna, pensar em elementos estéticos e artísticos perenes. Se antes, ao que parece, foi Duchamp um dos pioneiros da
discussão sobre a aleatoriedade e a institucionalização (os críticos de arte e
os museus, por exemplo) do que se convencionou chamar artístico, Warhol talvez
tenha sido o artista a dar o golpe de misericórdia no perene,
ou o pontapé inicial no efêmero
quando se pensa em arte.
DO OBJETO VIRTUAL
É
preciso que isto fique claro porque é justamente o tempo um dos conceitos fundantes, centrais, a toda discussão sobre
a cultura pós-moderna. E temos que pensar que estamos agora diante de um objeto
artístico absolutamente novo, original, que tem que ser tratado e pensado em
termos de contornos, de dispersões conceituais, de multiplicidade de objetos,
de acontecimentos e de descontinuidades.
Como
pensar o objeto virtual a partir de uma análise que tem (para ser verossímil)
necessariamente que ser provisória? Uma análise, descrição, que não busque
legitimar nada, nenhum conceito ou idéia que se fixe?
Só
podemos pensar o objeto e a cultura virtual, é preciso que se repita, a partir
da idéia de processo, de amálgama de contraditórios, de trânsito de conceitos,
de redes conceituais que servem apenas para costurar um tecido fino e
provisório, cuja aceleração temporal cuidará de sabiamente esgarçar. Quero
dizer com isto, que só é possível tatear uma utopia do virtual, dificilmente se poderá pensar, tecer, descrever
uma estética do virtual, como se fez
com as outras artes.
É
justamente aí, na efemeridade do gesto
(cujo ancestral mais remoto seria Pollock) que o objeto virtual encontra sua
efêmera singularidade. É quase como um susto. Como o sopro da criação. Quase
como uma língua das delícias, anterior à própria fala. Mas, em verdade, o
objeto virtual, pode-se pensar, verdadeiramente nunca chega a singularizar-se,
porque sempre estará no quase. Sempre
a um passo de.
DO ESPAÇO VIRTUAL
Quando
falamos de babelização e desbabelização é preciso que saibamos que estes são
dois processos artísticos/discursivos grudados à pele do virtual, mas que este,
réptil que é, sempre nos levará a descrever contornos sucessivamente outros
para que possamos dar conta dessa metamorfose do tempo.
Estaremos
falando sempre de imagens, porque o
virtual é o reino das imagens, imagens em movimento, mas ao contrário do
cinema, por exemplo, as imagens virtuais podem ser muito mais aleatórias, e sua
decupagem e montagem se dá em tempo “real”, portanto, nunca saberemos o final
do “filme”, porque nunca poderemos vê-lo mais de uma vez.
Aqui,
na imagem, penso que este processo de desbabelização toma contorno no sentido
de que as páginas da internet têm, na imensa maioria dos casos, uma espécie de
roteiro pré-estabelecido, quase como que um “esqueleto” que é seguido. Digamos
que quando navegamos na rede, seja pela “recursividade” dos programas etc. –
seja pela mesma “maquiagem” das páginas – a sensação mais presente é a do já-visto. O mesmo pode ser dito da
grande maioria dos sites dedicados à poesia ou à arte em geral. Eles são
pouco “criativos”, porque geralmente seguem uma máscara pronta. Raras são as
exceções. O mesmo é sintoma da
desbabelização.
Aí
um outro sintoma, derivado do anterior: a proliferação de objetos virtuais,
proporcionada pela técnica, dificulta muito a seleção, segundo alguns critérios
estéticos vigentes, do que seria artístico ou não, do que “perduraria” no
tempo. Aliás, além de ser humanamente impossível fazer um exaustivo mapeamento
de tudo, para daí aplicar conceitos de valor, temos que nos perguntar se este
objeto, o virtual, é feito para “durar”?
Aí,
mais um impasse: como fazer um catálogo, um museu de objetos virtuais, uma
seleção do que pode ou não ser artisticamente interessante ou singular, se a
própria multiplicação pode mascarar o mesmo em diferenciado (cópia, pastiche,
paródia etc. – tudo isto nos remete de novo à pop art), e além disto pode haver objetos virtuais absolutamente
“geniais” que podem ter ficado na rede algum tempo e depois sumido sem ao menos
termos notado! Aqui teríamos algo como observar uma estrela de primeira
grandeza que vemos, mas que já morreu há muito! Infelizmente, no campo do
virtual, isto ainda não é possível. As constelações visíveis, as estrelas
visíveis, embora virtuais, ainda dependem da paradoxal materialidade do
virtual.
Esta
constatação é importante porque sabemos que os sites ficam no ar quando
são visitados e não podemos afirmar que os mais visitados sejam os melhores
etc. E mesmo os sites que conseguem se manter no ar, sendo pouco
visitados, os que trabalham com a idéia de criação de textos e imagens ou
coisas afins, não possibilitam a fixação dos trabalhos criados pelos
internautas. Isso ocorre pela impotência do espaço.
Aqui,
um cuidado que devemos ter: há teóricos mais deslumbrados que carregam demais,
exageram demais na tinta, nos elogios ao virtual, fazendo parecer que nele
estaria a solução ou o grande avanço do homem em direção a uma evolução
artística e intelectual surpreendente. Mas sabemos, por exemplo, que o espaço é
um dado impossibilitador da criação de um banco de dados em muitas páginas de
geradores automáticos de textos etc. Aqui, um dado contra a falsa idéia da rede
como uma biblioteca, seja qual for, infinita.
DIGRESSÃO NECESSÁRIA
As línguas
mortas assim o são porque sustentam um tempo incapaz de escapar de seu próprio
círculo vicioso: os passados do presente atualizados na fruição. Como
estabelecer em que tempo estamos quando fruímos a arte digital? Mesmo que
estejamos no espaço do museu, da galeria ou da rua, o tempo (se estivermos
conectados na rede) é este estar entre passados de um presente contingencial,
sempre fugindo de nós mesmos.
Assim,
nunca estaríamos verdadeiramente diante de um objeto virtual, mas sempre diante
de sua sombra,[13]
ou da sua potencialidade de imagem já desfeita. Perseguir a sombra deste objeto
é perseguir a nossa própria metamorfose dos tempos, em nossa cultura
pós-moderna.
Aqui um
traço da babelização: não existe um único objeto de arte digital, mesmo que
pensemos no mesmo objeto, porque enquanto coisa viva ele morre infinitamente
para perpetuar o efêmero. Aqui, penso, nesta perpetuação do efêmero é que
reside uma singularidade disto que podemos nomear objeto virtual.
Quando se
fala da cultura virtual, não se pode falar propriamente em reprodutibilidade[14]
proporcionada pela técnica, como alguns teóricos fazem, porque o próprio
mecanismo da produção digital é um mecanismo de indistinção entre cópia e
original.
CONCECTANDO-SE
AO EFÊMERO
(...) tirar o eterno do transitório.
A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, é a metade da
arte, sendo a outra o eterno e o imutável.[15]
Charles Baudelaire
É preciso
reenviar as mensagens para nós mesmos. Nós, seres do tempo, temos a tendência a
crer que tudo que dizemos nunca foi dito. Muitas vezes lemos, com olhos turvos
de tantas películas de peles de conceitos, o que queremos ler, como se
estivéssemos além de tudo o que vem do passado. Essa tendência nos leva a
revestir com peles e peles de palavras novas conceitos já vistos.
Isto tudo
pra dizer o óbvio, ou para pisar em óbvios, que muitas vezes têm cascas finas
demais e se quebram. O que Baudelaire escreve, exato e sucinto, nestas duas
epígrafes, por exemplo, muitos outros fizeram e fazem tratados para dizer o
mesmo. Aí, a babelização a que me refiro, a proliferação conceitual presente em
muito do que se vê na cultura virtual, que em grande maioria dos casos se
restringe à pele, sendo “cultura visual”.
Falamos em
“películas” porque queremos resgatar, além deste caráter de finas peles coladas
umas às outras, palimpsesto imaginado, também o caráter de imagem indissociável da arte digital. Constatação: toda arte
digital é imagem, esta realidade é
indiscutível. Mas, enquanto imagem híbrida, temos que tomar o máximo cuidado ao
relacioná-la com a fotografia, a pintura ou com o cinema. Antes de ser uma
imagem, a imagem digital é híbrida, e antes disto, de novo o tempo: efêmera.
Por isto,
procurar sentidos, quando se fala em arte digital, é algo temerário e
complicado. A sucessão imagética, sem nenhum corte-montagem, que vemos diante
de uma página da internet, por exemplo, nos leva a estabelecer o seguinte: mais
que a recordação, a cultura virtual trava uma luta entre o que reter e o que esquecer, isto num ritmo e velocidade muitas vezes alucinantes.
Antes de pensar na experiência, temos
que agarrar a pobreza. Isto quer
dizer que mais do que síntese, o movimento ou lei que devemos seguir é o de sermos rápidos, para não sermos
afogados no mar do esquecimento por querermos recordar tudo.
Se a
passagem vertiginosa das imagens virtuais em nossas retinas nos causa este
problema, o do envelhecimento precoce do nascente, o único modo de não sermos
atulhados pelas ruínas destas imagens que se sobrepõem é fazer uma seleção
velocíssima do que realmente vale a pena reter. E esta seleção, claro, nem
sempre será a melhor. A multiplicação imagética marca o desvio do pólo da
recordação para o próprio processo de gerúndio
da recepção, portanto para a própria via de mão dupla do processo de
desbabelização/babelização configurado no fugaz do instante.
O que se
quer dizer com isto é que o artista que trabalha com a arte digital deve, antes
de qualquer coisa, lidar com o efêmero. E para tanto, deve pensar o efêmero não
como uma categoria exterior ao objeto artístico, mas incorporá-lo como constitutivo da própria realização
artística.
Isto quer
dizer o seguinte: se a arte em geral é feita para ser ruminada, a arte digital
é feita para ser regurgitada. Não se trata mais de uma arte que se propõe a
sínteses, a roteiros de conhecimento, à elevação do espírito, sem nenhum
julgamento de valor nisso (sendo apenas descritivo), mas em si só a arte
digital é feita para se prestar a este eterno entrechoque de excessos
expelidos. A arte digital é muito mais ruína que edifício.
FINITA VIA
Para
finalizar, gostaria de expor algo que me intriga: mesmo que se tenha em mente
todas estas características do objeto virtual (falta de contorno definido,
movência, sobreposição de planos significativos etc.), é estranho que aqueles
que criam, em meio digital, quase não invistam, não usem o caráter de
contingência deste objeto como matéria
de criação e fruição.
As páginas
dedicadas a textos literários, por exemplo, na grande maioria dos casos não
permitem ao fruidor a conversa infinita[16]
que poderia ser tão enriquecedora no sentido de estabelecer a possibilidade de
multiplicar este diálogo do fruidor com a coisa fruída, mesmo que não haja a
possibilidade de fixar este texto num banco de dados, este texto criado a
partir da “interferência” de quem lê seria quase como uma espécie de
reverência, penso, de culto pagão ao transitório. Aí, penso, estaria
verdadeiramente estabelecido um momento metalinguístico, ou meta-artístico
propriamente dizendo, da arte digital.
Aí, penso,
estaria verdadeiramente colocada às claras a ausência da aura do objeto artístico, de que tanto se fala depois de Benjamim;
porque mesmo na arte digital, ao que parece, existe ainda a crença na aura que já se perdeu, mesmo que seja
esta uma aura efêmera. Se realmente se fizesse este arruinamento textual, este
apagamento da autoria, deixando com que a partir do nada, ou de algo amorfo, se
constituíssem imagens e textos, que poderiam ser infinitamente alterados, penso
que teríamos algo que performaria de forma satisfatória e instigante a
característica de efemeridade do objeto virtual.[17]
Aí,
teríamos, enfim, construída a Torre.
ouroboros
(começo em fim da arte digital)
cobra
comendo o próprio rabo
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Artigo recebido em 03/04/08
Artigo aprovado em 06/07/08
<REVISTA TEXTO DIGITAL>
[1] Aliás, essa indefinição
do posicionamento relativo entre corpo e ciberespaço é um indício a confirmar
provisoriamente a hipótese acima referida, pois não é algo que se vislumbre freqüentemente
fora do ciberespaço.
[2] Como se pode ver em
http://www.grammatron.com/about.html.
[3] Não posso deixar de
mencionar e agradecer a ajuda sempre pronta de Jessé Gabriel da Silva nessas
questões de Grego.
[4] Por ser um trecho
mais longo, preferi traduzi-lo.
[1] O
“ut pictura poesis” (assim como é pintura, é poesia), de Horácio. Cito: “The notion that poetry and painting are alike
had had some currency even before Horace, who probably knew--even if he may not
have assumed that his audience would recall--the more explicit earlier
statement of Simonides of Keos
(first recorded by Plutarch, De gloria
Atheniensium, 3.347a, more than a century after Ars Poetica): "Poema pictura loquens, pictura poema
silens" (poetry is a speaking picture, painting a silent [mute] poetry).” Ver:
http://www.english.upenn.edu/~afilreis/88/utpict.html
[2] ELIAS, Norbert. Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. pp.
146-147.
[3] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é filosofia?. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1992. p. 130.
[4] A relação entre o real e o imaginário é
descrita, por alguns autores, ligada à simulação e à dissimulação.
Jean Baudrillard afirma que a liquidação de
todos os referenciais marca a era da simulação, na qual acontece uma operação
de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório, ou seja, há uma
substituição no real dos signos do real, que nunca mais terá a oportunidade de
se produzir, ao abrigo do imaginário, senão como hiper-real. Sobre a
(dis)simulação o autor diz: “Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular
é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a
uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir: ‘Aquele que
finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está
doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos
respectivos sintomas. (Littré) Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o
princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas
disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do ‘verdadeiro’ e
do ‘falso’, do ‘real’ e do ‘imaginário’. O simulador está ou não doente se
produz ‘verdadeiros’ sintomas?” (BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1981. p. 9-10)
A questão posta por Baudrillard já aparece,
de alguma forma, nos tratadistas barrocos. No prefácio do livro Da dissimulação honesta, de Torquato
Accetto, Alcir Pécora diz: “Também Benedetto Croce compreende a ‘identidade
substancial’ que Accetto prevê entre simulação e dissimulação, conceitos
distintos apenas como ‘positivo e negativo do mesmo’, da mesma maneira que
ocorre nas fórmulas de Grotius, que os define da seguinte forma: Simulatio (rei absentis): euis quod renera
non adest, praetexta praesentia (aquilo que verdadeiramente não está junto,
apresentado como presente); Dissimulatio
(rei praesentis): euis quod revera adest, negata praesentia (aquilo que verdadeiramente está junto, negada
a presença).” In: ACCETTO, Torquato. Da dissimulação honesta. Trad. Edmir
Missio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. XVII-XVIII.
[5] DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
[6] Essa eterna mutabilidade do mesmo pode
demonstrar uma contradição da busca infreada da “novidade”. Com a diferença de
que hoje a velocidade em que as coisas são esquecidas é muito mais rápida, essa
idéia pode ser aproximada de uma reflexão feita por Enzenberg: “O produto
estético de amanhã, oferecido hoje, será olhado amanhã como um resto invendável
que irá parar no arquivo ou no armazém: talvez dentro de dez anos lhe toque a
sorte de ser lançado de novo como um remake
sentimental. A obra de arte está também submetida aos procedimentos do
envelhecimento artificial, já que ao mesmo tempo se cobra e se elimina sua
glória futura; ou melhor, se transforma,
sob a forma de publicidade, em uma glória antecipada que se outorga à obra
antes de sua aparição. Sua posteridade se produz industrialmente, de maneira
que o princípio da não simultaneidade do simultâneo se converte em realidade
educando a clientela para que seja uma clientela de vanguarda que quer adquirir
a última novidade e exige, de certo modo, não consumir senão o futuro.” (p. 95)
Consultar: ENZENSBERGER, Hans Magnus. As aporias da vanguarda. In: Revista Tempo Brasileiro (no
26/27) – Vanguarda e modernidade. Edições Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro,
jan./março 1971. pp. 85-112.
[7] COUCHOT, Edmond. La
technologie dans l’art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 115-116.
[8]
Alguns autores: MACHADO, Arlindo. Máquina
e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001.;
DELEUZE, Gilles. Cinema (a
imagem-movimento). São Paulo: Brasiliense, 1985.; PARENTE, André (org.). Imagem-máquina (a era das tecnologias do
virtual). São Paulo: Ed. 34, 1993.; BARROS, Ana & SANTAELLA, Lucia
(Orgs.). Mídias e artes: os desafios da
arte no início do século XXI. São Paulo: Unimarco Editora, 2002.
[9] Alusão a uma frase usada por alguns jornalistas:
“Para o jornalismo, nada mais remoto que o ontem.”
[10] Considerando-se o enunciado como um ‘lance’
feito num jogo, uma possível derivação é
que “(...) falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provém de uma agonística geral. Isso não
significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance
pelo prazer de inventá-lo: não é este o caso do trabalho de estímulo da língua
provocado pela fala e pela literatura? A invenção contínua de construções
novas, de palavras e de sentidos é o que faz evoluir a língua, proporciona
grandes alegrias. Mas, sem dúvida, mesmo este prazer não é independente de um
sentimento de sucesso, sobre um adversário pelo menos, mas de envergadura: a
língua estabelecida, a conotação.” In: LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2002. p. 17. Grifos meus.
[11] COUCHOT,
Edmond. La technologie dans l’art.
Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 116.
[12] A relação entre arte e técnica/tecnologia é
uma questão, para mim, um pouco confusa.
Podemos tomar esta
relação segundo Lyotard:
“Técnica: seria
necessário tempo para comentar o emprego filosófico da palavra. Lembrar-se de
que techné designa em grego antigo ao
mesmo tempo a arte e o que chamamos de tecnologia. Lembrar-se também de que
tecnologia sempre significa nova tecnologia.”. In: LYOTARD, J.F. Peregrinações. São Paulo: Estação
Liberdade, 2000. p. 51.
Ou, segundo a concepção
de Couchot: “Il faut remarquer d’abord
que l’ordinateur et la télévision sont redevables à une technique commune de
leur perfectionnement et leur développement, celle du tube à vide. Elle est à
l’origine de l’électronique, technologie qui marque un changement capital par
rapport aux techniques mécaniques et électriques et à la maîtrise de énergies.
L’électronique n’est plus une technique dans la mesure où elle n’est plus
empirique mais solidaire de la science, de ses théories, de ses formalisations
mathématiques.”. In: COUCHOT, Edmond. La
technologie dans l’art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp.
76-77.
[13]
“A alusão a Peter
Schlemihl, L’Homme qui a perdu son Ombre, não é acidental. Pois a sombra,
como a imagem no espelho (no Estudante de
Praga), é por excelência um resto, algo que pode ‘cair’ do corpo, assim
como os cabelos, os excrementos ou os detritos de unhas aos quais estão
assimiladas em toda a magia arcaica. Mas são também, sabemo-lo, ‘metáforas’ da
alma, da respiração, do Ser, da essência, do que dá um profundo sentido ao
sujeito. Sem imagem ou sem sombra, o corpo torna-se um nada transparente, já não é ele próprio nada mais que resto.
É a substância diáfana que fica, uma vez que a sombra se vai. Já não há
realidade: foi a sombra que levou consigo toda a realidade (o mesmo se passa em
O estudante de Praga, a imagem
quebrada com o espelho implica a morte imediata do herói – seqüência clássica
dos contos fantásticos – ver também A
sombra de Hans Christian Ardensen). Assim, o corpo pode ser apenas o
detrito do seu próprio resíduo, recaída da sua própria recaída. Só a ordem dita
real permite privilegiar o corpo como referência. Mas nada na ordem simbólica
permite fazer uma aposta sobre a prioridade de um ou de outro (do corpo ou da
sombra). E é esta reversão da sombra sobre o corpo, esta recaída do essencial,
no limite do essencial, sob o golpe do insignificante, essa derrota incessante
do sentido perante o que dele resta, quer sejam os detritos de unhas ou o
objeto ‘alínea a)’, que constitui o encanto, a beleza inquietante destas
histórias.” In: BAUDRILALRD, Jean. Simulacros
e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991. p. 178; nota 1 ; grifos do meus.
[14] Alguns autores usam o conceito de
“reprodutibilidade técnica”, de Benjamin, em seus estudos sobre a cultura
virtual. Conferir: PAIVA, Cláudio Cardoso de. Walter Benjamin e a imaginação
cibernética: experiência e comunicabilidade na era do virtual. Disponível em:
<http://ubista.ubi.pt/~comum/cardoso-claudio-paiva-walter-benjamin.html>
[15] La
peintre de la vie moderne. In: BAUDELAIRE, Charles. Ouvres complètes. Paris:
Seuil, 1968. p. 553.
[16] Referência casual ao livro, de Maurice
Blanchot, Conversa infinita.
[17] Uma experiência que lida com a efemeridade do
virtual é o holopoema. Cf. MACHADO,
Arlindo. O sonho de Mallarmé. In: Máquina
e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001.
pp. 165-191.
“Uma primeira
aproximação do sonho mallarmaico poderia estar no holopoema, o poema construído
com luz paralela do laser num espaço
virtual de três dimensões. Certamente, é preciso considerar que a maior parte dos poemas esculpidos em
hologramas, como de resto acontece com todas as novas tecnologias, não consistem senão adaptações tridimensionais
de poemas que já funcionam bem na página plana e aos quais a dimensão de
profundidade não acrescenta qualquer coisa de essencial. É o que acontece,
por exemplo, em certos trabalhos holográficos do alemão Dieter Jung, que apenas
exibem um novo arranjo espacial para poemas em versos – de resto, convencionais
– de Hans Magnus Enzensberger. Mas quando acontece de o holopoema explorar as
possibilidades de uma escritura verdadeiramente tridimensional, o resultado
pode ser desconcertante, pois ele coloca o leitor diante de um texto paradoxal,
um texto onde as palavras não estão mais arranjadas por nexos absolutos de
linearidade e cujas relações sintáticas encontram-se em permamente
transformação. Examinemos um poema como Luz
/ Mente / Muda / Cor de Augusto de Campos, na versão holográfica de Júlio
Plaza: distribuídos no espaço tridimensional, em diferentes posições das
coordenadas x, y e z, os grafemas ‘muda’, ‘luz’, ‘cor’ e
‘mente’ podem ser combinados de várias maneiras, possibilitando múltiplas
leituras. Não existindo espaço plano, não há seqüência ‘lógica de leitura’, nem
qualquer espécie de hierarquia regendo s combinações, tanto mais que o simples
deslocamento do leitor diante do objeto virtual já faz com que o arranjo
tridimensional se altere em relação a ele. Dependendo de como cada leitor se
posiciona em relação aos vocábulos em cada momento, as funções gramaticais se
alteram: ‘muda’ pode ser verbo ou adjetivo; ‘mente’ pode ser verbo, substantivo
e até mesmo sufixo adverbial. A ambigüidade do arranjo estrutural, associada
ainda à ambigüidade dos efeitos cromáticos da holografia (as cores se alternam
ao menor movimento do leitor), permitem obter diversas soluções de montagem,
num processo que lembra estreitamente – como observou Plaza (...) – a própria perfomance do pensamento ao operar por
associações. Distribuído no espaço
tridimensional, o poema de Augusto de Campos funciona melhor do que na página
impressa, pois adquire uma forma dinâmica que não está muito evidente no papel.”
(p. 167-169; grifos meus)
[18] BAUDRILLARD, Jean. Cool memories II. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 39.
[19] In: ISHIKAWA, Takuboku. Tankas. São Paulo: Massao Ohno/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1991.
p. 173.
A palavra “daí’, em japonês, significa:
título, assunto, tema. Uma possível tradução do poema:
“Daí” mais de cem vezes escrita na areia
voltei cansado
desisti de morrer.