<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 5 n.2 2009 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


 

NOVAS TECNOLOGIAS E INTERAÇÕES LITERÁRIAS: LYA LUFT NO ORKUT*

 

NEW TECNOLOGIES AND LITERARY REPORTS: LYA LUFT IN THE ORKUT

 

 

Leani Budde

Mestre em literatura e doutoranda em Ciências Humanas/UFSC.

leani8@yahoo.com.br

 

 

RESUMO: A Internet tornou-se um instrumento de difusão de conteúdo e interação de pessoas de forma intensa e acelerada neste início dos anos 2000. Dentro dela, as comunidades virtuais constituem-se num meio democrático e inovador  de interação entre pessoas com afinidades nas mais diversas áreas, assim como de apoio ou rejeição a figuras públicas, como os escritores. O artigo trata da evolução das formas  virtuais  de relacionamento, as comunidades do Orkut que se referem à escritora Lya Luft, e de alguns dos significados que podem ser atribuídos a essa interação, tendo em vista contribuições dos estudos culturais e pensadores como Stuart Hall e Nestor Canclini.

 

PALAVRAS-CHAVE: Internet, interações virtuais, Lya Luft.

 

ABSTRACT: In the early 2000´s the internet came about as  an important instrument of diffusion of contents and of interaction between people. Throught the net, virtual communities became a new instrument of communication between people of similar interests in many different areas. It also became a place to support or critisize public personalities, like the writers. This article is about the evolution of this virtual relationships. It focuses on the Orkut communities related to the Brazilian writer Lya Luft and some meanings (or concepts) that can be related to this interactions, considering the contributions of the cultural studies and the thougths of the authors as Stuart Hall and Nestor Canclini.

 

Keywords: Internet, virtual reports, writer Lya Luft.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O acelerado desenvolvimento da Internet a partir da virada do século trouxe novos elementos para compreender o sucesso imediato de determinado artigo ou objeto e a difusão de opiniões do público sobre qualquer assunto. Periódicos, artigos, livros e textos em  geral, diferentes linguagens, sinais e imagens passam a ser compartilhados por pessoas das mais variadas culturas e países. Ao mesmo tempo, o fenômeno das novas linguagens propicia intertextualidades e rearranjos das convenções literárias, a partir das mediações entre autores e leitores que  se afetam mutuamente. Nesta perspectiva, abordamos aqui a interação entre leitores de uma das escritoras de maior evidência no momento no Brasil, Lya Luft, através de comunidades virtuais no sítio de relacionamento Orkut, a partir de diálogos ocorridos de 2004 a 2006. Interação entre leitores que podem ser entendidos  por conceitos dos estudos culturais e da questão da identidade, de Stuart Hall.

 

Na busca ao nome Lya Luft no site de pesquisa Google, o maior sítio de busca da Internet, há a informação de que existem 114 mil páginas a seu respeito. A escritora também somava 14 comunidades virtuais no Orkut, sítio de relacionamento situado no Google,  num total de 16.760 membros[1]. Percebeu-se que a grande maioria das comunidades é de admiradores, mas há também os que são do contra, e criam grupos como “eu odeio Lya Luft”, e há os que só gostam de uma obra específica, ou que se preocupam com a vida pessoal do escritor. Os membros das comunidades são em sua maioria fãs que criaram as páginas e, em nenhuma delas, consta qualquer contato com o escritor. E quando aparece o You Tube,  a escritora surge através de um poema extraído do livro Mulher no palco, que é apresentado por Mari Castelo Branco, em vídeo inserido em 20 de junho e que até 07 de novembro de 2006 teve 199 visitantes.

 

Com milhões de pessoas conectadas em todo o mundo, a internet se tornou, entre outros, um rápido difusor de idéias, um eficiente meio publicitário, o “maior amplificador do boca-a-boca que já se viu”.(MARTHE, 2006, p.93) A curva de audiência  dos inumeráveis produtos expostos na rede é definida como  cauda longa por Cris Anderson (2006). Para ele, com sua capacidade de armazenar informações, a internet é uma espécie de vitrine infinita, sendo o You Tube um de seus principais exemplos. Mais recentemente surgiu também o Twitter, uma mistura de rede social, busca e troca de links.

 

DO E-MAIL PARA O ORKUT

A evolução das formas instantâneas de comunicação é acelerada e começou com a febre do e-mail. Depois surgiram os programas de mensagens em tempo real que rapidamente conquistaram  mais adeptos. Eles permitem que os usuários conversem via teclado e têm em comum o fato de serem gratuitos, de instalação simples e abertos a internautas de qualquer parte do mundo. Além da possibilidade da troca de mensagens em tempo real via internet, há como enviar e receber arquivos e fotos.  O precursor foi o ICQ, em 1996, criado em Israel e comprado pela América Online. Virou mania entre os jovens por possibilitar também o envio de mensagens de texto para telefones celulares. Com 160 milhões de usuários em todo o mundo em 2004, no Brasil o sucesso do ICQ foi tamanho que o programa ganhou uma versão em português, incluindo um serviço de auxílio em vários idiomas. Depois veio o MSN, lançado pelo Hotmail, um dos serviços de e-mail mais populares do mundo, que permite enviar mensagens para pagers e compartilhar conversas com várias pessoas numa mesma janela, além de participar de jogos online. Em constante expansão e sem limites no espaço virtual, os programas não param de surgir, cada vez com maior interatividade, sendo um dos mais recentes o Second Life, em que como o nome já diz, o internauta pode literalmente viver uma segunda vida, de modo virtual.

 

Não só mais uma mídia da indústria cultural, a Internet também difunde informações de todo o tipo e permite a organização e propagação de qualquer evento e de comunidades. A internet tem uma capacidade quase infinita de armazenar dados, e seus servidores são enriquecidos a cada segundo de maneira voluntária por milhões de fornecedores de conteúdo, os próprios usuários. [...] O principal atrativo atual é o You Tube, um site de vídeos em que a chance de encontrar um clipe sobre qualquer pessoa pública é maior do que em qualquer outra fonte de pesquisa. Eles são comunidades para quem gosta de ver, comentar e fazer vídeos. O usuário pode opinar sobre tudo isso por escrito e também acrescentar um vídeo próprio ao conjunto. (MARTHE, 2006a, p. 90. Negrito nosso)

 

O articulista escreve, baseado no  livro de Anderson (2006),  como a internet mudou a lógica da cultura de massa: 

 

No lugar do tradicional mercado de poucos megassucessos, a rede possibilita o surgimento de milhares de pequenos hits.[...] Todos os produtos podem ficar expostos e, eventualmente, encontrar um interessado. O You Tube reflete essa nova ordem. Seus vídeos não saem de cartaz, alguns com milhares de espectadores por dia, outros com apenas um ou dois. Essa curva de audiência compõe a tal cauda longa. (Idem. Ibidem, p. 92)

 

A reportagem destaca ainda que a internet tem capacidade de amplificar a um nível surpreendente fatos que de outra forma poderiam passar despercebidos, tais como gafes cometidas por apresentadores de TV. Já em  2004, na edição de 5 de maio, a Veja noticiava “Como a internet reinventou o boca-a-boca”, explicando que em sítios como o Amazon, resenhas de leitores comuns ajudam a vender produtos. A reportagem relata que a enquete eletrônica é composta de cotação por número de estrelas, mas “as resenhas de consumidor quase nunca revelam pendor analítico. Em geral, o leitor se limita a dizer se gostou ou não do livro”, declarava então o jornalista James Marcus, autor de um livro sobre a experiência. [2]  

 

Do universo da internet, evidenciamos neste artigo o Orkut, programa que congrega comunidades virtuais. O Orkut surgiu a partir dos blogs, os diários virtuais de pessoas, principalmente jovens, que compartilham suas idéias e emoções com quem queira ler, e os fotologs, com fotos de pessoas. Destacando a linguagem típica dos internautas, com palavras abreviadas e neologismos, em junho de 2004, numa edição especial sobre jovens, a  revista semanal  Veja constatava:

                                                                                                                                                                                                                                                        

 

dos blogs existentes, 51,5% são de pessoas de 13 a 19 anos. O adolescente gosta não só de produzir o próprio blog, mas também de espiar a página dos outros. No Brasil, 42% da turma de 12 a 24 anos que acessa a internet visitou algum blog. (VEJA, 2004 p.68)

 

Um ano depois, a mesma revista trazia uma reportagem que mostrava a ferramenta que passava a ser utilizada na política e em negócios. Estimava-se então que havia mais de 30 milhões desses diários virtuais no mundo, sendo que 7 milhões de brasileiros visitaram blogs ou fotologs, o que equivaleu a 60% dos internautas do país. A reportagem, além de ensinar como se cria em 15 minutos uma página de blog na internet, comenta a interatividade:

Cada texto postado num blog vem acompanhado de uma janela para que os leitores façam comentários, o que torna essas páginas espaços de debate por excelência.[...]as comunidades vão se ampliando e sobrepondo: um blog já nasce com a necessidade de se interligar ao máximo a seus congêneres. Se há um traço comum entre os blogueiros que se destacam é a ânsia em falar e ser ouvido. [...]Os blogs hoje são formadores de opinião tão influentes quanto a grande mídia, [...] e para as empresas, uma poderosa arma de comunicação institucional. (MARTHE, 2005, p. 86)

 

A partir do conteúdo típico de um blog adolescente, uma miscelânea, sempre atualizada,   de poemas, letras de música, desenhos de bichinhos, registro das atividades do dia, pensamentos e fotos de ídolos, surgiu o Orkut, uma mistura de sítio de relacionamento e de comunidades.  Os usuários desses programas fazem amizades virtuais com os visitantes que deixam comentários na sua  página. No Brasil a propagação dessa “comunidade virtual” foi tão intensa que em 2006 tornou-se o país com maior número de pessoas conectadas ao Orkut (73% dos usuários)[3], atingindo agora também  outras gerações, e não mais apenas os adolescentes. É a experiência que mais se enquadrou às necessidades do internauta de se colocar diante da rede, de fazer parte dela, de ser um usuário ativo dentro de uma comunidade virtual. Para WEBER,

Chamamos de comunidades a uma relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes. (WEBER, 1987 apud  RECUERO,  p. 1)

 

O conceito de tribo, conforme definido por Maffesoli (1995), como um fator de sociabilidade, também pode ser adequado para entender essa nova forma de congregação de pessoas. A espontaneidade e a possibilidade de escolha no surgimento das comunidades  é destacada em outra análise:

a principal peculiaridade da comunidade virtual é o fato de surgir de forma espontânea, quando se estabelecem agrupamentos sociais com base em afinidades. O indivíduo não é obrigado a integrar determinada comunidade, a motivação é individual, é eletiva, subjetiva. Essa possibilidade de optar por traços de identificação é o que a diferencia do modelo tradicional de atribuição de identidades culturais, como o caso da identidade nacional, em que todo um povo era obrigado a aderir a determinados símbolos nacionais [...] na comunidade virtual, o indivíduo escolhe, elege qual comunidade quer fazer parte. (CORREA, 2006, p.10)

A forma simples, acessível e sem nenhum custo para se criar um perfil ou fazer parte de uma comunidade atraiu milhares de pessoas com desejos comuns sobre diversos assuntos. No site Web insider, por exemplo, ainda em 2003, era ensinado como construir comunidades virtuais. O texto iniciava dizendo que a internet existe para aprimorar a comunicação, e onde existe comunicação, surgirão comunidades. Entre as dicas, sugestões como: “Cultive uma comunidade você atrairá a atenção de pessoas interessadas em escutar o que você tem a dizer. Incentive discussões e você se cercará de gente disposta a compartilhar as próprias idéias.” (SPYER, 2003)  Das novidades trazidas pelo Orkut, destacam-se os fãs-clube de alguma estrela, artista ou celebridade. No lugar de sede física com pôster na parede, a comunidade virtual apresenta fotos e os fãs trocam informações a distância, em tempo real. Os assuntos são tão variados que há na página principal do sítio,  links com acesso por tema de interesse, para facilitar a busca: arte e entretenimento, profissões, lugares, etc. Encontra-se de tudo o que se possa imaginar.

Na análise de Julio Daio Borges, em artigo com o título “Orkut ano dois” publicado em 03/02/2006, no sítio digestivocultural.com, são lembrados também os riscos da exposição na infosfera. Ele observa, entre outros aspectos, que

 

A importância que eu vejo no Orkut está no fato de que, para muitas pessoas, ele foi a primeira grande experiência – real e profunda – de ´virtualidade`. A primeira experiência de se colocar na Rede, de fazer parte Dela – de sofrer as conseqüências [...] O espaço da Internet é público e qualquer pessoa que coloque lá sua cara, vai estar suscetível de escrutínio – e às opiniões nem sempre favoráveis - de outros internautas. [...] A diferença da internet para a vida real, talvez seja, justamente, uma diferença de meio. [...] em geral, na Web não existem espaços “fechados” para ninguém. Não há as tradicionais barreiras que na vida social limitam o acesso a pessoas muito diferentes de você. Então, na internet, você encontra gente de todo o tipo. E gente doente. [...] A internet é apenas uma ferramenta, e com toda a sua superficialidade, com toda sua mediocridade, eu dou importância ao Orkut no Brasil. A humanidade em grande parte é superficial e medíocre. Por que seria diferente numa mídia de plena democracia, como a internet? (BORGES, 2006 p. 1)

 

LYA LUFT VICE-CAMPEÃ EM COMUNIDADES VIRTUAIS

E nessa onda, nem os escritores ficaram de fora. O mundo cibernético inclusive, inicialmente usado por aqueles que sempre foram rejeitados, os excluídos de nossa literatura, agora já constitui alternativa também para os bem sucedidos no livro impresso de forma tradicional. Na pesquisa de junho de 2006, anteriormente citada, Luiz Fernando Veríssimo tinha então cinco comunidades referentes a ele, com um total de 126.359 membros, enquanto Lya Luft aparece em segundo lugar, com número maior de comunidades (14) mas menos pessoas ligadas a elas (16.760).   O termo “virtual” já fora usado por Leopold Von Viese em outro contexto, mas permanece adequado para definir as comunidades da internet:

                                                                                                                                                                                                                                                        

o público não constitui um grupo, mas um               conjunto informe, i. é., sem estrutura, de               onde podem ou não desprender-se grupamentos configurados [...] o seu estado normal é de massa abstrata”, ou “virtual”. (Von Viese, 1933 apud CÂNDIDO, 1985, p. 406)

 

Na perspectiva de comunidades, Antonio Cândido especula sobre como seria e qual a influência deste público sobre o artista ou escritor:

 

Existem, numa sociedade contemporânea, várias dessas coleções informes de pessoas, espalhadas por toda parte, formando os vários públicos das artes. Elas aumentam e se fragmentam à medida que cresce a complexidade da estrutura social, tendo como denominador comum apenas o interesse estético. A sua ação é enorme sobre o artista.

[...]quando se diz que escrever é imprescindível ao verdadeiro escritor, quer dizer que ele é psiquicamente organizado de tal modo que a reação do outro, necessária para a autoconsciência, é por ele motivada através da criação. Escrever é propiciar a manifestação alheia, em que a nossa imagem se revela a nós mesmos. Por isso, todo escritor depende de público. [...] Tanto assim que a ausência ou presença da reação do público, a sua intensidade e qualidade podem decidir a orientação de uma obra e o destino de um artista. (CÂNDIDO, 1975, p. 35. Negritos nossos)

Há vários tipos de comunidades no Orkut sobre Lya Luft, criadas por admiradores ou contestadores. A maior delas, com 5.188 membros, classificada na categoria arte e entretenimento, foi criada em maio de 2004 por Daniela. Tem como comunidades relacionadas: Literatura Brasileira, Literatura Feminina, Maníacos por livros, Clarice Lispector, Florbela Espanca, etc. As escritoras relacionadas são conhecidas, entre outros aspectos, por terem publicados seus diários e cartas.  Apenas denominada Lya Luft, com 1089 participantes, outra  tem como comunidade relacionada o livro Secreta Mirada, também da autora Lya Luft. Com 259 membros, a comunidade descrita “A escritora é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais”, foi criada em dezembro de 2004, por Ricardo Paula. Enquadrada na categoria arte e entretenimento, tem como comunidades relacionadas: Hilda Hilst, Psicanálise de Freud a Lacan, Psicólogo não é ET, Fernando Pessoa, etc. E tem também as que são do contra, como uma denominada “Eu Odeio Lya Luft” com o convite “Se você acha que essa Lya não passa de um Paulo Coelho de saias,...esse é o seu lugar”. Criada em novembro de 2004, por Saulo Vassaulo, de Curitiba, tem 99 membros. E ainda uma descrita como “Eu sobrevivi a Lya Luft”, com 27 membros, criada em novembro de 2004 por Lurian Endo. Tem como comunidades relacionadas: História Unirio, Odeio a Lya Luft, O queijo e os vermes, etc.

O que os membros das comunidades têm em comum? Pelo que dizem (pois percebe-se que nem tudo é verdadeiro, inclusive os nomes, às vezes até incompletos!!), a maioria tem idade entre 23 e 35 anos; bom nível cultural, muitos falam outros idiomas; tem interesse em livros (de todos os tipos), amigos, esportes e Internet; a maioria mora no Sudeste ou Sul do País (mesma localidade dos escritores com maior número de comunidades de fãs); declaram-se heterossexuais; a maior parte está solteira ou namorando; sem filhos; bebem socialmente, não fumam. Quem são os criadores das comunidades? Um exemplo é Sandra Cristina, que criou a  comunidade “Para quem gosta de boa literatura e dessa mulher maravilhosa!!!” , com 371 membros. No seu perfil ela  identifica  suas preferências, que em alguns detalhes saem da média referida anteriormente, mostrando, inclusive,  diversidade no gosto cultural:

no orkut: amigos; filhos: sim – moram comigo; etnia: multiétnico; religião: Tenho um lado espiritual independente de religiões; visão política:libertário; humor: inteligente/sagaz; estilo: alternativo; fumo: regularmente; bebo: socialmente; animais de estimação: prefiro que fiquem no zoológico; moro: com filho(s), amigos visitam com freqüência; cidade natal: Fortaleza; paixões: minhas filhas, minha família, os amigos, filosofia, literatura, boa música, o mar...; esportes: dormir muuuuuito...;atividades: ensino e pesquisa; livros: Noooossa!!!! São tantos... Os Frutos da Terra (André Gide), Eu Profundo e outros Eus (F. Pessoa), As Brumas de Avalon (Marion Zimmer), O Pendulo de Foucault (H. Eco), Crítica da Razão Pura (E. Kant)....e outros... muitos outros!!!!!  (www.orkut.com/profile)

 

O público abrangido pelo Orkut é diversificado, e assim, reproduzimos abaixo alguns dos debates nas páginas virtuais, exemplos de como pensam e interagem os membros de uma comunidade de Lya Luft :

Gabriela 08/07/2004 18:23 - Qual o livro da Lya que vocês mais gostaram? 

Leonardo 12/07/2004 16:45

os 2 últimos. Gostei de todos que li, mas os 2 últimos - pensar é transgredir e perdas e ganhos - são show de bola. Não é por acaso que estão entre os mais vendidos sempre...                                                                

Letícia 16/07/2004 13:04

O primeiro que li, Reunião de Família e também O Rio do Meio.                     

Marta   21/07/2004 12:43  Adoro todos os livros dela

Bah o mais marcante para mim com certeza foi o quarto fechado que tem a ilha da morte na capa... Foi uma surpresa para mim....                                    

DRIKA 23/07/2004 09:35 Estou lendo o terceiro livro dela agora, e por enquanto acho o Perdas e Ganhos o mais especial !!!                                        

Mary   26/07/2004 09:55  Histórias do Tempo Acho-o maravilhoso!                   

BaBi  28/07/2004 11:23  todos.. mas em especial  Quarto Fechado e A Asa Esquerda do Anjo...Mas todos os seus livros foram muito significativos pra mim...

 

Em outra comunidade, o tópico trechos essenciais teve a maior participação, com 60 postagens, alguns deles citados a seguir:

 

Rita - 17/12/06 - Mar de Dentro  Nunca mais foi como aquele o cheiro de lençóis limpos nem o aroma das comidas, a música das vozes amadas e o crepitar das lareiras, nunca mais a mesma sensação de acolhimento, nunca mais pertencer a nada com tamanha certeza."

 

Pedro Paulo - 20/12/06 - Na juventude somos aprendizes, somos amadores na vida.
Na maturidade devíamos ser bons profissionais do viver: lúcidos e ainda otimista, mais serenos, de uma beleza diferente, produtivos e competentes
. (Perdas & Ganhos)

 

Elinaldo 23/12/06 - De "Perdas e Ganhos” “... a vida não tece apenas uma teia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar."

 

Amanda - 25/12/06 - O tempo me ensinou a não acreditar demais na morte, nem desistir da vida: cultivo alegrias num jardim onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos amores e seus segredos. E a esperanca_que rebrilha como pedrinhas de cor entre as raizes.

 

Por vezes o espaço interativo serve para outros assuntos que não o sugerido, como  alguém solicitar ajuda para encontrar um livro da escritora. A participante Soraya, por exemplo, em 16/07/2005,  procurava o livro O lado fatal para fazer uma homenagem à mãe já falecida. Na comunidade Adoro os artigos da Lya Luft”, de 300 membros uma pergunta: “Você é do tipo que não pode ver uma revista Veja na frente que vai logo procurando ler algum artigo da Lya Luft? Ou quando está lá no consultório esperando pra ser atendido e pega uma revista veeeeeeelha....” No fórum de debates da página, um dos tópicos com mais postagens perguntava “qual artigo você mais gostou?”

Maria Lucia – 06/05/2005 – Vale o último? Sei lá... Tão difícil responder, né? Eu gostei das baleias, dos mitos e dos tantos mais que estão nos livros dela, como aquele no “Pensar é transgredir” que se chama “Canção aos homens”! É lindo e quebra um pouco daqueles “mitos” que fazemos dos homens, que eles não podem chorar, receber colo ou cuidar dos filhos... Acho lindo...Mas ela é tão maravilhosa que é difícil eleger um só, né??? VC leu “Histórias de uma bruxa boa?” É sensacional!!

Lynnete – 13/07/2005 – Concordo com a colega. Adoro os artigos dela. Principalmente pelo sentimento e a visão que transgride um pouco a realidade. O que mais me marcou também foi o artigo das Baleias. Já li vários, mas esse em especial me chamou a atenção.

Paula – 13/12/2005 – Adoro a forma como a Lya Luft escreve. É incrível a forma com que ela consegue se expressar e alcançar os nossos sentimentos. O artigo dela que mais me marcou, foi o que ela escreve p/ Veja no Dia dos Pais de 2004. Foi mágico (sic) a maneira com que ela me fez ver uma série de coisas que até então sequer tinha (sic) pousado em meu pensamento.

Suzana – 26/03/2006 – eu amei o artigo A FORÇA DAS PALAVRAS eu coleciono os artigos da LYA são simplesmente maravilhosos..

 

Pelo exposto acima, tem-se uma noção de como o leitor de Lya Luft, especialmente o mais jovem, recebe seus escritos, tanto realçando os aspectos positivos quanto os negativos. Constata-se também que além da troca de idéias e até de ofensas, a interatividade das comunidades abrigadas sob  a internet permite aos participantes conhecer outras obras de Lya Luft, além das publicadas recentemente. E embora a escritora diga que não se importa com as opiniões favoráveis ou desfavoráveis, é um considerável espaço de divulgação de seus escritos e publicações.

 

Os debates no mundo virtual em geral demonstram que  a superficialidade exerce um papel considerável no jogo de espelhos que é o nosso tempo. Mostram que estes leitores se veem refletidos fielmente nas palavras de Lya, fechando um ciclo/círculo de espelhamentos: vivência da autora » obra » leitor » vivência da autora. O espelho como mediador, que serve não apenas para refletir frívolas vaidades, mas que possibilita novas indagações, ou o rompimento com imagens que não servem mais. Lya reconhece os sentimentos humanos, os “feios” e os “bonitos”, e por outro lado, quer também ser reconhecida, como se verifica nas entrelinhas em várias declarações. Ou seja, é o ame-me presente em toda a escritura, tanto para quem escreve como para quem lê.

 

No caso específico das comunidades que apóiam Lya Luft, pode-se aferir que a busca de identidades possíveis de indivíduos isolados em meio a multidão, é um dos elementos da aceitação e  reconhecimento do público aos seus escritos. Nesse contexto, é crível a observação de Stuart Hall de que o que está em discussão é o “jogo de identidades” e suas conseqüências políticas. O indivíduo  parece fragmentar-se , mas segundo  Hall “ à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.”(2005 p. 13) Mostrar-se humana, com defeitos e qualidades, parece fascinar os leitores em busca de referências num mundo conturbado.

 

A despeito de tecnologias e outras inovações, as profundas mudanças de comportamento e na forma dos relacionamentos amorosos,  o “vire-se” difundido pelo neoliberalismo, faz com que pessoas sintam-se sem apoio para lidar com sua vida. Transformam-se as maneiras de amar, de se comportar, e já não existem modelos ideais, nem de ser mulher, nem de  homem ou demais categorias de gênero. Um tempo de ascensões e quedas rápidas, de hiperconsumo, de objetos descartáveis, de transformações tecnológicas e de mudanças na própria definição de relacionamento humano/amoroso. “Consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora”, diz Nestor Canclini, acrescentando: “o consumo é um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados”. (CANCLINI, 1995 p. 59)

 

Complementando este aspecto, na perspectiva dos Estudos Culturais fica evidenciando que  os projetos artísticos são constituídos pelos processos sociais; “o modo de vida de uma determinada sociedade são internos a um projeto artístico na medida em que estruturam a forma das obras dos projetos que, por sua vez, articulam os significados e os valores dessa sociedade”. (CEVASCO, 2003, p. 64) E Lya Luft com seus textos, assim como grandes obras da literatura, vem trazer o componente do cotidiano, as questões apenas “humanas” que, parece, necessitam serem resgatadas nas pessoas. E o faz com simplicidade, profundidade e transparência. Não se intimida em se expor abertamente ou nas entrelinhas, no texto, já que sempre estamos  falando de nós mesmos, conforme entende a psicanálise.

                     

CONCLUSÃO

 

Observa-se que as comunidades virtuais constituem uma importante ferramenta de divulgação e  apoio para a escritora. Para além das vantagens mercadológicas, contudo, propiciam principalmente o interesse para a leitura de outras obras, em reforços mútuos dos leitores sobre a pertinência do acesso a seus escritos e de autores correlatos. Os leitores destes últimos livros, pelo que se constata nas comunidades do Orkut, foram também em  busca  dos romances anteriores da escritora, e lá encontram a mesma Lya, porém, se expressando de forma diferente. Os escritos demonstram que suas preocupações fundamentais, misturadas ao seu estilo inconfundível, não se diferenciam por gêneros nem por épocas. São sempre a mesma personalidade literária e os mesmos motivos recorrentes que estão em jogo.

 

Mesmo que, pela própria virtualidade do mundo cibernético, algumas sejam efêmeras e fugazes, as comunidades do Orkut, têm alcance imensurável junto ao público. E são um exemplo peculiar do modus vivendi  e do pensamento dos jovens do início do século XXI.  

 

Lya Luft grava seu nome entre os prediletos e mais conceituados no mundo virtual deste tempo de rápidas transformações de valores e de modos de vida. Suas palavras tornam significativo, dão sentido a este  mundo que aí está. O sentido é um efeito experimentado pelo leitor, uma expectativa que se completa em função do que já leu antes e do que encontra na leitura.

 

Referências

 

ANDERSON, Chris. A cauda longa. Rio de Janeiro:Elsevier/Campus, 2006.

 

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BORGES, Julio. Orkut ano dois. Disponível em <http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1812>. Acesso em  03/02/2006.

 

BUDDE, Leani. A espessura da existência humana: Perdas & Ganhos na obra de Lya Luft. Dissertação de mestrado em Literatura. Florianópolis: Ufsc, 2007.

 

CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ufrj, 1995.

 

CEVASCO, Maria Elisa.  Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

 

CORRÊA, Cynthia H. W. Comunidades virtuais gerando identidades na sociedade em rede.  Disponível em <http://www.uff.br/mestcii/cynthia1.htm>. Acesso em 11 jun. 2006.

 

MAFESSOLLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

 

MARTHE, Marcelo. A nova era da televisão. Veja, São Paulo, p. 89-97, 13 set. 2006a. 

 

MARTHE, Marcelo. É como o Orkut...mas tem trilha sonora. Veja, São Paulo, p. 67-68, 12 abr. 2006b.

 

SANDRA Cristina. Perfil. Disponível em <http://www.orkut.com/profile>. Acesso em janeiro de 2007.

 

SPYER, Juliano. Construindo comunidades virtuais (parte 1) http.//www.webinsider.com.br/vernoticia.php?id=1841, publicado em 18/08/2003. Acesso em 11 jun. 2006.

 

STUART HALL. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora. 2005.

 

VON VIESE, Leopold, 1933 apud CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975.

 

WEBER, Max, 1987 apud RECUERO, Raquel.  Comunidades Virtuais - Uma abordagem teórica. Disponível em <http://www.pontomídia.com.br/raquel/teorica.htm>. Acesso em 11 jun. 2006.

 

  

 

 

<REVISTA TEXTO DIGITAL>

 

 



 *  Artigo baseado em capítulo da dissertação de mestrado da autora.

[1]  Numa pesquisa informal realizada em junho de 2006, constatou-se que o campeão de comunidades  relacionadas a escritores era de  Luiz Fernando Veríssimo. Pesquisa feita por Budde e Vitara (Patrícia), durante o mestrado em Literatura,  num trabalho sobre vida literária na Web.

[2] O livro Amazonia é resultado do trabalho de cinco anos do autor para o sítio Amazon.

[3] Dado retirado da reportagem de MARTHE, Marcelo. É como o Orkut...mas tem trilha sonora. Veja. 12/04/2006b, p. 67