<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 5 n.2 2009 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


 

DISCUTINDO O CONCEITO DE GAMEPLAY

 

 DISCUSSING THE GAMEPLAY’S CONCEPT

 

 

Hélia Vannucchi

Mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas, Doutoranda em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo

helia@actualis.com.br

 

Gilbertto Prado

Doutor em Artes pela Universidade de Paris I,

ECA-USP,CNPq

gttoprado@usp.br

 

 

 

RESUMO: Este artigo apresenta e discute os conceitos de gameplay e jogabilidade a partir de definições de diversos autores, aponta suas semelhanças e diferenças, justifica porque não podem ser considerados equivalentes e propõe um entendimento para o conceito de gameplay.

 

PALAVRAS-CHAVE: gameplay, jogabilidade, games.

 

ABSTRACT: The paper is concerned with the concepts of gameplay and playability based on different theoretical views and authors, trying to point out the differences and the similarities and to propose an understanding about the concept of gameplay.

 

Keywords: gameplay, playability, games

 

 

 

O termo gameplay normalmente é traduzido por jogabilidade, um termo que ainda não se encontra em nenhum dicionário de língua portuguesa. Mesmo assim, em sites e revistas especializadas, o termo é frequentemente utilizado. Muitos dos sites e revistas especializadas em games valem-se do termo sem dar uma definição exata, como que partindo do pressuposto de se tratar de um termo corriqueiro. A definição mais frequentemente encontrada (em sites, listas de discussão e até mesmo em artigos de revistas da área) é atribuída à Wikipedia, mas, para se ter uma idéia da complexidade do termo, nem mesmo esta definição encontra-se mais online1. A citada definição era:

 

Jogabilidade é a virtude que um jogo possui para ser fácil e intuitivo de se jogar. Quanto mais rápido o jogador se sentir confortável com os comandos do jogo e seu ambiente, mais conceituada é a jogabilidade. Existe ainda outro conceito para jogabilidade, geralmente aplicado por revistas especializadas, que pode ser entendido como a maneira em que o jogador interage com a mecânica de jogo. Neste caso, uma jogabilidade mais complexa não significa dificuldade de interação entre jogador e jogo, mas a profundidade com que isto ocorre, na forma de enredo mais elaborado, variedade de ação e quebra-cabeças complexos, por exemplo2.

 

Esta definição não se sustentou na Wikipedia, entre outros motivos, por se tratar de um termo ainda não dicionarizado. Ainda assim, a título de exercício, podemos tomá-la como ponto de partida para compará-la às diversas definições do termo gameplay encontradas.

 

Diferentemente do termo jogabilidade, o termo gameplay já pode ser encontrado em alguns (mesmo que ainda poucos) dicionários de língua inglesa. O Longman Dictionary of Contemporary English e o English Collins Dictionary definem gameplay como o modo como um jogo de computador é projetado e as habilidades necessárias para jogá-lo. Esta definição se assemelha à primeira parte da definição de jogabilidade citada acima, que diz que jogabilidade é “a virtude que um jogo possui para ser fácil e intuitivo de se jogar”, e está bastante relacionada à curva de aprendizagem de um jogo3.

 

Já o Encarta® World English Dictionary [North American Edition] define gameplay como o valor de entretenimento de um jogo de computador, incluindo aspectos tais como interface do usuário e game design; e o dicionário Inglês-Inglês do Babylon, como o passo-a-passo executado através de um jogo, um ciclo de um determinado jogo (especialmente em um jogo de computador). Aqui observamos que a definição do Encarta não se assemelha às definições dadas de jogabilidade, enquanto a definição do dicionário Inglês-Inglês do Babylon assemelha-se à segunda parte da definição do Wikipedia, que diz que jogabilidade pode ser entendida “como a maneira em que o jogador interage com a mecânica do jogo”.

 

Tais definições dicionarizadas, no entanto, não são suficientes para o entendimento do real conceito do termo, até mesmo porque podemos observar que não apresentam uma unanimidade com relação ao conceito. A mesma falta de unanimidade se observa entre os diversos autores que apresentam suas definições, sem, no entanto, chegarem a um consenso.

 

O conceito de gameplay por diversos autores

 

Rollings & Adams (2003:199-201) em seu livro Andrew Rollings and Ernest Adams on Game Design, abrem o capítulo sobre gameplay falando da dificuldade de conceituação do termo. Os autores apontam que qualquer designer concordaria que o “gameplay é o núcleo do jogo”, mas que, no entanto, não há uma definição “universalmente aceita” para o termo. Eles alegam que “cada criador tem sua própria definição pessoal de gameplay, formada a partir de exposição a muitos exemplos [que ilustram ao se tentar explicar o que é gameplay] ao longo de sua carreira”. Partindo de uma declaração de Sid Méier que “uma vez definiu gameplay como ‘uma série de opções interessantes’”, os autores elaboram sua própria definição. Para os autores, gameplay é “uma ou mais séries de desafios em uma relação causal, num ambiente de simulação”.

 

Rollings & Morris (2003:39;60-62), ao apresentar os elementos de um jogo, dizem que o gameplay “incentiva o jogador a empregar estratégias” para desenvolver bem sua atuação no jogo e chegar a parâmetros específicos e implica escolhas interessantes por parte do jogador. Para os autores “um jogo bem concebido não pode ser vencido sem estratégia. E estratégia manifesta-se como uma série de opções interessantes”.

 

Feil & Scattergood (2005:9) entendem o gameplay como o conjunto de elementos que torna um jogo divertido. “Existem tantos sabores de gameplay quanto existem jogos. Quando você estiver criando seu jogo, você terá que identificar qual é o seu gameplay é e torná-lo tão divertido quanto possível”.

 

Para Howland (1999), a experiência do jogador é bastante importante na definição do conceito, já que o autor define gameplay em função das “interações significantes que o jogador tem com o jogo”.

 

No artigo The Gameplay Gestalt, Narrative, and Interactive Storytelling, Lindley (2002:2-6) explora a idéia de gameplay como um “processo de formação de uma gestalt interativa” e inclui as regras como elemento importante para definição do gameplay. Para o autor, nos videogames, gameplay se refere às atividades realizadas no âmbito de um quadro de regras acordadas que, direta ou indiretamente contribuem para alcançar metas.

 

Para Assis (2007:17-18) é o conceito de gameplay que distingue o videogame dos outros meios de expressão. Para o autor, videogames

 

são interativos como qualquer coisa na vida real, que reage somente depois de nossa intervenção; também são expressivos, podendo ter história e roteiro, como filmes; têm interface como qualquer programa ou qualquer painel de um aparelho; mas só eles têm essa característica que faz com que o balanço entre as possibilidades de interação, o desenvolvimento da tensão e a experiência exploratória se torne algo imersivo.

 

Assis ainda observa que é “o conjunto de decisões que se soma no gameplay determina se a experiência será imersiva e divertida ou entediante”. Isto, em função de balanço entre regras fixas e flexibilidade para permita ao jogador desenvolver um estilo pessoal de jogo.

 

Arsenault & Perron (2009:109) ao conceituar a atividade de jogar, definem gameplay como o ponto de encontro de duas entidades distintas, o jogo e o jogador e o entendem como um espectro de possíveis ações e reações que é gerado tanto pelo jogador quanto pelo próprio jogo. 

 

O gameplay, para Sicart (2008), é definido pela mecânica do jogo. Sendo esta definida por ele como os métodos invocados pelos agentes (humanos ou não), projetados para interagir com o mundo do jogo.

 

Já Tom Heaton (2006) em seu artigo A Circular Model of Gameplay não se preocupa em dar uma definição, mas em desenvolver um modelo teórico que mostre como o gameplay funciona na prática. Para o autor o gameplay decorre da interação do jogador com o jogo, não numa interação randômica, mas como um fluxo circular de informação que vai do jogo ao jogador e vice-versa.

 

GAMEPLAY

Sid Méier

Rollings & Adams (2003)

Rollings & Morris (2003)

Howland (1999)

Feil & Scattergood (2005)

Arsenault & Perron (2009)

Lindley (2002)

Assis (2007)

Sicart (2008)

Heaton (2006)

Experiência

proporcionada ao jogador

Interações significantes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opções interessantes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conjunto de táticas que fazem a experiência divertida e interessante

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conjunto de elementos que tornam o jogo divertido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Interação

com o jogo

Definido pela mecânica do jogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decorre da interação do jogador com o jogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atividades realizadas no âmbito de regras que contribuem para alcançar metas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 1: Definições de gameplay

 

A tabela acima permite observar melhor as semelhanças entre estas definições.

 

Podemos destacar que a experiência proporcionada ao jogador e a interação com o jogo são os principais pontos em torno dos quais as definições apresentadas se agrupam. Os destaques dados aos termos “experiência divertida” e “jogo divertido” são grifos nossos.

 

Desta série de definições apresentadas, podemos observar que a experiência que o jogo proporciona ao jogador é o ponto principal da maior parte delas, apresentadas como interações significantes (Howland 1999), uma série de opções interessantes (Sid Méier; Rollings & Adams 2003), conjunto de táticas que fazem a experiência divertida e interessante (Assis 2007) ou conjunto de elementos que tornam o jogo divertido (Feil & Scattergood 2005).

 

Podemos notar também que o que Sid Méier chama de “opções interessantes” é uma das palavras-chaves para o entendimento do conceito de gameplay, uma vez que este conceito é utilizado também por Rollings & Morris (2003), e também pode ser deduzido das definições de Rollings & Adams (2003), Assis (2007) e Sicart (2008).

 

Rollings & Adams (2003) partem da definição de Méier e falam em “série de desafios numa relação causal” que podem ser interpretados como opções interessantes, pois os desafios pressupõem escolhas e escolhas sempre são feitas entre ao menos duas opções. Assis (2007) fala em “conjunto de táticas” que são elaboradas a partir das opções do jogador. E, se para Sicart (2008) o gameplay é definido pela mecânica do jogo, esta define os desafios e escolhas que serão apresentadas ao jogador, ou seja, as opções que lhe são dadas.

 

Outro ponto comum que pode ser observado é o fato do gameplay ser decorrente da interação do jogador com jogo, como para Arsenault & Perron (2009) e Heaton (2006) que vê esta interação é vista como um fluxo circular de informação que vai do jogo ao jogador e vice-versa. Para Sicart (2008) o gameplay é definido pela mecânica do jogo, enquanto para Lindley (2002) refere-se às atividades realizadas no âmbito de um quadro de regras acordadas que, direta ou indiretamente contribuem para alcançar metas.

 

A diversão como resultado é ponto importante para Assis (2007) – que ressalta como fundamental que a experiência de jogar seja divertida – e para Feil & Scattergood (2005) – que entendem o gameplay como um “conjunto de elementos que torna um jogo divertido”.

 

Comparando-se às definições de gameplay e jogabilidade, notamos como semelhante a menção à forma como o jogador interage com a mecânica do jogo. No entanto, a definição de jogabilidade não leva em consideração o envolvimento (e a diversão) do jogador. Assim, não podemos considerar os termos equivalentes, visto a importância que o envolvimento do jogador tem nas diversas definições de gameplay encontradas.

 

Assis (2007) também considera imprópria a tradução do termo gameplay por jogabilidade, uma vez que “todo jogo é jogável e o que interessa é que seja interessante. Além disso, observa que “jogabilidade” admite graus: alta ou baixa, o que não combina com um conceito abstrato”.

 

Como Assis, Bruni também não concorda com a tradução da palavra gameplay para jogabilidade e considera que seria um reducionismo do potencial conceitual que o termo vem assumindo hoje nos estudos videolúdicos, uma vez que restringe o conceito somente à noção de ludus. Para ele, o termo gameplay contém a fusão de dois sentidos importantes:

 

a noção de jogo (game) como um sistema organizado de regras, próximo a noção de ludus defendida por Frasca [1997]; e a noção de brincadeira (play) algo que denota tanto a noção de faz-de-conta (ou fábula no sentido narrativo) como o conceito de paidia. E, como afirma Frasca o sentido de ludus não é algo antagônico a paidia, e sim um subgrupo dessa4.

 

Então, assumimos que o gameplay emerge das interações do jogador com o ambiente, a partir da manipulação das regras e mecânicas do jogo, pela criação de estratégias e táticas que tornam interessante e divertida a experiência de jogar.

 

Vale também ressaltar que o gameplay pode ser observado em jogos dos mais diversos suportes (embora seja predominantemente atribuído aos videogames) e independentemente de o jogo ter um objetivo específico a ser alcançado, ou ser um passatempo ou um jogo cujo objetivo esteja definido apenas pelas intenções do jogador.

 

 

 

1 Essa definição foi eliminada, entre outros motivos, por tratar-se “dum adjetivo relativo a jogos eletrônicos, coisa que não cabe aqui na wiki” e porque a “palavra nem sequer existe em nenhum dicionário de língua portuguesa (pelo menos ainda não descobriram um que a contivesse). Sem fontes, apenas com blogs e fóruns, é pesquisa inédita, e isso não cabe na Wikipédia”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Páginas_para_eliminar/Jogabilidade. [Acessado em 06 de julho de 2009].

 

2 Definição atribuída à Wikipedia, publicada na matéria “Advergames: o jogo on-line das marcas”, da revista Webdesign, Rio de Janeiro, ano 4, n. 46, p. 46-50, outubro 2007.

 

3 A curva de aprendizagem refere-se ao tempo que o jogador leva para aprender os comandos do jogo e sentir-se confortável com eles.

 

4 Opinião registrada em comentários postados no blog Realidade Sintética, referentes ao artigo “Como se analisa um videogame?”, de 15 de julho de 2009, disponível em http://realidadesintetica.com/ ?p=656. Acessado em 31 de agosto de 2009.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARSENAULT, Dominic & PERRON, Bernard. “In the Frame of the Magic Cycle: The Circle(s) of Gameplay”. In: PERRON, Bernard and WOLF, Mark J. P. The video game theory reader 2. New York: Routledge, 2009. p. 109-132.

ASSIS, Jesus de P. Artes do Videogame: conceitos e técnicas. São Paulo: Alameda, 2007.

FEIL, J. H. & SCATTERGOOD, M. Beginning Game Level Design. Course Technology Press, 2005.

HEATON, Tom. “A Circular Model of Gameplay” In: Gamasutra.com, 2006. Disponível em http://www.gamasutra.com/view/feature/2569 /a_circular_model_of_gameplay.php. [Acessado em 11 de setembro de 2009].

HOWLAND, G. The focus of gameplay. [online] Disponível em: http://www.lupinegames.com/articles/focus_gameplay.html, 1999. [Acessado em 11 Junho 2008].

LINDLEY, C. A; “The gameplay gestalt, narrative, and interactive storytelling”. In: MÄYRÄ, F. (ed.) Proceedings of Computer Games and Digital Cultures Conference. Tampere, Finlândia: Tampere University Press, 2002. Disponível em: http://www.digra.org/dl/db/05164.54179. [Acessado em 25 Novembro 2005].

ROLLINGS, A. & ADAMS, E. Andrew Rollings and Ernest Adams on game design. New Riders Publishing, 2003.

ROLLINGS, A. & MORRIS, D. Game Architecture and Design: a New Edition. New Riders Games, 2003.

SICART, M. Defining Game Mechanics. In: Game Studies, 2008. Disponível em: http://gamestudies.org/0802/articles/sicart. [Acessado em 22 Julho 2009].

 

 

 

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