<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 4 n.2 2008 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


 

Referenciação e interação em blogs 

Reference and interactions in blogs

 

 

Vanda Maria da Silva Elias

Doutora em Língua Portuguesa

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo, Brasil

vanda.elias@gmail.com

 

Rafaela Baracat Ribeiro

Mestranda em Língua Portuguesa

Universidade de São Paulo

São Paulo, Brasil

rafaela.baracat@gmail.com

 

 

 

RESUMO: Neste artigo, analisamos os diários on line ou blogs com o objetivo de verificar como se constitui nesse espaço de escrita digital o processo de referenciação constituído por meio de expressões nominais. Para a análise pretendida, selecionamos, aleatoriamente, blogs produzidos no contexto empresarial e verificamos, nos comentários dos leitores, as expressões nominais utilizadas com a função de retomar referentes construídos na mensagem postada pelo escritor/blogueiro. Os resultados revelaram que os leitores/comentaristas retomam referentes introduzidos na mensagem postada pelo blogueiro e os mantêm ativados no texto, garantindo não só a manutenção temática, como também a progressão do texto/discurso, por meio das formas nominais referenciais que utilizam. A pesquisa reforça o postulado segundo o qual a referenciação é uma atividade discursiva com relevante papel na organização do texto, de modo a contribuir, efetivamente, para a interação e produção de sentido.

 

PALAVRAS-CHAVE: Referenciação; Interação; Blogs.

 

ABSTRACT: In this article we aim to check how the reference phenomenon establishes in on line diaries or blogs. For the intended analysis we randomly selected blogs produced within a corporate context and noticed that in readers’ comments, nominal expressions are used so to retrieve referents settled by the writer/blogger. Results revealed that readers/commentators retrieve in their comments referents introduced in the message the writer/blogger posted, and maintain them activated in the text, so to ensure not just the thematic maintenance, but also the text/speech progression, through the referent nominal forms they use. The survey reinforces the postulate according to which the reference is a significant-role discursive activity in text organization, so to effectively give to sense interaction and production.

 

Keywords: Reference; interaction; blogs. 

 

 

 

Introdução

O presente artigo é resultado de uma pesquisa mais ampla intitulada A escrita digital: hipertexto, leitura e sentido que tem por objetivo conhecer e compreender as configurações textuais existentes na Internet em termos de sua organização, caracterização e funcionalidade, bem como refletir sobre as novas exigências que a produção textual no contexto digital apresenta para escritores e leitores.

 

Justificamos o recorte temático, uma vez que a escrita digital configura-se como um quarto tipo, após a escrita em rolo, em códice e impressa, por se constituir em um novo espaço de escrita – a tela do computador – (cf. Bolter, 1991), exigindo novas habilidades de escrita/leitura e, portanto, um repensar sobre o que anteriormente havia em relação a essas práticas.

 

 É neste espaço de escrita mencionado que se desenvolve a escrita hipertextual, caracterizada pelos traços da não linearidade, virtualidade, interatividade[1]. Dentre as muitas configurações possíveis dessa escrita no contexto digital, uma, particularmente, chama-nos a atenção não só pelas características acima citadas, mas também por pressupor em sua constituição a manifestação dos leitores, sob a forma de comentários.

 

 Trata-se de diários on line também chamados de ciberdiários, webdiários ou weblogs (cf. Lemos, 2002), uma prática de escrita on line cujo grande sucesso se deve, em parte, à facilidade de publicação de textos ou imagens por parte dos usuários.

 

Considerando o grande número de diários produzidos na Internet, bem como a funcionalidade e caracterização desse gênero em contexto digital – em comparação à produção manuscrita ou impressa – com destaque à interação escritor-leitor por meio de comentários, constituímos, dentre as muitas escritas produzidas em contexto digital, o diário on line nosso objeto de estudo, especificamente para atentarmos para a construção de sentido dessa escrita baseada na interação escritor/blogueiro - leitor/comentarista.

 

Partimos do pressuposto de que, para a produção do diário on line, bem como dos comentários que lhes são dirigidos, é preciso que escritor e leitor situem-se em relação ao novo espaço, utilizem-se das ferramentas próprias ao meio, bem como de estratégias sócio-cognitivo-interacionais, tendo em vista o propósito comunicacional. Uma dessas estratégias diz respeito ao uso de expressões nominais para a introdução ou manutenção em foco de referentes construídos no e pelo discurso.

 

De forma mais precisa, perguntamo-nos: i) se o diário on line é uma produção escrita, atualmente, muito praticada na internet; ii) se o diário on line pressupõe a publicização e, conseqüentemente, a leitura por parte de usuários da internet; iii) se o diário on line também pressupõe a manifestação dos leitores por meio dos comentários e se estes lhe são constitutivos, então, como se configura o processo referencial na interação entre blogueiro e comentarista?

 

Para a realização da pesquisa, buscamos os fundamentos da Lingüística Textual, especialmente resultantes de estudos sobre texto como conjunção de fatores lingüísticos, cognitivos e sócio-interacionais, e de referenciação como uma atividade discursiva, bem como recorremos a estudos realizados sobre a escrita na internet, de modo geral, e sobre a escrita de diários on line, de modo particular.

 

A PRODUÇÃO DE DIÁRIOS em contexto digital

 

Carvalho (2001) afirma que o diário on line modificou a natureza dos diários pessoais, uma vez que mudou enfaticamente a relação dos diários com a audiência. Nesse sentido, a autora (2001, p.246) destaca que “o diarismo on line contemporâneo ou como podemos chamar o novíssimo diário é escrito para que a larga audiência possibilitada pela internet possa lê-lo. O caráter privado que acompanha a tradição do diarismo, especialmente de mulheres, desaparece, dando lugar ao diário on line de caráter público”.

 

Assim, Carvalho chama a atenção para o fato de que a passagem do diário manuscrito e impresso para o novíssimo diário ou o diário on line acaba de vez com a tensão público x privado, entendendo-se privado o que é de natureza íntima, pessoal; e público o que se dá a conhecimento público por qualquer meio ou suporte.

 

Ainda sobre isso, a autora postula que a mudança dos diários manuscritos e impressos para a tela do computador gera outras modificações que vão atingir a tradição dessa produção, já que qualquer um que disponha de computador, linha telefônica, software apropriado para elaborar o site e conexão com um provedor de internet pode se transformar em um produtor, e contar com a possibilidade de utilizar ferramentas para medir o grau de interesse dos leitores em relação ao que escreve.

 

Em formato hipertextual, com velocidade de publicização por parte do autor e de acesso por parte do leitor, além do destaque à interação autor-leitor, o diário on line é resultado de uma transmutação: deixa de ser uma escrita de foro íntimo, privada, íntima, solitária e ganha a publicidade própria do ambiente da internet.

 

Segundo estudos realizados por Machado (1998), o diário é um gênero textual específico cujas características vão da atribuição de franqueza pelo locutor ao discurso produzido, em um estilo marcado por uma expressividade particular, por uma atitude pessoal e informal com a realidade, à ausência de preocupação com os procedimentos de textualidade, isto é, com a conexão ou a coesão, o que lhe confere a característica de fragmentado, passando pela criação de um espaço que permite a constituição das subjetividades e o estabelecimento de um contrato de confiança entre produtor e leitor.

 

Ainda para a autora, trata-se de um valioso instrumento para o desenvolvimento geral da capacidade de escrita, funcionando também como um instrumento de ruptura em relação às normas pré-estabelecidas, propiciador, portanto, de comportamentos não desejados pelas instituições e de questionamento sobre os papéis sociais constituídos.

 

Apesar dos diários terem um conteúdo cada vez mais pessoal, gerado pelo isolamento, eles são, ao mesmo tempo, uma manifestação de um grupo, pois

“a finalidade do gênero do discurso blog é a possibilidade de acabamento do outro (no outro), mediante dispositivos eletrônicos como o do comentário, que permitem deixar mensagens para o autor da página” (Komesu, 2005b, p.29, grifo da autora).

 

Essa relação de diálogo é estudada por Komesu também do ponto de vista da influência exercida pelo leitor. Dessa forma, a autora leva em consideração a influência desse co-autor que, no meio digital, tem a possibilidade de expressar-se por meio de comentários.

 

Assim, mais do que a mudança de suporte, o blog representa a construção de uma intimidade com o leitor que, no diário em papel, era desconsiderada. O leitor, no diário digital, assume a posição de legitimador do texto/discurso, já que sua visita é explicitada no contador de acesso ao site e um número alto de visitas confere maior importância ao conteúdo publicado.

 

Para Komesu (2005b), o blog constitui-se, portanto, como uma prática textual/discursiva na sua organização e rede de circulação de seus enunciados, refletindo as relações entre uma atividade de escrita com foco na pessoa que diz e a maneira como é colocada em circulação por meio de um suporte material específico.

 

Essa prática ganhou inúmeros adeptos, sendo, atualmente, realizada por milhões de blogueiros que opinam sobre notícias, acontecimentos, produtos e serviços. A chamada ferramenta de auto-expressão (cf. Komesu, 2005a) tem assumido novas variedades e novas funções que a diferencia do diário no papel, haja vista a existência de blogs pessoais, profissionais, institucionais, jornalísticos participativos. Recentemente, estão em expansão na rede os chamados blogs corporativos, que constituirão o corpus de nosso trabalho, conforme veremos a seguir.

 

A referenciação

 

Recentemente, os estudos realizados no campo da Lingüística Textual têm dado especial relevo à questão da referenciação, entendida como uma “atividade discursiva” (Mondada e Dubois, 2003; Koch, 2002, 2004, 2005; Koch e Marcuschi, 1998; Marcuschi, 2003, 2005) por meio da qual os sujeitos constroem e reconstroem objetos a que fazem referência à medida que o discurso progride.

 

Nessa perspectiva, a referenciação é concebida como “um processo realizado negociadamente no discurso e que resulta na construção de referentes” (Koch e Marcuschi, 1998, p.73), o que, em outras palavras, significa dizer que “as coisas ditas não estão no mundo da maneira como as dizemos aos outros, uma vez que o mundo comunicado é sempre fruto de um agir comunicativo ou de uma ação discursiva e não de uma identificação de realidades discretas, objetivas e estáveis” (Marcuschi, 2007, p.89-90).

 

Ao assumir tal posicionamento, pressupomos que os sujeitos constroem os referentes no e pelo discurso à medida que o discurso progride, bem como os objetos do discurso, uma vez introduzidos, podem ser modificados, desativados, reativados, recategorizados, construindo-se e reconstruindo-se no curso da progressão textual (Apothelóz e Reichler-Béguelin, 1995). É, portanto, por meio de práticas referenciais que os sujeitos, intersubjetivamente, constroem e reconstroem objetos cognitivos e discursivos, levando em conta o contexto na larga acepção atualmente postulada no interior da Lingüística Textual (cf. Koch, 2002).

 

Assim sendo, longe de se centrar no modo pelo qual a informação é transmitida ou ainda no modo pelo qual os estados do mundo são adequadamente representados, a questão atualmente formulada gira em torno do modo pelo qual as atividades humanas, cognitivas e lingüísticas são estruturadas e dão um sentido ao mundo, razão pela qual ganha destaque a noção de referenciação (Mondada e Dubois, 2003).

 

Em decorrência desse deslocamento proposto no quadro atual dos estudos sobre o fenômeno da referenciação, preconiza-se a instabilidade, a variabilidade e a flexibilidade das categorias, construídas discursivamente e, por conseguinte, o princípio segundo o qual as categorizações são processos resultantes das atividades intersubjetivas cuja estabilidade está relacionada a discursos e procedimentos sociais, culturais e históricos.

 

De um ponto de vista lingüístico, Mondada e Dubois afirmam que a variação e a concorrência categorial podem ocorrer, quando, por exemplo, uma cena é vista de diferentes perspectivas, exigindo competência do locutor para nomear uma variedade de novos objetos em situações novas, numa clássica demonstração de que o discurso aponta explicitamente para a não-correspondência entre as palavras e as coisas.

 

Nesse processo, existe um ajustamento das palavras, porém esse ajuste não se faz diretamente em relação ao referente dentro do mundo, mas, sim, em relação ao quadro contextual, a fim de construir o objeto de discurso ao curso do próprio processo de referenciação (Mondada, 1994).

Retomando as palavras de Mondada e Dubois (2003, p.33-34)

 

não se pode mais considerar nem que a palavra ou a categoria adequada é decidida a priori no mundo, anteriormente a sua enunciação, nem que o locutor é um locutor ideal que está simplesmente tentando buscar a palavra adequada dentro de um estoque lexical. Ao contrário, o processo de produção das seqüências de descritores em tempo real ajusta constantemente as seleções lexicais a um mundo contínuo, que não preexiste como tal, mas cujos objetos emergem enquanto entidades discretas ao longo do tempo de enunciação em que fazem a referência. O ato de enunciação representa o contexto e as versões intersubjetivas do mundo adequadas a este contexto.

 

Tendo-se em vista o caráter dinâmico dos objetos-de-discurso, enfatizamos, como o faz Koch (2002), que os referentes se constituem discursivamente por meio dos princípios de ativação, que consiste na introdução de um referente textual de forma ancorada ou não ancorada; reativação, que consiste na retomada do referente textual por meio de uma nova forma referencial, mantendo, contudo, a focalização; e desativação, que consiste no deslocamento da atenção para um outro referente textual, deixando o anterior em stand by. 

 

Esses princípios fazem-nos pensar que, na multilinearidade do texto, os referentes passam de uma posição de centramento ou de focalização a uma posição de acentramento ou de desfocalização, movimento que, ciclicamente, garante a progressão textual. Por conseguinte, a referenciação pode ser vista como um jogo cujos referentes se entrelaçam e podem nos levar a diversos outros apontados ou apenas sugeridos no universo textual para cuja identificação se solicita do interlocutor que mobilize conhecimentos de diversos tipos e recorra a processos cognitivos inferenciais.

 

Em outras palavras, a referência a indivíduos, fatos, eventos, ações, fenômenos, estados e coisas do mundo é feita de forma negociada, levando em conta que o sujeito que diz se empenha não tão somente em dizer algo, mas também e, principalmente, fazê-lo de forma a se fazer entender, atividade para a qual concorrem os conhecimentos que possui sobre os interlocutores (Quem são? Onde vivem? Que conhecimentos são pressupostos como compartilhados?); a situação de comunicação (Dizer o quê? Para quem? Para quê? De que modo?), as coisas do mundo, o uso da língua, enfim.    

 

Situados nessa perspectiva, sustentamos que as formas são sinalizações para a produção de sentido, uma vez que o sentido só é perceptível através de formas e, assim sendo, “toda forma remete a sentido, todo sentido remete a forma, numa relação de solidariedade recíproca”, conforme postula Charaudeau (2006, p.41). Nesse quadro marcado pela idéia de associação entre forma e sentido, o sentido não preexiste ao texto (Koch e Elias, 2006) ou, em outras palavras, “o sentido nunca é dado antecipadamente, mas construído pela ação linguageira do homem em situação de troca social” (Charaudeau, 2006, p.41).

 

Interação em blogs: o processo referencial em destaque

 

Para análise do processo referencial e interação na produção escrita de diários on line, foram selecionados, a título de exemplificação, dois blogs corporativos, a saber: DoceShop e Camiseteria.

 

Os blogs corporativos ou voltados para negócios, além de explorar diretamente as relações com o público, podem beneficiar a comunicação de marketing, a comunicação interna nos processos operacionais e o suporte técnico ao cliente, com o objetivo de encurtar distâncias entre funcionários e presidente ou apresentar uma nova imagem da empresa no mercado. Neles será possível o leitor interagir com sugestões e espalhar as novidades em primeira mão, como também utilizar a ferramenta, que é de fácil manutenção e atualização, na gestão de relacionamento com os clientes, por exemplo, sobre o funcionamento correto de um produto, ou ainda no compartilhamento de informações entre os funcionários, gerando rapidez e aumento da produtividade, pois a troca de informações, segundo Cipriani (2006, p.60) “é mais efetiva que o uso de e-mails, porque nos blogs você centraliza e mantém as informações acessíveis para outras áreas da empresa”.

 

Taylor (2004) afirma que tem surgido no mercado um número crescente de organizações dos setores público e privado que vem reconhecendo o potencial da tecnologia para fins de centralização de comunicações, redução da sobrecarga de e-mails e melhora na cooperação, embora alguns blogs estejam sendo criados como uma brincadeira de funcionários, com ou sem autorização da empresa.

 

Do ponto de vista dos consumidores, estes, por poderem se expressar com liberdade, possuem um grande poder de alcance e participação tanto para elogiar, tirar dúvidas, quanto para ameaçar os negócios, já que as reclamações ficam registradas na Internet. Segundo Guimarães (2006), na reportagem Os blogs vão mudar seus negócios, da revista Exame, mais da metade dos blogs mais influentes do planeta publica pelo menos um comentário semanal sobre empresas, seus funcionários ou produtos.

 

Cipriani (2006) aponta que é recente o uso de blogs em empresas e estas ainda estão descobrindo o poder e os benefícios que eles podem oferecer. No Brasil, os blogs corporativos estão começando por meio de campanhas de marketing. Alguns acreditam que o uso dessa ferramenta inovadora será tão comum aos executivos como o uso de e-mails. Atualmente, ainda é pequeno o número de grandes empresas, nacional ou multinacional, no país, que aderiram à ferramenta, se comparado ao número de blogs corporativos existentes nos Estados Unidos, onde há uma lista dos cinqüenta melhores[2]. No Brasil, são microempreendedores e pequenas empresas autônomas, em sua maioria, que utilizam a ferramenta como um canal entre a empresa, o mercado e o cliente[3].

 

Escolhemos analisar blogs corporativos devido ao interesse de conhecer e compreender essa modalidade de escrita digital que vem, a cada dia, ganhando adeptos no meio empresarial e cuja função se diferencia de blogs de caráter íntimo ou pessoal.

Nessa atual produção de diários on line, devem ser levados em conta no processo de escrita/leitura e produção de sentido, os recursos lingüísticos utilizados pelo escritor/diarista e comentarista. Dentre esses recursos, destacamos as expressões nominais referenciais como importantes pistas lingüísticas que, por suas várias funções, operam a retomada de referentes construídos no texto do blogueiro, contribuindo para a manutenção do tema e a progressão do texto no processo interacional.

 

Assim sendo, de cada um dos blogs, foram selecionados textos postados por blogueiros e respectivos comentários dos leitores, a fim de verificar, no processo de interação blogueiro – comentarista, as formas nominais referenciais. De modo mais específico, analisaremos como referentes ou objetos-de-discurso introduzidos em mensagens postadas pelos blogueiros são retomados em comentários de leitores por meio de expressões nominais referenciais, de modo a contribuir para a construção de sentido.

 

Análise

 

Conforme enunciamos anteriormente, selecionamos, a título de exemplificação, o blog da DoceShop e o da Camiseteria com respectivos comentários para análise do fenômeno da referenciação. 

 

O exemplo 1 é composto por uma mensagem postada pelo blogueiro no blog da DoceShop[4] e por dois comentários dos leitores em resposta à mensagem postada.

 

Comentário 1.1

Comentário 1.2

Exemplo 1: Blog DoceShop

(Disponível em http://www.doceshop.com.br/blog/?p=64)

 

No comentário 1.1, de forma destacada, verificamos que o comentarista faz três retomadas a referentes introduzidos no texto do blogueiro. As expressões “pirulicóptero” e “um exemplar”, presentes no texto do comentarista, retomam os referentes “doces antigos” e “esse pirulito” / “o pirulicóptero” construídos no texto do blogueiro, conforme podemos verificar no trecho: “Pois é. Toda vez que falo sobre doces antigos esse pirulito entra na conversa (...) Estou falando do Pirulicóptero, você lembra dele?”.

 

Além disso, o comentarista, por meio da expressão nominal “uma recompensa de doces”, retoma o referente “uma deliciosa recompensa surpresa” construído pelo blogueiro no trecho “para quem tiver uma indicação que culmine em um fornecedor tem uma deliciosa recompensa surpresa”.

 

Por sua vez, no comentário 1.2, verificamos que o comentarista faz três retomadas a referentes introduzidos no texto do blogueiro. Por meio das formas nominais referenciais “uma recompensa”, “a pista” e “o pirulicóptero”, respectivamente, o comentarista retoma os referentes “uma deliciosa recompensa surpresa”, “uma indicação” e “doces antigos/ esse pirulito/ o pirulicóptero”, introduzidos no seguinte trecho da mensagem postada pelo blogueiro: “Pois é. Toda vez que falo sobre doces antigos esse pirulito entra na conversa (...) Estou falando do Pirulicóptero, você lembra dele? (...) para quem tiver uma indição [sic] que culmine em um fornecedor tem uma deliciosa recompensa surpresa”.

 

O exemplo 2 é composto por uma mensagem postada pelo blogueiro no blog da Camiseteria[5] e por quatro comentários dos leitores em resposta à mensagem postada.

 

 

Comentário 2.1

Comentário 2.2

Comentário 2.3

Comentário 2.4

Exemplo 2: Blog Camiseteria

(Disponível em http://www.camiseteria.com/blogpost.aspx?bid=1248)

 

No comentário 2.1, verificamos que o comentarista faz duas retomadas a referentes introduzidos no texto do blogueiro.

No trecho “Eu voto para a extinção do perfil oculto. Mas totalmente contra a extinção desse animal tão dócil e pescoçudo”, o comentarista, por meio das expressões nominais “o perfil oculto” e “esse animal tão dócil e pescoçudo”, retoma, respectivamente, os referentes “a função ‘ocultar perfil’” e “as girafinhas”, introduzidos na mensagem do blogueiro no seguinte trecho: “De uns tempos pra cá a gente vem pensando sobre a real utilidade da função ‘ocultar perfil’ no Camiseteria. O site tem se tornado cada vez mais participativo e a função acaba impedindo que alguns usuários não aproveitem o que há de bom por aqui (...) A palavra final é sempre de vocês. O que vocês acham da extinção das girafinhas no Camiseteria?”.

 

No tocante ao comentário 2.2, podemos verificar que o comentarista faz apenas uma retomada a referentes introduzidos no texto do blogueiro. 

Sendo contra a desativação da função ocultar perfil, o comentarista, por meio da expressão nominal “as bichinhas”, retoma o referente “as girafinhas”, construído no post do blogueiro no seguinte trecho: “A palavra final é sempre de vocês. O que vocês acham da extinção das girafinhas no Camiseteria?”

 

Voltando-nos para a análise do comentário 2.3, destacamos que o comentarista faz duas retomadas a referentes introduzidos no texto do blogueiro.

Primeiro, no trecho “voto no cancelamento de perfis ocultos”, o comentarista, por meio da expressão nominal “o cancelamento de perfis ocultos”, faz remissão ao fato colocado na mensagem do blogueiro em relação à questão de se desativar a função ocultar perfil do usuário, presente no seguinte trecho: “De uns tempos pra cá a gente vem pensando sobre a real utilidade da função ‘ocultar perfil’ no Camiseteria. O site tem se tornado cada vez mais participativo e a função acaba impedindo que alguns usuários não aproveitem o que há de bom por aqui”.

Em seguida, no trecho “agora não mates nossas amiguinhas vai!!!”, o comentarista, por meio da expressão nominal “nossas amiguinhas”, retoma o referente “as girafinhas”, introduzido no post do blogueiro no seguinte trecho:  “O que vocês acham da extinção das girafinhas no Camiseteria?”

 

Finalmente, no comentário 2.4, chamamos a atenção para o fato de que o comentarista faz duas retomadas a referentes introduzidos no texto do blogueiro.

Primeiro, o comentarista, por meio da expressão nominal “esse negócio de perfil oculto”, retoma a forma nominal referencial “a função ‘ocultar perfil”, introduzida na mensagem do blogueiro, presente no seguinte trecho: “De uns tempos pra cá a gente vem pensando sobre a real utilidade da função ‘ocultar perfil’ no Camiseteria”.

Em seguida, o comentarista, por meio da expressão nominal “a opção de bloquear scraps”, faz remissão a um conjunto de informações presentes na mensagem do blogueiro no seguinte trecho: “Acho que a mudança deve vir acompanhada de outras funções que mantenham a privacidade dos usuários, como ‘não quero receber scraps’ ou algo do gênero”.

 

Segundo a análise empreendida, podemos afirmar que os comentaristas retomam referentes introduzidos no discurso do blogueiro e os mantêm ativados no texto, garantindo não só a manutenção temática, como também a progressão do texto/discurso, de modo a contribuir para a interação e produção de sentido.

 

Considerações finais

 

Em nosso artigo, tivemos por objetivo analisar a referenciação construída no processo de escrita/leitura de blogs.

 

Escolhemos analisar o diário digital, em especial, aquele produzido em contexto empresarial (o blog corporativo), porque se trata de uma prática comunicativa que vem ganhando grande número de adeptos na atualidade e, principalmente, que pressupõe a participação do leitor por meio de comentários às mensagens postadas, de modo a evidenciar a participação do outro no processo mesmo de sua composição.

 

Esse traço característico do diário on line, que o diferencia do diário no papel, despertou o nosso interesse para a análise da interação blogueiro – comentarista. Considerando que os leitores, ao comentarem o texto do blogueiro, devem fazer remissão ao que foi tratado e que, nesse processo, ganha especial destaque a questão da referenciação, analisamos as expressões nominais presentes nos comentários dos leitores que retomam referentes construídos no texto do blogueiro, em um processo de interação e produção de sentido.  

 

Os resultados da análise indicaram que, no curso da interação blogueiro – comentarista: i) referentes construídos na mensagem postada pelo blogueiro são retomados nos comentários dos leitores; ii) as retomadas, por meio de expressões nominais, feitas nos comentários dos leitores garantem a manutenção do(s) referente(s) construído(s) pelo blogueiro em uma demonstração de que os sujeitos leitores/comentaristas não só estão atentos ao tópico enunciado pelo escritor/blogueiro, como também o mantém em foco, de forma direta ou indireta, por meio das formas nominais referenciais que utilizam.

 

Enfatizamos, contudo, que não foi nossa pretensão realizar uma análise exaustiva das formas nominais referenciais constituídas na interação blogueiros e comentaristas nos blogs selecionados, haja vista a complexidade do fenômeno da referenciação, conforme apontam os recentes estudos sobre o tema. Considerando que não se trata apenas de um processo de retomada de referentes, mas, sim, de um processo que exige do leitor uma série de estratégias – seleção, verificação, inferência, levantamento de hipóteses – para construção do objeto-de-discurso, acreditamos ter atingido o nosso propósito, a saber: analisar o processo de referenciação em blogs, e, conseqüentemente, o processo de interação e produção de sentido.

 

Esperamos que a pesquisa possa contribuir para a compreensão do fenômeno da referenciação na escrita/leitura dos blogs, em especial, daqueles produzidos no contexto da empresa, já que estes são vistos como uma nova forma de divulgar novidades e produtos da empresa e de favorecer a proximidade com clientes, funcionários e o público em geral.

 

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TAYLOR, Paul. Corporações adotam blog para comunicação interna. Revista digital, n.262, 15 jul. 2004. Disponível em:  http://www.revistadigital.com.br/tendencias.asp?NumEdicao=262&CodMateria=2183. Acesso em: 11 dez. 2006.

 

 

  

 

 

<REVISTA TEXTO DIGITAL>

 

 




[1] Referimo-nos, aqui, às características apresentadas por Marcuschi (2001) em relação à escrita hipertextual. O autor, baseado nas idéias de Theodor Nelson, define hipertexto como:

uma escritura eletrônica não-seqüencial e não-linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Assim o leitor tem condições de definir interativamente o fluxo de sua leitura a partir de assuntos tratados no texto sem se prender a uma seqüência fixa ou a tópicos estabelecidos por um autor. Trata-se de uma forma de estruturação textual que faz do leitor simultaneamente co-autor do texto final. O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multiseqüencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. (p.86)

[4] A DoceShop é uma empresa que trabalha com atacado e varejo de doces, vendendo seus produtos por meio de máquinas de conveniências instaladas em lugares com grande circulação de pessoas, bem como por meio da internet, desde a criação do blog.

[5] A Camiseteria comercializa camisetas na Internet, cujas estampas podem ser enviadas por qualquer internauta interessado. Pelo blog, são eleitos os melhores desenhos para estampá-los nas coleções. Tal fato atraiu a atenção dos consumidores e levou os empresários a tirar proveito das informações fornecidas pelos internautas, favorecendo a comercialização de seus produtos.