<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 4 n.2 2008 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


 

DO IMPRESSO À CIBERPUBLICIDADE: OS PERCURSOS DO LEITOR NO ADVENTO DO PÓS-HUMANO

FROM PRINT TO WEB ADVERTISING: THE READER’S PATHWAYS IN THE ADVENT OF POST-HUMAN

 

 

Ivandilson Costa

Mestre em Lingüística

Universidade Federal de Pernambuco

Recife, Brasil

ivandilsoncosta@uern.br

 

 

 

RESUMO: Neste trabalho procuramos investigar elementos da chamada ciberpublicidade e sua relação com os diferentes perfis cognitivos de leitor, levando em conta a nova realidade interacional de navegação no hipertexto. Para isso, examinamos, como contraponto, características estruturais e funcionais da publicidade impressa. Faremos ainda, uma resenha dos principais pressupostos que envolvem a discussão entre linguagem, texto, leitura e espaços virtuais de interação.

 

PALAVRAS-CHAVE: Hipertexto; Leitura; Ciberpublicidade.

 

ABSTRACT: This paper aims at investigating the elements of advertising on internet and its relationship with the different cognitive profile of the readers, taking into consideration the new interactional reality of the hypertext. Thus, we exam the structural as well as functional characteristics of written advertising. At the sametime we will make a review of the main principles which involve the discussion of language, text, reading and ciber spaces of interaction.

 

Keywords: Hypertext; Reading; Web advertising.

 

 

 

0. Inicializando

 

O texto publicitário tem incitado pesquisadores do âmbito dos estudos da linguagem, dadas suas características de exploração e criatividade de usos lingüísticos. No âmbito da leitura, tal foco se faz ainda mais acurado, principalmente no que tange ao aspecto da interação texto/leitor, considerando-se papéis definidores do gênero do discurso e da própria relação entre oralidade e letramento.

 

Foi Santaella (2004) quem se preocupou em traçar um tríplice perfil, caracterizando os diferentes tipos de leitores e pondo como urgente a necessidade de se dilatar o próprio conceito de leitura. Para tanto, deve-se passar do leitor do livro para o leitor da imagem e deste para o das formas multissemióticas e dos diversos processos de linguagem.

 

De certo modo, a publicidade se apresenta como um consistente objeto para a análise desses papéis, uma vez que testemunha a própria transição entre dois dos contextos favoráveis ao desenvolvimento de dois desses tipos de leitores. Foi, por conseguinte, cenário para a configuração do leitor movente, por, já na sua fase impressa, apresentar uma configuração sígnica propícia ao dinâmico, ao híbrido, criando uma ponte para a consolidação do leitor de perfil imersivo, fato que se consubstancia com o advento da chamada ciberpublicidade, com seus caracteres peculiares que a situam no campo recentemente analisado da virtualidade e da construção hipertextual.

 

1. Publicidade impressa e relações texto/leitor

 

Recorrendo às ciências da linguagem para analisar grande número de slogans publicitários, Grunig (1991) evidencia os recursos lingüísticos sobre os quais se apóiam os publicitários para chamar a atenção, incitar desejos, suscitar a memorização de uma marca.

 

Chamando a atenção para regularidades formais como as repetições de sons, os termos ambíguos, os efeitos dos paralelismos, as simetrias ou as rupturas, a subversão de formas fixas, a valorização de certas estruturas morfo-sintáticas, aquela autora mostra que os slogans põem sutilmente em aberto – quer para respeitá-las, quer para violá-las – algumas das mais rígidas leis da linguagem.

 

O mundo da publicidade, portanto, preocupa-se em explorar ao máximo todas as possibilidades que lhe oferece a linguagem, pela recorrência à siglagem, às abreviaturas, às construções sintáticas inabituais, à perda da rigidez de emprego de certas formas verbais, aos jogos de palavras.

 

Um aspecto bastante relevante relacionado à linguagem publicitária vem sendo investigado por Sells e Gonzalez (2003), a saber, a questão do layout do texto publicitário impresso. Nesse campo, uma atenção é destinada à função de vários aspectos relacionados à manutenção de figuras humanas na peça publicitária. Também são considerados elementos ligados à perspectivação das imagens e sua implicação com as formas de poder nas relações interpessoais publicidade/leitor.

 

Na publicidade, figuras humanas são utilizadas para o estabelecimento de uma espécie de relação entre a imagem e o público/leitor/consumidor potencial, quando do uso de propriedades como as dimensões de enquadramento ou a direção do olhar. 

 

Sells e Gonzalez (2003) postulam que, na publicidade impressa, em que pese o fato de as figuras humanas (human participants) nos serem estranhas, através de recursos de enquadramento e direção do olhar, elas estabelecem uma espécie de relacionamento que diz respeito a várias possibilidades de distância/proximidade social. Assim, por exemplo, a distância entre o sujeito focalizado e a câmera, também chamada dimensão de enquadramento (size of frame), pode sugerir um grau maior ou menor de intimidade entre os participantes – leitor e pessoa observada – numa escala que vai de um grau máximo a um mínimo.

 

Uma vez que as relações sociais são influenciadas pela distância entre os interlocutores, as dimensões de enquadramento correspondem a diferentes níveis de intimidade social, constituindo um forte fator decisivo no estabelecimento dos mecanismos argumentativos do texto publicitário.

 

O close-up extremo sugere um grau de intimidade maior entre aquele que vê e a figura vista, num procedimento de interação mais pessoal, ao passo que o recurso do medium long shot sugere tão somente uma observação, num nível maior de formalidade, e no recurso medium close shot tem-se um grau de engajamento pessoal intermediário.

 

Em outro âmbito, na publicidade impressa, as figuras humanas podem ser divididas em duas categorias: aquelas que olham incisivamente para a câmera – e, conseqüentemente para o leitor/interlocutor – e outras que, ao contrário, se deixam olhar. Isso leva a dois tipos de focalização, um olhar de “demanda” (demand gaze), e um olhar de oferta (offer gaze). No primeiro caso, um determinado contato é estabelecido entre a figura do quadro publicitário e o leitor, exercendo uma relação mais íntima e de cumplicidade. A pessoa do fotograma endereça um olhar ao leitor convocando-o. Já no outro caso, há uma relação de olhar indireta. O leitor deixa de ser objeto para passar a sujeito levando a um grau de menor familiaridade e intimidade entre os interlocutores        

 

Se num primeiro caso, temos uma figura humana que representa, junto com o leitor, uma relação “eu-você”, no outro, essa relação é desfeita pela reificação da pessoa do quadro que passa a um mero “ele/ela”.

 

Do ponto de vista da organização dinâmica das imagens, especialmente quanto à perspectiva, temos as noções de ângulo horizontal e ângulo vertical. Sob o primeiro, temos um ângulo frontal, segundo o qual a figura humana do quadro parece nos dizer “olhe esta cena em que eu estou envolvido”; há ainda um ângulo horizontal oblíquo, no qual a figura humana nos diria “olhe esta cena que eu estou observando”. Para esses casos é possível enxergar uma relação de envolvimento entre os participantes se, junto com Sells e Gonzalez (2003) atentarmos para o fato de que, pelo ângulo frontal a figura humana parece nos dizer “o que você vê aqui é parte de nosso mundo, algo no qual estamos envolvidos”. Já sob o ângulo oblíquo nos seria dito, “o que você vê aqui não faz parte de nosso mundo, este é o mundo deles, algo com o qual não estamos envolvidos”.

  

Do ponto de vista da perspectiva vertical, podemos considerar três ângulos distintos: aquele pelo qual figuras humanas são vistas do alto (high angle), exercendo o leitor uma posição de poder sobre o elemento visualizado; o ângulo em que há uma visão de baixo para cima (low angle), tendo a figura, ao contrário, um status de poder em relação ao observador/leitor; e um terceiro, em que figuras são vistas ao nível dos olhos (eye level), havendo uma relação de poder eqüipolente.

 

Santaella (2004) investiga essa relação entre o texto publicitário e o assim chamado leitor movente, situando-o enquanto aquele “do mundo em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor que é filho da revolução industrial e do aparecimento dos grandes centros urbanos: o homem na multidão” (SANTAELLA, 2004, p.19). Aliás, acerca do próprio surgimento da publicidade, na sociedade moderna, a autora assim se reporta: “filha dileta de um mundo que transformou tudo em mercadoria. Para a oferta de produtos em lojas, bazares e galerias, a cidade começou a ser povoada de imagens. Isso só se tornou possível graças à reprodutibilidade técnica, inaugurada pelas técnicas de impressão e pela fotografia, que dilata a visão humana, devolvendo ao mundo cenas, paisagens, lugares, pessoas, que são duplos dele mesmo” (SANTAELLA, 2004, p.27).

  

Não gratuitamente, é no âmbito do fazer publicitário que a imagem ganha corpo, em sua função de cumprimento do propósito sócio-comunicativo do gênero publicitário, e enquanto se apresentando como próprio objeto de consumo (SANTAELLA, 2004, p.28):

 

Com a publicidade, nova forma de comunicação pública, foi se dando a proliferação abundante de imagens e mensagens visuais, em um mundo de produtos à venda, expostos ao desejo que nasce no olhar, mundo no qual tudo vira mercadoria, até as próprias imagens que são feitas para vender mercadorias. A vida cotidiana passou a ser um espectro visual, um desfile de aparências fugidias, um jogo de imagens que hipnotizam e seduzem. As imagens são, assim, espécies de anúncios e síntese das construções de seu tempo: imagens que fascinam e prendem a visão para, logo em seguida, morrer prematuramente ao serem substituídas por outras imagens. Com isso, as imagens, além de ajudarem a vender mercadorias, elas mesmas também se transformam em mercadorias.

 

     Assim, tal leitor movente, possuidor da característica de sincronizado à aceleração do mundo, sendo um leitor de formas, volumes, ícones, vetores, traços, luzes oscilantes, cores, acaba por ser aquele que prepara o ambiente para um outro leitor que há de vir, direcionado a uma nova arquitetura não-linear, do espaço virtual, espaço próprio de funcionamento do que vimos chamar aqui de ciberpublicidade, conforme trataremos adiante.

 

2. A ciberpublicidade: o leitor imersivo no advento do pós-humano

 

A passagem de foco da publicidade impressa para a ciberpublicidade nos permite observar o comportamento de leitura ancorado numa nova circunstância, qual seja a do ambiente virtual. Gonçalves (1999) aponta esse novo espaço como o campo próprio da interatividade, em que o texto “ganha novos aspectos e apresenta-se fragmentado, solto, de forma a ser 'acessado' conforme o interesse do interlocutor, que sempre é chamado a completar a informação, a interagir e a produzir a mensagem que se encontra subjacente ao contexto enunciado”.

 

Dá-se lugar a um suporte lingüístico-semiótico utilizado com o fim precípuo de estabelecer interações desterritorializadas. É possível situar, nesse contexto, a ciberpublicidade num conjunto de características que permeiam o próprio hipertexto, conforme quiseram Koch (2001) e Xavier (2002):

a) não-linearidade, por não obedecer a uma linha vetorial convencional, já ensaiada na publicidade impressa, como vimos, mas posta à quintessência no ambiente virtual;

b) volatilidade, relativa ao caráter virtual do suporte;

c) espacialidade topográfica, por se tratar de um espaço de escritura/leitura sem limites definidos, não-hierárquico;

d) fragmentabilidade, isto é, como algo destituído de centro regulador imanente;

e) multissemiose, relacionando uma multiplicidade de aportes sígnicos e sensoriais numa mesma superfície de leitura (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas, efeitos luminosos, tabelas tridimensionais);

f) interatividade, resultado da relação do leitor com uma multiplicidade de autores em superposição em tempo real;

g) iteratividade, conseqüência da natureza altamente polifônica e intertextual;

h) descentração, relativa ao deslocamento indefinido de tópicos.

    

Em seus mais diversos formatos, a ciberpublicidade guarda aspectos como posicionamento na página (homepage ou “interna”), com maior ou menor exposição; versatilidade quanto à interação com o leitor, proporcionando um número maior ou menor de cliques e intervenções e se apresentando com maior ou menor poder de atratividade e visibilidade; o fato de permitir/envolver um número variado de tecnologias, lidando com os mais sortidos tipos de arquivos (.gif, .swf, flash, beta); o modo de oferecer maior ou menor flexibilidade, pelo fato de permitir criação de quaisquer formatos e efeitos.

 

É, nesse âmbito, Gonçalves (1999) quem pondera a questão da relação da ciberpublicidade com a interação e a linguagem ao afirmar em três tópicos:

 

O avanço da tecnologia na área da comunicação determina que, sob certas condições, a linguagem publicitária assimile características de uma nova maneira de o homem recortar e reproduzir os elementos do universo no qual se insere; a publicidade possui um texto sui-generis, um conjunto significativo que extrapola a linearidade, marcado pela interação entre os elementos lingüísticos e os demais signos, condição incentivada e encorajada pela sociedade tecnológica e pelos recursos disponíveis para a composição da mensagem; a atividade do redator publicitário está agregada, cada vez mais, ao conjunto criativo. O instrumental tecnológico facilita ou promove este vínculo de tal forma que o texto lingüístico só tem sentido quando se consideram os elementos circunstanciais da mensagem.

 

Podemos, nesse contexto, junto com Babo (2004, p.105), situar o fazer textual característico da ciberpublicidade, em sua alta interatividade, à própria reconsideração das relações entre fala e escrita: “A escrita digitalizada, em ambiente de ligação em rede, goza da mesma prerrogativa da fala, isto é, do estatuto do direto, do atual, do simultâneo, do efêmero, simulando assim a natureza presencial da voz. A internet baseia-se sobretudo neste caráter dialogal, reticular e simultâneo da comunicação, arrastando a escrita nesse movimento”.

 

Mas, é mesmo Levy (1996), para quem o próprio ato de ler passa por uma dada virtualização, uma vez que o sentido não preexiste à leitura, quem propõe, para o âmbito da questão, as funções de hierarquizar e selecionar áreas de sentido, bem como criar ligações entre estas, além de efetivar as várias interconexões com outros documentos. E reforça (LEVY, 1996, p.40):

 

Um hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário. (...) A maior parte dos programas são máquinas de exibir (realizar) mensagens (textos, imagens etc.) a partir de um dispositivo computacional que determina um universo de possíveis. (...) seguindo estritamente o vocabulário filosófico, não se deveria falar de imagens virtuais para qualificar as imagens digitais, mas de imagens possíveis sendo exibidas.

 

Para o que acrescenta (LEVY, 1996: 41): “a tela informática é uma nova 'máquina de ler', o lugar onde uma reserva de informação possível vem se realizar por seleção, aqui e agora, para um leitor particular. Toda leitura em computador é uma edição, uma montagem singular”.

 

Uma visão mais enfática, não obstante, da revelação desse novo tipo de leitor, inserido numa nova realidade tal como a que se lhe apresenta pelos textos ciberpublicitários, temos em Santaella (2004), quando esta traça, sob o ponto de vista das peculiaridades cognitivas que limitam este leitor imersivo de seus ancestrais, movente e contemplativo. Para a autora (SANTAELLA, 2004: 34), “a navegação interativa entre nós e nexos pelos roteiros alineares do ciberespaço envolve transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que trazem consequências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental”. É, de certo modo, este o percurso adotado pelo próprio Chartier (2002), quando aponta que:

 

O fluxo seqüencial do texto na tela, a continuidade que é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a possibilidade  para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler.

 

E é ainda Santaella (2004, p.35) quem aponta, no caminho das transformações de ordem cognitiva, que se devem operar ações baseadas em “(a) tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da decodificação ágil de sinais e rotas semióticas; (b) de comportamentos e decisões cognitivas alicerçadas em operações inferenciais, métodos de busca e de solução de problemas”. Para, posteriormente, enfatizar:

 

Quando o usuário “pilota” o computador, esteja ele transitando por um CD-Rom ou nas redes, ele está sempre dentro de um espaço informacional, um ambiente de signos híbridos no qual imagens, gráficos, desenhos, figuras, palavras, textos, sons e mesmo vídeos misturam-se na constituição de uma metamídia complexa (...) O usuário-operador tem de interagir com o que vê, mediante as escolhas do que vê. Ele não pode simplesmente olhar para o que se apresenta na tela sem agir. É essa interação que está implícita no verbo “navegar”.

 

Mais adiante, a autora advoga em favor de um certa competência semiótica para o leitor de textos como o da ciberpublicidade. Isto baseado numa dada “alfabetização na linguagem hipermidiática” (SANTAELLA, 2004, p.145), sem o que o usuário-leitor não acompanharia a versatilidade das interfaces povoadas de multiplicidade sígnicas para, assim, compreender suas negociações interativas. Concorreriam, aqui, toda uma prontidão perceptiva, aliada a um conjunto de agilidade inferencial dos tipos abdutivo, indutivo e até mesmo dedutivo, responsáveis por operações de adivinhação, de seguimento de pistas e previsão, respectivamente.

 

Em Santaella (2003), temos um panorama de como se tem estabelecido um corpo híbrido entre o orgânico e o maquínico que leva à constatação de que o ser humano está imerso em uma era pós-biológica, pós-humana. A esse corpo, ainda sob incógnita, a autora adota a denominação de corpo biocibernético.

 

Embora não prometa exaustão, a autora faz um importante apanhado de algumas referências que têm se ocupado das interfaces do corpo-mente e suas virtualizações e que têm, nesse percurso, discorrido para a construção da rubrica “pós-humano”. Aqui, importante é a exposição das idéias de Peperell (1995 apud SANTAELLA, 2003, p. 192), para quem o termo pós-humano não só aponta para o fato de que o ser humano vem passando por substanciais transformações, como também para a convergência organismos/tecnologias, cujo hibridismo se encaminha para uma indissociabilidade.

 

Sob esse pano de fundo, dadas tecnologias assim chamadas pós-humanas teriam emergido: realidade virtual, idéia fundada, dentre outras, na ilusão de estar dentro de uma cena gerada pelo computador; a rede das redes, infinidade de metros quadrados de redes telefônicas interconectadas que envolvem todo o planeta; protética e nanotecnologia, desenvolvimento de partes artificiais para o corpo, por um lado e, por outro, de uma miniaturização crescente de tecnologia com fins de levar a máquina a atingir a autonomia; redes neurais, dadas pela construção de tecnologia, a partir da concepção de cérebro como matriz de neurônios interconectados, para se construir sistemas computacionais hábeis para aprender com a experiência; manipulação genética, conjunto de procedimentos que partem do fato de que o DNA, sendo uma molécula complexa que guarda toda informação sobre como se desenvolvem, se comportam e morrem os organismos, é passível de ser manipulada; vida artificial, estudos relacionados a como a criação de sistemas criados pelo homem podem simular características de organismos vivos.

 

Em seguida, Santaella (2003, p. 200) reflete sobre as possibilidades plurais de “descorporificação, recorporificação e novas expansões não-carnais da mente”, para o que propõe uma classificação das novas realidades do corpo: o corpo remodelado, o corpo protético, o corpo esquadrinhado,o corpo plugado, o corpo simulado, o corpo digitalizado, o corpo molecular.

 

O corpo humano, por conseguinte, está, no dizer de Santaella (2003, p. 207), sob interrogação, apontando para uma profunda crise de subjetividade por que estamos passando, subjetividade cuja ilusão de estabilidade tem sido sistematicamente perdida com o advento das novas tecnologias.

 

3. Fazendo logout: balanço e observações finais

 

A publicidade guarda, na sua realidade impressa, uma relação texto/leitor para além de uma recepção passiva de informações. Com sua configuração de formas, cores, vetores, ângulo, disposição de figuras, enquadres o texto mantém uma relação de aproximação, intimidade, afastamento, envolvimento, negociação. Esta realidade parece se ancorar naquilo que foi definido como o perfil do leitor movente, marca não só de uma peculiaridade do gênero discursivo, mas, sobretudo, de seu tempo, assinalado pela conjuntura de um mundo moderno, com suas luzes, cores, formas, velocidade, relações comerciais.

 

Tal fato foi já apontado como um ponto de transição necessária para o surgimento de um outro perfil de leitor, o imersivo, cujas características cognitivas se comportam em acordo com as novas exigências de configuração e interatividade dos ambientes virtuais e hipertextuais.

 

A ciberpublicidade se apresenta nesse novo contexto como uma forma de consolidar ainda mais a caracterização desse leitor que atua nessa nova “arquitetura líquida” do espaço virtual. E, com isso, exerce seu papel em um novo contexto que se descortina, no qual passam a ser reavaliada a relação entre o corpo humano e o corpo maquínico. O espaço marcado pelo advento do pós-humano.

 

Referências

 

BABO, M. Augusta. O hipertexto como nova forma de escrita. In: SÜSSEKIND, F.; DIAS, T. (Coord.). A historiografia literária e as técnicas de escritas: do manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2004.

 

CHARTIER, Roger. Morte ou transfiguração do leitor? Os desafios da escrita. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.

 

GONÇALVES, Elizabeth. A mensagem publicitária na era tecnológica. Tese (Doutorado em Comunicação)-- Universidade Metodista de São Paulo, 1999.

 

GRUNIG, Blanche. Les mots de la publicité: l’architeture du slogan. Paris: Presses du CNRS, 1990.

 

KOCH, Ingedore. Texto e hipertexto. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2001.

 

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

 

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

 

_____. O corpo cibernético e o advento do pós-humano. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

 

SELLS, Peter & GONZALEZ, Sierra. Language of advertising. Stanford, University of Stanford, 2002. Disponível em: < http://www.stanford.edu/class/linguist34/ > Acesso em: 21 jun. 2002.

 

XAVIER, Antonio C. O hipertexto na sociedade de informação: uma abordagem lingüística. Tese (Doutorado em Lingüística). IEL – Unicamp, 2002.

 

  

 

 

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