<REVISTA TEXTO DIGITAL>
ISSN 1807-9288
- ano 3 n.2 2007 –
http://www.textodigital.ufsc.br/
FERNÁNDEZ, K. de F. S. O corpo
lê a holopoesia. Texto
Digital, Florianópolis, ano 3, n. 2, Dezembro
2007.
O CORPO
THE BODY READS THE HOLOPOETRY
Karina de Freitas Silva Fernández
Doutoranda em Comunicação e
Semiótica
Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo
São Paulo, Brasil
e-mail: karina_jrj@yahoo.es
RESUMO: Este artigo tem por finalidade analisar a nova forma
de leitura do texto literário proposta pela holopoesia.
A partir do estudo das características específicas deste tipo de poema,
pretendemos discutir a relação entre leitor e texto, destacando para a
utilização do corpo no ato da leitura. Como objeto de estudo escolhemos obra do
brasileiro Eduardo Kac posto que tem
deixado relevante contribuição para o estudo da recepção
na arte contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE: Holopoesia. Corpo. Leitura
ABSTRACT: This article has the objective to
analyze the new form of reading of the literary text proposal
by the holopoetry. From the study of the specific characteristics
of this type of poem, we intend to argue the relation between reader and text,
pointing for the
use of the body in the act of the reading. As study object we choose the
workmanship of the Brazilian Eduardo Kac
because excellent contribution for the study of the reception in contemporary
art.
KEYWORDS: Holopoetry. Body. Reading
1 INTRODUÇÃO
Eduardo Kac, artista brasileiro das novas mídias, desenvolveu,
entre 1983 e
Ao todo, Kac produziu 23 holopoemas no
período de 10 anos (1983-1993), entre os quais figuram Holo/Olho (1983), Abracadabra
(1984/85), Chaos
(1986), Wordsl
1 e 2 (1986), Quando? (When?) (1987/88), Lilith (1987/89),
Trata-se de poemas
construídos a partir de hologramas o que determina elevado grau de
sofisticação. Em resumo, a técnica holográfica consiste em reproduzir, em
espaço tridimensional, um objeto luminoso, de forma que, se corretamente
iluminado, reconstrói a informação ótica no espaço.
Eduardo Kac (2004) explica que todas essas produções, de modo
geral, expressam “mudanças globais em curso neste fin de siècle, tais como o relativismo
cultural promovido pelo pós-estruturalismo e pela desconstrução,
o novo pensamento impulsionado pelas técnicas digitais de visualização, o holismo das redes de telecomunicação, e o cyberespace [cyberespaço] interativo dos terrenos emergentes da
realidade virtual e da telepresença”. Todos os holopoemas, de forma singular, investigam uma “sintaxe de
interrupções, uma linguagem de animação que se afasta de e que rebata
interpretações conclusivas”.
Sua obra intenciona transgredir as formas canônicas de reprodução
artística, ao estabelecer novos princípios de construção poética, tais como o
domínio da luz, a focalização no espaço, a imaterialização
da imagem, a neutralização da gravidade e a superação da perspectiva. O artista
conseguiu, pela holografia, incorporar a linguagem poética aos processos
visuais fornecidos por essa técnica, apresentando letras e palavras que flutuam
sobre um fundo negro, espaço simultaneamente real (para fora da superfície do
suporte) e virtual (para dentro da superfície) (ROELS JR; apud KAC,
1995, p. 08).
O artista Eduardo Kac, no artigo “Holopoesia y más allá” (1997), define o poema
holográfico, ou holopoema, como sendo aquele que se
organiza de forma não seqüencial em ambiente tridimensional. Este poema só
adquire existência quando o leitor o lê movendo-se ao redor do holograma, reconfigurando a ordem das letras no espaço e estabelecendo
novas onstruções sintáticas. Arlindo Machado (2001)
explica que, quando o holopoema explora as
possibilidades de uma escrita tridimensional, não há uma seqüência “lógica” de
leitura, muito menos uma hierarquia. O ângulo adotado pelo leitor em relação ao
arranjo tridimensional faz com que a estrutura da palavra se altere.
Quando acontece
de o holopoema explorar as possibilidades de uma
escritura verdadeiramente tridimensional, o resultado pode ser desconcertante,
pois ele coloca o leitor diante de um texto paradoxal, um texto onde as
palavras não estão mais arranjadas por nexos absolutos de linearidade e cujas
relações sintáticas encontram-se em permanente transformação (MACHADO, 2001, p.
167).
Acerca do processo de
registro gráfico do poema, Eduardo Kac (1995) afirma
que as letras no espaço tridimensional não possuem o caráter de precisão da
letra impressa à tinta na página, visto que adquirem volume e forma diferentes
quando imersas nesse novo ambiente. O espaço holográfico permite que os
vocábulos nele inseridos tenham volume, espessura e
cores diversas que variam ao passo que o leitor se move em relação ao poema.
A forma como é
produzido o holopoema possibilita a participação do
leitor através do movimento do próprio corpo, permitindo a multiplicação de
sentidos do texto a partir de ângulos diferentes tomados pelo receptor. A
participação do leitor/espectador é ativa e real, na medida em que sua relação
com o corpo deixa de ser apenas retiniana (percepção
visual) e passa a implicar a atividade corporal para a significação da obra. A
dinamicidade da obra é alcançada por meio de três princípios básicos uma
sintaxe perceptual, a exigência de uma visão binocular e o espaço descontínuo.
2 A SINTAXE PERCEPTUAL
A padronização da
forma de pensar, ler e compreender o mundo determina uma perspectiva monocular da arte pictórica, pressupondo o olho fixo no
espaço e geralmente orientado em uma única direção. Se os olhos captam imagens
diferentes, na maioria das vezes, isso é imperceptível. No holopoema,
como a leitura parte de uma ordem mutante, o leitor, a partir de uma posição
espacial específica, mas transitória, impõe à obra uma gramática sem contornos
definidos. A sintaxe do holopoema é, pois, perceptual, concebida de forma a criar
um sistema móvel de significantes, posto que as palavras não estão
presas a uma superfície, mas flutuando no espaço.
A formulação técnica
da holopoesia permite ao autor chegar a um resultado
que lhe favoreça determinar as possibilidades de combinação entre as letras
(objetos tridimensionais) e os ângulos de visão do espectador (paralaxe). Como
no processo criativo de outras formas poéticas, o autor de holopoemas
pré-estabelece formas de percepção, mas de maneira alguma sabe, exatamente, os
diversos caminhos a serem definidos pelo leitor.
A sintaxe alinear da holopoesia se
assemelha à noção de fluxo já trabalhada pela poesia concreta. Nesse processo
evolutivo da poesia experimental, os novos recursos tecnológicos foram
fundamentais para determinar a forma como o leitor perceberia a organização
sintática da poesia.
O holopoema
Eccentric
(1990)[2],
por exemplo, é formado por nove palavras (shadows, sounds, smells, nos, nevers,
nothings, that, memories, erase – sombras, sons,
cheiros, mãos, nunca, nadas, que, memórias, apagam) que não são perceptíveis ao
mesmo tempo. Desde um ângulo de visão do observador, as palavras sugerem
interpretações diferentes. Por exemplo, substantivos no plural (sounds, smells, shadows) podem adquirir
função de verbo no presente. Ou, ainda, o substantivo nothings pode evocar a sentença not this sign (este signo não).
Sobre a alternância
de funções gramaticais determinadas pelas diversas posições do leitor em
relação aos vocábulos imersos no espaço tridimensional, Arlindo Machado (2001,
p. 169), explica que essa ambigüidade estrutural associada aos efeitos
cromáticos da holografia possibilita a ocorrência de diversas combinações que
segundo Julio Plaza, assemelha-se “à própria performance do pensamento ao
operar por associações” (PLAZA; apud
MACHADO, 2001, p. 169).
3 A VISÃO BINOCULAR
Aliada a essa noção
de “sintaxe perceptual” está a binocularidade, característica própria da holopoesia. O holopoeta, no
artigo “Sintaxe, leitura e espaço na holopoesia”
(1987, p. 15)[3],
recorda que, desde que a poesia se tornou arte escrita, ou impressa, vem
passando por um processo de criação visual, no qual palavra e imagem se fundem,
mas que, ainda assim, mantém o trabalho de observação monocóspica.
Kac argumenta que ler um holopoema
propõe uma nova maneira de ler o poema, na qual “o cérebro está constantemente
mudando o modo de ‘montar’ mentalmente o texto, com base nos inputs recebidos durante as diferentes
fixações dos olhos sobre as letras no espaço” (KAC, 1995, p. 18).
Embora todos os holopoemas apresentem essa especificidade, destacamos, Abracadabra (1984/85), Albeit (1989) e Eccentric (1990)[4]
que trabalham bem a descontinuidade sintática. As nove palavras que constituem
o poema Eccentric
não são percebidas simultaneamente no espaço tridimensional. As palavras só se
tornam perceptíveis quando o leitor recria um código tipológico de leitura.
Após encontrar as palavras de forma diagonal, ele opta por uma leitura para
cima e para a esquerda alternada ou sucessivamente, ou para baixo e para a
direita ao mesmo tempo, contribuindo para a criação de uma sintaxe turbulenta.
Essa estrutura permutativa da poesia holográfica é lida no espaço e tempo
simultâneos, a partir de olhos que captam as informações e as enviam ao cérebro
de forma diferente, de acordo com a posição relativa do observador.
4 O ESPAÇO DESCONTÍNUO
Outro aspecto
relevante é o espaço descontínuo como
campo de produção do holopoema. Este tipo de obra
apresenta uma complexidade estrutural, caracterizada pelo emprego de alguns
raios referenciais durante a produção artística que pré-determina a região do
espaço onde certos elementos serão posicionados e quais ângulos específicos
podem se tornar perceptíveis. Segundo Eduardo Kac
(1995, 87)[5]
o potencial da tecnologia holográfica para produzir poesia é justificado pela
possibilidade de organizar a informação não-linearmente.
O artista aponta que o que há de comum em seus holopoemas
é o fragmento do espaço em “zonas de visão”. O leitor é convidado a oscilar com
o holopoema, contudo não consegue perceber o todo de
nenhum ângulo.
A descontinuidade do
espaço na holopoesia permite que objetos de
referência da holografia possuam existência física e material e que a linguagem
seja o ‘objeto’ imaterial. Eduardo Kac
explica que, no holopoema, “a imaterialidade dos
‘materiais’ da linguagem escrita (forma verbal e sintaxe) se potencializa
plenamente” (1987, p. 09)[6].
O espaço tridimensional é determinado pelo “antigravitropismo”,
ou seja, as formas flutuam no ar superando as noções rígidas estabelecidas pela
ação da gravidade.
Os elementos
dispersos em profundidade não permitem definir uma posição fixa para a letra,
pois só podem ser configuradas nas posições variáveis do observador. O holopoeta explica que a configuração verbal é codificada da
imagem mental da linguagem e não da imagem visual, apresentada em caracteres
planos e/ou estáticos. Isso ocorre porque não há simultaneidade entre as formas
fotônicas.
O holopoema
Abracadabra[7]
produzido com o auxílio de Fernando Catta-Preta
(1984/85) é, segundo Eduardo Kac,
aquele que melhor dramatiza o conceito de espaço descontínuo. O holopoeta explica que a utilização de três raios de
referência incidentes sobre o filme holográfico durante a produção de imagem
possibilitou a pré-determinação probabilística das regiões espaciais onde as
letras seriam perceptíveis. O que poderia ser uma limitação da atuação do
leitor, visto que a produção artística destaca a posição das letras e os
ângulos específicos que as fazem perceptíveis, torna-se algo bastante relevante
neste tipo de produção artística. O leitor dança diante do poema para que
consiga reunir o conjunto completo de letras que formam a palavra. Ele interage
com a obra lendo-a descontinuamente.
É impossível que o
leitor consiga ler a palavra “Abracadabra” em um único golpe de vista. Segundo
o autor da obra, a letra A foi
disposta em image plane (parte dentro e parte fora do
holograma) de modo a estar no centro do campo visual. As consoantes, por sua
vez, são distribuídas ao redor da vogal A.
5 A RELAÇÃO DO LEITOR COM
A HOLOPOESIA
A existência de uma
obra artística está inteiramente relacionada à interação com o leitor. Contudo,
a forma de participação-intervenção do leitor se altera nos
diferentes tipos de criação. A holopoesia propõe uma
forma de interação que solicita ao leitor/espectador uma evocação dos processos
mentais e uma interação corporal para realizar a obra.
Ela cria um ambiente
tridimensional no qual o leitor/espectador lê a obra através dos diversos ângulos
de percepção. Enquanto lê o holopoema no espaço,
movendo-se ao redor do holograma, reorganiza a sintaxe do poema e, por
conseqüência, cria novos textos. Em outras palavras, a cada nova organização
sintática, possibilitada um novo conteúdo, dado que, como no caso dos holopoemas Eccentric, de Eduardo Kac ou no Poema-bomba, de Augusto de Campos, a
cada nova organização sintática, as letras e palavras flutuam de tal forma que
a mudança de ângulo de visão pode possibilitar a criação de uma sintaxe
diferente.
Eduardo Kac (1987, p.15)[8]
explica que a percepção do holopoema não se dá nem
pela linearidade nem pela simultaneidade, mas ocorre por meio dos fragmentos
vistos pelo espectador a partir das decisões que tome, dependendo de sua
posição relativa para com o poema. O processo digital permite uma maior
precisão na manipulação dos elementos de modo que o leitor “perceba
fragmentações e metamorfoses animadas no interior de uma zona ou possa
incorporar estas e outras possibilidades de holopoemas
híbridos que integrem elementos óticos e digitais” (KAC, 2004).
O holopoema,
como expressão artística interessa pela criação da sintaxe móvel, alinear, descontínua e dinâmica. Esse tipo de poesia
pertence de certa forma à poesia experimental, visto que apresenta uma fusão
entre o visual e o verbal. Contudo, a palavra é tomada em sua forma imaterial,
como um signo mutável, livre da página palpável. Por estar em constante e
irregular movimentação, exige do leitor uma leitura dinâmica, pois através das
diferentes perspectivas que adote, encontrará textos diversos e conexões entre
as palavras no espaço vazio.
Eduardo Kac,
acerca dessa evolução da poesia visual, admite que há
algo que as relacione às formas vanguardistas de escrita e a holopoesia. Aquela deixou clara uma possibilidade de
trabalho da palavra em um espaço tridimensional que só se teria tornado
possível com a combinação de holografia e arte. Os poemas visuais associados
aos movimentos do Futurismo, Cubismo e Concretismo tiveram como marca a
realização de novas tipografia e técnicas de impressão, buscando romper com a
estrutura linear que antes caracterizava a poesia. Ou seja, deixaram de lado a
linha unidimensional como base da escrita, assumindo a superfície bidimensional
da página como unidade de composição. Recordemos o poema Um Lance de dados, de Mallarmé.
Entretanto, há algo que
diferencia esses tipos de obra. De acordo com Eduardo Kac,
os elementos utilizados para produzir poesia e arte visual em suporte impresso
se interagem em conjunto e simultaneamente no plano da imagem criando uma
unidade. O que de fato ocorre é uma utilização do espaço bidimensional de modo
que não haja uma hierarquia entre as palavras e entre as frases. Embora
apresentem a estrutura alinear, as
letras possuem cores e tamanhos específicos, cada letra está fixada em
um ponto determinado da página e tem uma posição espacial relativa em relação a
outras letras. No caso da holopoesia, no espaço
tridimensional, as letras têm dimensões e cores diferentes que mudam de acordo
com o ângulo de visão do leitor do poema. Segundo o artista, holopoemas “empregam sintaxes especiais inventadas, ou
seja, o que de fato ocorre no processo de leitura é diferente de uma obra para
outra” (por e-mail, 09/11/2004)[9].
Um exemplo disso é a tentativa do
leitor de reunir as imagens desordenadas e caóticas é o holopoema Adrift (1991), que em português seria traduzido como
“À Deriva”. Este poema é formado de ao menos sete palavras (subtle, lightning, when, gears, and butterflies, breathe, em português,
respectivamente, relâmpago, sutil, quando, engrenagens, e borboletas, respiram) que se dissolvem no espaço tridimensional. As letras que
compõem as palavras flutuam de modo irregular ao longo dos vários eixos Z (profundidade). A única exceção é a
palavra breatlhe
(respiram) que aparece integrada ao campo luminoso. Um vento imaginário sopra o
vocábulo fazendo com que suas letras se dispersem para longe de sua posição
original e se dissolvam no campo de luz. Entretanto, o efeito só ocorre a partir
do olhar do observador que vive a sensação de
instabilidade das palavras as quais ficam flutuando no espaço a espera de que o leitor as atualize.
O sentido do poema reside
completamente no leitor que pode proceder a leitura a
partir de qualquer ponto. Pode ler a letra que se encontra mais próxima ou a
mais distante. Segundo o poeta, quando o leitor observa a palavra lightning
(relâmpago), praticamente não nota a existência de outras palavras se tiver
interagindo com a obra desde um ponto extremo daquela zona. Contudo, à medida
que redireciona o seu campo de visão a palavra vai desaparecendo para dar
existência às palavras subtle
(sutil) e when
(quando), que também vão desaparecendo. A mobilidade dessas palavras que
aparecem e desaparecem de acordo com a posição espacial do leitor determina a
fluidez de leitura do holopoema.
Neste poema, as sete palavras
formariam uma frase: “Subtle lightning when gears and butterflie breathe (relâmpago sutil quando
borboletas e engrenagens respiram). A utilização do fenômeno natural
(relâmpago) se traduz na sintaxe descontinua que a holopoesia
pretende apresentar. Eduardo Kac (1995) explica que
se trata, pois, de “desestabilizar a linguagem, torná-la desconfortável,
fazê-la entrar em colapso, fazer a linguagem cair e quebrar e se pulverizar, e
se transformar, escapar por entre seus dedos”.
Ainda assim, essa é apenas uma
possibilidade de leitura que não se fecha, já que o poema se transforma a cada
nova experiência vivenciada pelo leitor. Além disso, o holopoeta
deixa claro que o intuito desse tipo de arte literária não é necessariamente
transformá-la
A holopoesia
permite que o espectador não se encontre em estado de contemplação do ambiente,
ao contrário, exige que esteja ativo, alterando a sintaxe do texto e,
consequentemente, gerando novos significados para a obra. Entretanto, essa experienciação do leitor só é possível a partir dos reais
movimentos de seu corpo diante do holopoema, os quais
transformarão o espaço tridimensional. Assim, trata-se de uma experiência de
leitura kinestética, ou seja, envolve todas as
extensões sensório-motoras do leitor/espectador.
6 A RELAÇÃO ENTRE O CORPO
E POESIA HOLOGRÁFICA
Os holopoemas avançam para a investigação acerca da atuação do
leitor/espectador com o texto quando é convidado a realizar uma leitura a partir
dos movimentos do seu próprio corpo. Os movimentos do corpo geram reconfigurações textuais. Nesse sentido, a holopoesia é interativa, já que no ato da leitura o
leitor/espectador pode refazer as informações e participar da criação da obra,
que deixou de ser individual (própria do autor). Isso tampouco é uma inovação
trazida pela holopoesia. Basta recordarmos o Lance
de Dados, do poeta francês Mallarmé cuja estritura
alinear permitia o leitor partir de qualquer ponto e
gerar outros textos que nIsso
tampouco é uma inovação aquele a ser lido linearmente (da esquerda para a
direita, de cima para baixo).
Obviamente, pensar
interatividade pelos pressupostos atuais nos levaria a perceber que a holopoesia é mais participativa que interativa. Gianetti (2006) afirma que, assim como devemos fazer
distinção entre sistemas clicáveis e sistemas interativos também devemos
fazê-lo entre os sistemas participativos e os, de fato, interativos. Segundo
Peter Weibel (2006), uma arte interativa pressupõe a
atuação de duas ou mais entidades em constante diálogo o que permite a
alteração do sistema. É o que Kac realiza anos mais
tarde com sua arte transgênica, em obras como GFP-Bunny (2000) e The
Eight Day (2001).
No caso da holopoesia nos referimos à interação na relação texto e leitor tão exaustivamente trabalhada pelos teóricos da
recepção a partir de fins da década de 60 do século passado. Para
Wolfgang Iser (1996), o leitor interage com a obra a
partir do repertório de leitura que possua e de sua capacidade associativa. A obra
é aberta, como teorizou Umberto Eco, e o autor deixa lacunas no seu texto a
serem preenchidos pelo leitor. Embora trabalhe com a palavra “imaterial”, Kac também deixa em seu texto flutuante vazios a serem
completados. O curioso é que, na relação holopoesia e
leitor, a leitura já se inica pelo exercício do
corpo. Primeiro é preciso configurar o texto, dá-lhe uma sintaxe “legível”,
para que possa lê-lo e interpretá-lo.
Numa comparação entre
livro impresso e holopoema busca mostrar que um dos
aspectos que o diferem é a relação do indivíduo com o ambiente. O leitor
interage com o livro impresso por meio de processos mentais, enquanto a
correlação com a holopoesia se dá também na interação
corpo-ambiente. Embora, no caso do livro impresso o leitor se relacione
corporalmente com o volume do objeto, parando a leitura, levantando-se para
buscar outro exemplar referido na nota da página, o processo de relação do
corpo com a holopoesia é diferente.
Dessa forma, o leitor
se torna uma esécie de co-autor, posto que o receptor, durante
o ato de leitura, faz um novo percurso criando, então, um texto que será
diferente daquele que se formará em um novo contato com a obra. É algo distinto a ter um produto final como um poema de
Drummond cuja multiplicidade de sentidos surge a partir do repertório de
leitura e da capacidade de associações, e, ainda, os aspectos históricos e
culturais nos quais se inserem o texto no momento da leitura.
A holopoesia
propõe, então, uma poesia que corresponde à descontinuidade do pensamento. O
leitor, a partir de sua posição em relação ao poema, oferece sentido aos
fragmentos aleatórios que o compõem. Assim, ele se torna peça fundamental para
atribuir sentido à obra.
Ao ressaltar o papel
do leitor em sua obra, Eduardo Kac lhe propõe uma
nova função baseado no papel que o conceito de interatividade lhe confere. O holopoeta (por e-mail,
2004) explica que o leitor de um holopoema “escreve”
um texto à medida que explora visualmente a obra. O observador, ao buscar as
palavras e seus elos, vê o texto se transformar no espaço tridimensional, mudar
cores e sentidos, se dissolver e desaparecer. Como as palavras estão móveis e
livres na superfície, é o movimento corporal do leitor que determinará o sintaxe do texto. O autor acrescenta que, à proporção que
o leitor se move continuamente, muda-se o foco ou princípio organizativo da sua
experiência, ao olharem através de diversas zonas de visão (KAC, 1993). Ele
pode se movimentar para cima e para baixo, para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, rápido ou lento, estabelecendo
associações entre os signos presentes. O leitor/espectador percebe o
volume, as cores, as transparências, o surgimento e o desaparecimento de imagens.
O fato de as palavras estarem livres na superfície tridimensional permite uma
leitura dinâmica, uma vez que o leitor necessita mover o corpo em redor do
texto para descobrir a relação existente entre as palavras e, assim, poder
dar-lhes significação.
A holoposia
e as produções posteriores de Kac (telepresença e arte transgênica)
– e outros tipos de arte mais recentes que trabalham com as novas tecnologias –
colocam em evidência o corpo que se transforma em uma das grandes questões da
arte contemporânea. Derrick de Kerckhove
(1999), sobre o processo de interação entre a obra e o leitor/espectador,
argumenta que a arte interativa convida o usuário a interiorizar os sentimentos
a fim de realizar novas conexões. Este processo de reorganização do sistema
sensorial requer a reestruturação de nossas respostas sensoriais de acordo com
os estímulos a serem experimentados. A holopoesia,
por exemplo, só adquire sentido quando o leitor se move diante do texto, "cambiando contínuamente
el enfoque o centro o principio organizacional de su experiencia al ver a través de
zonas dispersas"[10]
(KAC, 1987). No entanto, Kerckhove concluiria o
pensamento afirmando que, embora a arte interativa coloque em evidência o corpo
e o sistema nervoso, sua principal função é a de atualizar a psicologia e a
sensibilidade da cultura.
7 CONCLUSÃO
A holopoesia
está inteiramente relacionada à interação com o leitor. Ela deu conta de criar
um ambiente tridimensional no qual o leitor/espectador participa na obra
através dos diversos ângulos de percepção que adote. Enquanto lê o holopoema no espaço, movendo-se ao redor do holograma, o
leitor determina uma reorganização sintática e, por conseqüência, a gera novos textos e significados par ao texto.
Em suma, o holopoema é uma
forma artístico-literária que tem como uma de suas características
principais solicitar o movimento do próprio corpo do receptor, ultrapassando a
leitura apenas retiniana. Isso acaba provocado uma
multiplicação de sentidos do texto, posto que este não está
pronto e depende do leitor para que tome uma forma no espaço tridimensional. A
participação do leitor/espectador é ativa e real. A atividade corporal implica
a significação da obra.
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LINK-SE:
www.ekac.org
– Neste site estão imagens de todos os holopoemas
produzidos por Eduardo Kac.
Recebimento 8/10/2007
Aprovação 23/11/2007
<REVISTA TEXTO
DIGITAL>
[1] As
imagens dos holopoemas podem ser encontradas no link http://www.ekac.org/ allholopoems.html
[2]
Link do holopoema: http://www.ekac.org/allholopoems.html.
[3] In: KAC, Eduardo.
Holopoetry: essays, manifestoes, critical and theorical writings. Lexington: New Media Editions,
1995
[4] As
imagens dos holopoemas podem ser encontradas no link http://www.ekac.org/ allholopoems.html.
[5]
In: KAC, Eduardo. Holopoetry: essays, manifestoes, critical and theorical
writings. Lexington: New Media Editions, 1995
[6]
Idem.
[7] As
imagens dos holopoemas podem ser encontradas no link http://www.ekac.org/ allholopoems.html.
[8]
In: KAC, Eduardo. Holopoetry: essays, manifestoes, critical and theorical
writings. Lexington: New Media Editions, 1995.
[9] Algumas
inserções opinativas de Kac neste trabalho tiveram
como fonte troca de
e-mails
entre a pesquisadora e autora deste artigo e o artista.
[10] Tradução
minha: “mudando continuamente o enfoque ou o centro ou o
princípio
organizacional de
sua experiência ao ver através das zonas dispersas”.