<REVISTA TEXTO DIGITAL>
ISSN 1807-9288
- ano 3 n.1 2007 –
http://www.textodigital.ufsc.br/
CÚRCIO, V. R. Repetições de
Kafka: uma análise estatística. Texto
Digital, Florianópolis, ano 3, n. 1, Julho 2007.
Repetições de kafka: uma Análise estatística
KAFKA'S REPETITIONS: A STATISTICAL ANALYSIS
Verônica Ribas Cúrcio
Mestre em Teoria da Literatura
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, Brasil
RESUMO: Neste trabalho aplicamos uma abordagem estilística da linguagem
literária aos textos de Franz Kafka, utilizando as ferramentas oferecidas pelos
programas de computador de estatística textual. Desta forma, através de alguns
levantamentos feitos pela fortuna crítica, destacamos os possíveis aspectos do
estilo kafkiano. Primeiramente, no nível sintático como: a pontuação,
preferência pelo Konjunktiv,
o emprego de certas preposições e conjunções. E por último, no nível semântico:
manifestação de possibilidades e incertezas na narração.
PALAVRAS-CHAVE:
Franz Kafka,
Estilística, estatística textual.
ABSTRACT: In this work we apply a literary language stylistic
approach to Franz Kafka’s texts, utilizing tools offered by textual statistics
computer programs. In this manner, through some analysis done with Kafka’s
critical reception, we have brought forth possible aspects of the kafkanian style. Firstly, in the syntatic
level: punctuation, preference for the Konjunktiv, the use of certain prepositions and
conjunctions. And lastly, in the semantic level: the manifestation of
possibilities and uncertainties in the narration.
KEYWORDS: Franz Kafka. Stylistics. Textual Statistics.
1 INTRODUÇÃO
O corpus base dessa pesquisa é composto por trinta e um textos de nove autores de língua alemã[1], pertencentes à mesma geração de Kafka, e mais trinta e quatro edições de jornais publicados no ano de 1894. Esses autores constituem a geração das décadas de oitenta e noventa do século XIX, todos muito bem reconhecidos pela crítica como canônicos. A utilização dos jornais complementa o corpus, no sentido de trazer a perspectiva da língua geral, não literária, da época.
Para as aplicações dos diferentes programas
de estatística textual, também dividimos o corpus base em três corpora, com a finalidade de realizarmos
comparações entre corpus de referência e corpus alvo. O primeiro traz apenas os
textos kafkianos; o segundo, por textos dos outros escritores; o terceiro é
constituído pelos textos jornalísticos. Baseando-nos em traços estilísticos que
apareceram através de leituras e de explorações nos programas, buscamos
esboçar, de modo quantitativo, as características da escrita kafkiana, a partir
da escolha de seu vocabulário e de sua utilização. Selecionamos apenas quatro textos, porém
relevantes, de Kafka: Die Verwandlung (1916); Der Prozess (1925);
Das Schloss (1926) e Amerika oder Der Verschollene (1927)[2].
Não abarcamos a obra inteira do autor por outras implicações que
poderiam, evidentemente, surgir no decorrer da pesquisa. Por exemplo, a
diferença entre um Kafka que escreve um conto, um romance, uma peça ou aforismos.
Os programas utilizados para o desenvolvimento desta pesquisa foram o HYPERBASE[3]
e o LEXICO 3[4].
A fortuna crítica de Kafka integra alguns textos que estimularam a pesquisa, no que diz respeito ao estilo do escritor. Através de afirmações que apontam para possíveis estudos quantitativos, foram feitos tratamentos informáticos nos textos, a fim de chegar aos elementos estatísticos necessários para indagações e confirmações oriundas de algumas evidências apontadas pela crítica.
No respeitante à forma de narrar de Kafka, Rosenfeld nota a constante presença do pretérito. Contudo, podemos afirmar, segundo a pesquisa de Harald Weinrich, que o uso do pretérito na língua alemã, é mais do que corrente:
(...) el alemán queda expuesto
al duro reproche de incapaz para dar relieve a la narración según un primero y
segundo plano. Mientras el narrador francés o español puede graduar con finos
matices entre el imperfecto como tiempo del segundo y el perfecto simple como
tiempo del primer plano, el narrador alemán dispone solo de un praeteritum
(WEINRICH, 1968: 288).
Weinrich define, em Estructura y función de
los tiempos en el lenguaje,
os tempos verbais e suas funções, tanto nas narrações como nos comentários,
procurando diferenciá-los com análise em textos literários. Weinrich
explica que, desde a primeira época do Hochdeutsch
moderno, o alemão nunca teve necessidade de desenvolver certos tempos verbais
para o que ele chama de segundo plano da narração[5],
ou seja, de diferenciar o praeteritum no
sentido do imperfeito e do perfeito simples: “El praeteritum ya está
diferenciado según su posición, a saber, en segundo o
último lugar. Y aún más: todos los demás
tiempos están diferenciados según ese principio” (WEINRICH, 1968: 292). Para
ele, o destaque na narração em alemão deve se apresentar através da
criatividade do autor, “La libertad que la sintaxis le resta al autor tiene
este que recuperarla por medio de la estilística” (WEINRICH, 1968: 296).
Weinrich apresenta dois grupos de
tempos (Tempus) verbais: o grupo I, que se
caracteriza pelos diálogos, pelo comentário (Sprechsituation)
e utiliza os tempos Präsens e Perfekt (abrangendo mais a lírica, o drama, diálogos
em geral, ensaio literário, monólogos, cartas, comentários, sermões,
descrições, entre outras formas de comentário); e o grupo II, que caracteriza a
forma do relato (erzählen), abarcando os
tempos Präteritum e Plusquamperfekt,
que Weinrich chama de tempo da narração (romance,
novela, conto, narração oral ou escrita, exceto as exposições de diálogos que
intercalam).
Utilizando essa diferenciação de tempo da narração que Weinrich propõe, procuraremos as formas de tempos verbais
mais presentes na narração kafkiana.
2 USO DE
FERRAMENTAS. O LEXICO 3.
Ao realizarmos a primeira etapa da construção de uma nova base
no programa LEXICO 3, já tomamos conhecimento
das principais características lexicométricas do
nosso corpus, formado inicialmente,
pelos quatro textos de Franz Kafka. Os dados extraídos foram os seguintes:
Partes |
Ocorrências |
Formas[6] |
Hapax |
Freq. Max. |
Formas |
|
Das Schloss
|
109.377 |
11.426 |
6.296 |
2.647 |
und |
|
Amerika |
89.356 |
10.886 |
6.206 |
1.262 |
und |
|
Der Prozess |
77.389 |
8.993 |
4.879 |
1.789 |
der |
|
Die Verwandlung |
19.150 |
3.964 |
2.483 |
585 |
und |
|
A
partir dessa tabela já podemos fazer algumas leituras. Amerika
e Der Prozess se aproximam em relação às suas
dimensões. Danillo Nunes (1974: 482) elaborou uma
lista que enumera a obra de Kafka indicando a época aproximada de sua produção
baseando-se nos estudos de Malcolm Pasley e Klaus Wagenbach. De
acordo com Nunes, as datas seriam: Amerika
(1912), Die Verwandlung
(1912), Der Prozess (1914) e Das Schloss (1922).
Cronologia da obra:
Títulos |
Ano de produção |
Ano de publicação |
Amerika |
1912 |
1927 |
Die Verwandlung |
1912 |
1916 |
Der
Prozess |
1914 |
1925 |
Das
Schloss |
1922 |
1926 |
Se
levarmos em consideração a cronologia dos textos, percebemos que Amerika foi o último texto a ser publicado (1927),
porém o primeiro a ser redigido. Podemos, a partir desses dados cronológicos, calcular o crescimento lexical dos textos
de Kafka em relação ao corpus.
Segundo a quantidade de hapax legomena[7]
de ambos, calculamos a porcentagem de hapax em
cada texto. Constatamos que, em Amerika, 57% do seu vocabulário[8]
é constituído por hapax
legomena;
Do
resultado desse pequeno cálculo, segundo a composição cronológica dos mesmos,
podemos afirmar que os dois últimos textos, Der
Prozess e Das Schloss,
contam com um vocabulário menos diversificado.
O
outro corpus para testes, composto
somente pelos outros autores contemporâneos e por jornais, forneceu as
características de todos os textos reunidos (incluindo os de Kafka e os
jornais); em seguida, as características lexicométricas
da partição[9]
por títulos:
Principais
características lexicométricas de todos os textos
reunidos |
|
Número de ocorrências |
908.086 |
Número de formas |
64.933 |
Freqüência máxima |
25.240 |
Número de hapax legomena |
35.251 |
Partes
por textos |
Ocorrências |
Formas |
Hapax |
Freq. Máx. |
Forma |
Alexander in Babylon
|
50.095 |
10.539 |
6.749 |
1.699 |
und |
Amerika |
89.356 |
10.887 |
6.208 |
2.448 |
und |
Das
Carrousselpferd Johann |
821 |
385 |
285 |
100 |
“ |
Das
Gänsemännchen |
2.741 |
990 |
673 |
63 |
die |
Der
Dieb |
7.529 |
2.174 |
1.451 |
236 |
und |
Glaudius Dei |
5.352 |
2.028 |
1.434 |
228 |
und |
Das
grüne Gesicht |
75.326 |
13.238 |
8.321 |
2.028 |
und |
Der
Mann ohne Eigenschaft |
273.506 |
29.008 |
17.152 |
7.940 |
und |
Der
Prozess |
77.389 |
8.993 |
4.879 |
1.789 |
der |
Das
Schloss |
109.377 |
11.426 |
6.296 |
2.647 |
und |
Siddhartha |
34.391 |
5.538 |
3.116 |
1.262 |
Und |
Die Verwandlung |
19.150 |
3.964 |
2.483 |
585 |
Und |
Die Zeitungen |
163.053 |
23.150 |
12.508 |
6.308 |
Der |
Das
informações quantitativas dos corpora
reunidos, podemos, por exemplo, verificar que, na grande maioria dos textos, a
forma que sobressai é a conjunção aditiva und.
Chama também atenção o uso do der (em maior quantidade nos jornais e
3 OS VERBOS MAIS USADOS
Ao separar a lista dos verbos mais freqüentes
Retirando dessa lista os verbos sagte (sagen /
dizer), fragte (fragen
/ perguntar), que são formas típicas de uma narrativa em terceira pessoa,
destacamos o verbo sah, pretérito de sehen (ver), que aparece na 14ª posição. Contudo,
Pierre Guiraud (apud CRESSOT, 1980: 295) afirma que o
verbo ‘ver’ é uma forma geralmente com alta freqüência na maioria dos
escritores. Por outro lado, acreditamos que o verbo ‘ver’ nos textos de Kafka
ainda traz um diferencial. Segundo Martin Walser,
existe uma tendência nesses textos, de aumento gradual da distância entre os
protagonistas e suas metas, e por conseqüência disso, reduz-se a visível
objetividade do mundo kafkiano.
Em Kafka, o herói já não vê tanto, mas
interpreta, e o leitor fica à mercê dessas interpretações. Para Walser, é
Ao voltarmos aos textos, percebemos que os
sentidos e, em especial, a visão, são tratados muitas vezes com um certo
incômodo, com uma sensação de pouca nitidez. Nem sempre se poder ver, nem ouvir
claramente as coisas. Vejamos alguns exemplos:
“Der nebelige Dunst im Zimmer
war äußerst lästig, er verhinderte sogar eine genauere Beobachtung der ferner
Stehenden“ (KAFKA, 1998a, p. 354). “K. wurde durch ein Kreischen vom Saalende
unterbrochen, er beschattete die Augen um hinsehen zu können, denn das trübe
Tageslicht machte den Dunst weißlich und blendete” (KAFKA, 1998a, p. 355). “Eine große Stube im
Dämmerlicht. Der von draußen Kommende sah zuerst gar nichts. K. taumelte gegen
einen Waschtrog, eine Frauenhand hielt ihn zurück” (KAFKA, 2007). “Ein Mädchen
öffnete, sie standen an der Schwelle einer großen Stube fast im Finstern, denn
nur über einem Tisch links im Hintergrunde hing eine winzige Öllampe“ (KAFKA,
2007). “Im Zimmer selbst, das vom Mondlicht noch nicht erreicht war, konnte man
allerdings fast gar nichts unterscheiden. Karl bedauerte die elektrische
Taschenlampe, die er vom Onkel geschenkt bekommen hatte, nicht mitgenommen zu
haben” (KAFKA, 2007).[11]
Os outros verbos relacionados schien (scheinen /
parecer), machen (fazer), lassen
(deixar), rief (rufen
/ chamar), stand (stehen / estar em pé)
e kam (kommen
/ chegar) podem ser considerados por seus valores temáticos, já os outros
verbos que apareceram na lista e não foram citados são modais e auxiliares (em
diferentes conjugações). Se compararmos as duas listas de freqüências dos verbos
mais empregados, percebemos que em Kafka a primeira ocorrência de um verbo no Konjunktiv ocupa a 9ª posição, enquanto na lista dos
outros escritores, ocupa a 20ª. Esse resultado sugere que Kafka usa muito mais
verbos no Konjunktiv.
Os gráficos baseados em freqüências relativas
dos verbos sagen e fragen
no infinitivo e também conjugados no Präteritum
apresentam a seguinte indicação:
A prosa kafkiana se utiliza bastante desses
dois verbos conjugados no Präteritum, e
podemos aqui constatar o que Weinrich afirma sobre o
tempo da narração. Apesar de os outros textos também apresentarem o formato de
prosa, essas conjugações em terceira pessoa parecem ser muito mais correntes
Ao listarmos
os quarenta verbos mais freqüentes de todos os outros textos, com a exceção de
Kafka temos: war, ist, hatte, sein, hat, haben, sind, sei, waren, habe,
werden, kann, sagte, wird, wurde, sah, konnte, gewesen, kam, hätte, sagen,
würde, können, wollte, wäre, hatten, fühlte, stand, weiß, dachte, muß, will,
tun, ging, mußte, ließ, bin, machen, lassen e wußte.
O verbo sagen
ocupa a 13ª posição, enquanto em Kafka aparece em segundo lugar. O verbo fragen não foi listado entre os verbos selecionados.
Contudo, outros verbos não menos interessantes surgiram,
tais como: sah (sehen), kam (kommen), fühlte (fühlen / sentir), stand
(stehen), weiß (wissen / saber), dachte (denken / pensar), tun (fazer),
ging (gehen / ir, andar), lassen. Os outros são variações de
verbos auxiliares e modais. São cinco os verbos que aparecem em comum a todas
prosas (sehen, kommen,
stehen, machen, lassen).
4
ELEMENTOS RETIRADOS DA CRÍTICA
Ao
retomar mais alguns elementos tirados da crítica, um outro ponto é o processo
de observação através de alguns elementos propostos por Horst
Domdey e que são passíveis de quantificar. Eles dizem
respeito ao uso freqüente de conjunções adversativas ou concessivas (mas,
porém, embora); expressões como (por um lado... por outro lado...). Em alemão jedoch (contudo, todavia, no entanto), indessen (entretanto, enquanto que), natürlich (evidentemente) – no sentido
concessivo – zwar (na verdade, é verdade que),
aber (mas, porém), einerseits
(por um lado) – andererseits (por outro lado).
Realizamos
a relação de freqüência absoluta somente da forma einerseits
porque as ocorrências são poucas, causando no gráfico de freqüência relativa,
apenas uma linha reta na horizontal, o que nos impediria de fazer qualquer
leitura.
Primeiramente, verificamos como a freqüência
dessas palavras se comporta em todos os textos[12]:
Podemos afirmar que o estilo kafkiano (183
ocorrências de zwar e 10 de Zwar) nesse caso se aproxima do uso que se fazia na
língua geral utilizada pela imprensa da época (zwar
86 e Zwar 4). Robert Musil
parece também utilizar essa forma de uma maneira mais amena (62 zwar e 1 Zwar), bem
como Thomas Mann (4 zwar).
Em se tratando da freqüência relativa da forma jedoch, parece não haver ocorrências suficientes
para ser destaque
A forma indessen
traz ocorrências ainda menores, abarcando relativamente só os textos
jornalísticos.
Por outro lado, a forma aber
é representada com grande ênfase por Kafka, seguido de Rilke
e Musil:
Os próximos dois gráficos trazem as formas einerseits e andererseits,
que supostamente, podem ser usadas para expressar argumentos distintos de uma
explanação em um dado discurso. Porém, tais formas apresentam freqüências
fracas para um cálculo que se baseia em freqüência relativa. Por isso, o
primeiro gráfico ilustra somente a freqüência absoluta:
Nos dois gráficos acima, as formas se
concentraram em maior quantidade nos textos jornalísticos, com exceção do
primeiro gráfico que faz alusão a Kafka em poucas ocorrências. Gustav Meyrink e Robert Musil adotam essas formas de maneira muito pouco freqüente.
Neles dois, elas são hapax legomena.
A representação gráfica da forma natürlich traz Rilke e
Kafka se emparelhados, seguidos de Meyrink e logo por
Heym.
Após esse
apanhado reunindo todos os textos dos corpora,
passamos a analisar somente os textos de Kafka, deduzindo dos gráficos algumas
leituras a partir de amostras retiradas dos textos originais. Assim, o tipo de
comportamento entre as formas apontadas por Domdey pode ser visto de modo mais refinado. Nem
todas as formas foram possíveis de mostrar no gráfico com freqüências
relativas, pois as ocorrências eram poucas. Como no caso
de jedoch (10 ocorrências) e Jedoch (2); de indessen (2
Abaixo o
contexto das duas únicas ocorrências de indessen:
“Knapp
vor dem ersten Stockwerk musste er sogar ein Weilchen warten, bis eine
Spielkugel ihren Weg vollendet hatte, zwei kleine Jungen mit den verzwickten
Gesichtern erwachsener Strolche hielten ihn indessen an den
Beinkleidern; hätte er sie abschütteln wollen, hätte er ihnen wehtun müssen und
er fürchtete ihr Geschrei“ (KAFKA, 1998a, p. 345) (grifo nosso).
“Der
Direktor hatte sich indessen zufällig oder was wahrscheinlicher war aus
besonderer Rücksichtnahme gegen K. über eine Zeitung gebeugt, jetzt hob auch er
die Augen, reichte aufstehend K. die Hand und wünschte ihm, ohne eine weitere
Frage zu stellen, glückliche Reise“ (KAFKA, 1998a, p. 532) (grifo nosso).[13]
Já o
emprego da forma zwar se destaca mais entre os
quatro textos, apresentando uma afinidade entre Amerika
(63 ocorrências) e Das Schloss (78). Os textos
são o primeiro e o último redigidos por Kafka. Nos textos Die
Verwandlung (11) e Der Prozess
(37) a ocorrência é menor. É uma das formas mais freqüente nos textos
kafkianos, como apontado por Domdey:
Segundo as
freqüências relativas de aber no
gráfico abaixo, existe um uso praticamente moderado e nivelado ao Aber no início de sentenças. Já ao uso da forma em
minúsculo, há uma maior freqüência
Sobre a
forma natürlich podemos afirmar que Der Prozess faz mais uso dela em sua forma minúscula, assim
como Das Schloss a utiliza em menor
quantidade:
No artigo “Kafka, o autor” (1968: 147-208), Erwin Theodor acrescenta que o reconhecimento da obra
kafkiana se deu de modo tardio, e chama atenção para o testemunho que o
escritor tcheco deixou em relação à sua produção escrita a pedido dele, ela não
deveria ser publicada, pois ali apareciam os muitos sofrimentos e angústias de
sua solidão. Em Life and
Letters, Edwin Muir afirma que:
A razão de sua excepcional
reputação e sua falta extraordinária de divulgação é facilmente compreensível,
acredito, pois reside nos elementos fantásticos de sua imaginação. Um leitor
que comece a ler O Castelo poderá sentir facilmente que nem sabe o que
realmente está a ler, não em virtude de alguma obscuridade lingüística – já
que o estilo de Kafka é escrupulosamente claro – mas por acontecerem coisas
tão extraordinárias, e serem levadas a cabo conversas de tão curioso caráter.
Realmente é Kafka um grande narrador de histórias e um soberbo mestre do
diálogo; mas isto pouco significado tem para quem não entende nem os
caracteres, nem os acontecimentos e nem as conversas que constam de seus
livros. Sua obscuridade não resulta de qualquer desejo de intrigar ou
impressionar os leitores (não há outro escritor moderno tão cândido ou que
tente com menos veemência explorar os seus dotes) é simples conseqüência da
originalidade peculiar do seu gênio, que procura pensar sempre em imagens
concretas. (MUIR apud THEODOR, 1968, p. 150) (grifos nossos).
Anders esclarece
que o método de Kafka se baseia em uma suspensão que se dá através de troca de
etiquetas, de rótulos que possibilitam julgamentos não concebidos, revelando
através de sua técnica, o estranhamento encoberto da vida cotidiana. Por isso,
também não é de se espantar, na narrativa kafkiana, que as ‘coisas’ desempenhem
um papel ‘incomum’:
“A apresentação de objetos ou aparelhos como heróis de fábula
determina algo fundamentalmente novo na velha fábula clássica. Nesta o animal
fora herói simplesmente porque era entendido com uma espécie de ser humano: o
mesmo ocorre com os contos-de-fadas” (ANDERS, 1993,
p.18).
O autor considera dois problemas importantes
que permeiam a obra de Kafka. Um deles é a paralisação do tempo; o outro
trata da inversão de culpa e punição. Para uma amostra da ‘paralisação
do tempo’, no nível sintático, pensamos em quantificar o modo alemão Konjunktiv II, pois o mesmo, entre outras coisas,
pode refletir uma ação duvidosa e incerta, seja no presente ou no futuro.
Portanto, com a busca do verbo haben no Konjunktiv
II, encontramos três grandes destaques, o primeiro deles é apontado por
textos de Kafka, em seguida aparece Rilke e Heym.
Em seguida, a amostra com o verbo sein resultou novamente nos mesmos autores, o
gráfico apontou primeiramente para os textos de Rilke,
depois Kafka seguido de Heym.
O Konjunktiv II
conjugado nos verbos auxiliares, no caso abaixo können,
destacou os textos de Musil, seguido de Meyrink e por último Kafka.
O emprego de werden
no Konjunktiv II apontou
respectivamente para Heym. Kafka e Musil parecem fazer o mesmo uso dessa forma:
Notamos que o Konjunktiv
II, ao menos nas formas selecionadas, é bastante empregado no mesmo grupo
de autores que varia entre Kafka, Musil, Meyrink, Rilke e Heym.
Para chegar até a discussão dos problemas relacionados
à paralisação do tempo e à inversão da culpa e punição, Anders
(1993) trabalha o mecanismo dos símbolos e das alegorias
O
ponto de partida de Kafka não é uma crença comum, da qual os símbolos nasçam,
mas somente a linguagem comum, pois esta fica à disposição dele – até
dele, o rejeitado – em toda sua amplitude e profundidade. Ela é inextorquível. Ele a partilha com o inimigo cortejado: o
mundo. Mais exatamente: colhe do acervo preexistente, do caráter de imagem,
da linguagem. Toma ao pé da letra as palavras metafóricas. (ANDERS, 1993,
p. 46)
Segundo Anders (1993,
p. 48), esse “tomar ao pé da letra” é mais um método empírico de Kafka. Pois o
que o homem vive não é nenhum factum brutum pré-lingüístico, é justamente um fato
interpretado lingüisticamente por ele. O que Kafka faz consistiria em expor as
verdadeiras imagens da linguagem (por exemplo, afundar de vergonha, estar caído
por alguém). Cada uma dessas imagens baseia-se no pronunciamento imagético que
o homem, antes dela, já fizera sobre si mesmo. Por isso, Anders
distancia Kafka de simbolista ou alegorista, porque
Kafka não inventa imagens, ele as assume. “Uma metáfora pode ser
transformada em uma imagem” (ANDERS, 1993, p. 48). A transformação
propriamente kafkiana de “processos” em “imagens” pode ser percebida também
através da sintaxe de sua prosa. Os objetos são tomados como verdades, K.
acredita existir um castelo, mas o mesmo não passava de um vilarejo:
“[...] enttäuschte ihn das
Schloß, es war doch nur ein recht elendes Städtchen, aus Dorfhäusern
zusammengetragen, ausgezeichnet nur dadurch, daß vielleicht alles aus Stein
gebaut war, aber der Anstrich war längst abgefallen, und der Stein schien
abzubröckeln“ (KAFKA, 2007).[14]
Do mesmo modo, Anders
(1993) aponta a ambigüidade presente na obra de Kafka, pois, ela é uma das
experiências mais correntes na vida kafkiana, porque o mundo para Kafka é objeto
de pavor e de aliciamento. Ele cita exemplos como as instâncias judiciais
Outro exemplo que poderíamos
citar como ambigüidade, se encontra
Anders fala da
grande utilização da conjunção condicional wenn
(se) em Kafka, como uma maneira de interpretar um projeto de possibilidades e irrealidades, pela freqüência de incertezas que seus
personagens sofrem e pelo despojo de seus poderes. Por exemplo, eles nunca
sabem como andam seus processos, nem com quem devem contar, do que poderiam ser
suspeitos, do que são acusados, por quanto tempo serão tolerados, ou mesmo até
que ponto vai a competência da autoridade. Tudo isso implica uma fúria
interpretativa por parte dos homens kafkianos, que precisam “interpretar o
mundo, porque outros o administram e modificam” (ANDERS, 1993, p. 54). O autor
vê essa incerteza como uma chance poética de Kafka que se apresenta sob as
formas do se e dos subjuntivos, que estampam sua prosa como resultado de
um “filho da insegurança”:
O trecho de prosa “O súbito passeio” (em Considerações),
que consiste de uma única frase enorme, por exemplo, é “introduzido” por uma
sentença condicional de vinte e quatro linhas. Visando à precisão, essa frase
se desintegra outra vez em nove frases subjuntivas ligadas por coordenação, que
se desdobram novamente. O volume da oração principal que se segue a esses “ses” não é, pelo contrário, considerável “A minuciosidade das frases condicionais de
Kafka é, portanto, sintoma de vontade própria e um elemento decisivo da sintaxe
da falta de liberdade, na qual, em última instância, acaba toda a sua
prosa” (ANDERS, 1993, p. 55).
Partindo dessa afirmação de Anders,
buscamos as ocorrências da forma wenn em todos
os autores, para que tenhamos uma noção dos usos que cada um deles faz dessa
conjunção. A freqüência relativa demonstra três cumes no gráfico, primeiramente
em Musil, depois Kafka seguido de Heym
e Meyrink.
Contudo, não é o objetivo desse estudo analisar
a utilização das formas em todos os textos dos diferentes autores. Por isso,
não podemos explicar por exemplo, de que maneira se dá o emprego da conjunção wenn nos textos de Robert Musil.
Mas por outro lado, temos algo a dizer sobre os textos kafkianos. O gráfico
relacionado somente aos textos de Kafka apresenta uma incidência maior,
respectivamente em, Das Schloss, Amerika, Der Prozess
e Die Verwandlung.
A forma Wenn no início de frase já parece ser
menos variada e menos utilizada. Cronologicamente, no último texto composto por
Kafka, entre os quatro, aparece mais vezes essa forma:
Para Anders, a obra
de Kafka deixa em suspenso até onde pode ser entendida no indicativo ou no Konjunktiv. E
essas considerações de impossibilidades demonstrariam a situação daquele que
está condenado a viver interpretando possibilidades, pois não tem liberdade,
nem autoridade para decidir sobre elas.
Buscamos nos textos alguns exemplos que ocorrem
de forma relevante nos textos kafkianos, como a conjunção wenn
que aparece tanto na voz do narrador, como na voz dos protagonistas (para dar
conta das possibilidades de interpretações citada por Anders).
Isso justifica também uma das maneiras de empregar frases condicionais que, de
alguma forma, aparecem em grande parte da obra kafkiana, exatamente o ponto que
Modesto Carone (2001: 479) acentuou e que afirmamos
anteriormente. Abaixo seguem os trechos que
recortamos para exemplificar:
“Wenn ich ein gefährlicher Räuber wäre, hätte man
nicht bessere Vorsorge treffen können” (KAFKA, 1998a: 352) (grifo
nosso).
Wenn er zuhause bliebe und sein gewohntes Leben
führen würde, war er jedem dieser Leute tausendfach überlegen [...] Und
er stellte sich die allerlächerlichste Szene vor, die es z. B. geben würde, wenn
dieser klägliche Student, dieses aufgeblasene Kind, dieser krumme Bartträger
vor Elsas Bett knien und mit gefalteten Händen um Gnade bitten würde. K.
gefiel diese Vorstellung so, daß er beschloß, wenn sich nur irgendeine
Gelegenheit dafür ergeben sollte, den Studenten einmal zu Elsa
mitzunehmen (KAFKA, 2007) (grifo nosso).
[...] dann dachte Gregor, dass er vielleicht doch gute wäre,
wenn die Mutter hereinkäme, nicht jeden Tag natürlich, aber
vielleicht einmal in der Woche; sie verstand doch alles viel besser als die
Schwester, die trotz all ihrem Mute doch nur ein Kind war und im Letzten
Grunden vielleicht nur aus kindlichem Leichtsinn eine so schwere Aufgabe
übernommen hatte (KAFKA, 1998a, p. 165).[16]
E podemos ir mais adiante, na investigação
desse aspecto da narração nos textos kafkianos, visto que algumas amostras
concordam com a opinião de Anders em relação às
questões da impossibilidade de situações, da interpretação sobre as
possibilidades, das dúvidas que surgem na prosa kafkiana. As dúvidas podem ser
muito bem representadas por intermédio da quantidade de perguntas que são
expostas ao leitor pela voz do narrador kafkiano, acerca do pensamento dos
protagonistas, assim como das dúvidas do próprio narrador:
“Nun stand er Aug’ in Aug’
dem Gedränge gegenüber. Hatte er die Leute nicht richtig beurteilt? Hatte er
seiner Rede zu viel Wirkung zugetraut? Hatte man sich verstellt, Solange er
gesprochen hatte und hatte man jetzt, da er zu den Schlussfolgerungen kam, die
Verstellung satt? “ (KAFKA, 1998a, p. 355-356).
Warum war nur Gregor dazu verurteilt, bei einer Firma zu
dienen, wo man bei der kleinsten Versäumnis gleich den größten Verdacht fasste?
Waren denn alle Angestellten samt und sonders Lumpen, gab es denn unter ihnen
keinen treuen ergebenen Menschen, der, wenn er auch nur ein paar Morgenstunden
für das Geschäft nicht ausgenutzt hatte, vor Gewissensbissen närrisch wurde und
geradezu nicht Stande war, das Bett zu verlassen? Genügte es wirklich nicht,
einen Lehrjugen nachfragen zu lassen – wenn überhaupt diese Fragerei nötig war
-, musste da der Prokurist selbst kommen und musste dadurch der ganzen
unschuldigen Familie gezeigt werden, dass die Untersuchung dieser verdächtigen
Angelegenheit nur dem Verstand des Prokuristen anvertraut werden konnte?
(KAFKA, 1998a, p. 142-143).
Warum ging die Schwester nicht zu anderen? Sie war wohl
erst jetzt aus dem Bett aufgestanden und hatte noch gar nicht angefangen sich
anzuziehen. Und warum weinte sie denn? Weil er nicht aufstand und den
Prokuristen nicht hereinließ, weil er in Gefahr war, den Posten zu verlieren
und weil dann der Chef die Eltern mit den Forderungen wieder verfolgen würde?
(KAFKA, 1998a, p. 144).
“Da blieb Barnabas stehn. Wo waren sie? Gieng es nicht
mehr weiter? Würde Barnabas K. verabschieden? [...] Oder sollte das
Unglaubliche geschehen sein und sie waren schon im Schloß oder vor seinen
Toren? Aber sie waren ja soweit es K. wußte gar nicht gestiegen. Oder hatte ihn
Barnabas einen so unmerklich ansteigenden Weg geführt?“ (KAFKA, 2007). “Hatte
er denn dort auf dem Gang gar nicht das Gefühl der schweren Ungehörigkeit gehabt?
Aber wenn er es gehabt hatte, wie hatte er sich dort herumtreiben können, wie
ein Tier auf der Weide? Sei er nicht zu einem Nachtverhör vorgeladen gewesen
und wisse er nicht warum die Nachtverhöre eingeführt sind?” (KAFKA, 2007). [17]
5 REPETIÇÕES DE ADVÉRBIOS, CONJUNÇÕES,
PREPOSIÇÕES
Ressaltando mais uma vez a abrangência da
dúvida, das possibilidades e impossibilidades, do incerto, nos textos
kafkianos, ilustraremos as ocorrências de dois advérbios que são muito comuns, vielleicht (talvez, por acaso, porventura) e wahrscheinlich (provável). A freqüência dessas duas
formas como co-ocorrências nos textos kafkianos também é bastante
significativa: contabilizamos 74
À primeira vista, verificamos a incidência
dessas duas formas no corpus total,
para que tenhamos alguma distinção entre os autores. Constatamos, pois, que as
duas formas realmente são muito mais empregadas por Kafka.
Agora, se analisarmos somente os textos de
Kafka, verificamos que, assim como nos textos anteriores examinados nos
gráficos acima, as formas iniciadas em letra maiúscula parecem também ser menos
apreciadas por Kafka. Já as formas em minúsculo desempenham um papel bem
diversificado: wahrscheinlich é menos
empregada nos textos, principalmente
Quanto à tradução de Der Prozess,
Carone conclui ter preservado em português a precisão
do léxico e as destrezas estilísticas do original. Para tanto, diz ele ter sido
necessário levar em conta a apropriação maciça da linguagem jurídica no curso
da obra: “nesse aspecto, o empenho consistiu em conservar, ao lado da retórica
muitas vezes apaixonada do herói, a nitidez do alemão cartorial, sem esquecer
nem a sua secura, que é desagradável, nem a insistência das repetições, que em
Kafka é intencional”(CARONE, 1998, p. 328).
Sobre a narrativa, Carone
afirma que as sentenças “compõem um arabesco complicado, no qual a oração
principal comanda subordinadas que embutem umas nas outras, ocupando com freqüência
mais de uma página” (CARONE, 2001, p. 479).
Ao que sustentou ainda Modesto Carone sobre a insistência das repetições em Kafka, foram
selecionadas algumas das passagens dos textos para mostrar esse considerável
traço estilístico do autor. Ressaltamos que a repetição surge tanto por parte
das inúmeras presenças de uma mesma conjunção, advérbio ou preposição, quanto
pela repetição da própria fala dos personagens. Ei-los:
“Darum suchen die Wächter den Verhafteten die Kleider vom Leib
zu stehlen, darum brechen Aufseher in fremde Wohnungen ein, darum
sollen Unschuldige statt verhört lieber vor ganzen Versammlungen entwürdigt
werden“ (voz de Josef K.) (KAFKA, 1998a: 355) (grifo nosso).
Plötzlich in der Nacht, es muss schon tief in der
Nacht gewesen sein, wache ich auf, neben
dem Bett steht der Untersuchungsrichter und blendet die Lampe mit der Hand ab, sodass
auf meinen Mann kein Licht fällt, es war sehr unnötige Vorsicht, mein Mann hat
einen solche Schlaf dass ihn auch das Licht nicht geweckt hätte. Ich war
so erschrocken, dass ich fast geschrien hätte, aber der
Untersuchungsrichter war sehr freundlich, ermahnte mich zur Vorsicht ,
flüsterte mir zu, dass er bis jetzt geschrieben habe, dass er mir
jetzt die Lampe zurückbringe und dass er niemals den Anblick vergessen
werde, wie er mich gefunden habe (voz da lavadeira) (KAFKA, 1998a, p. 362)
(grifo nosso).
[...] das z. B. mit Friedas Ruhe, mit
Friedas Sachlichkeit leicht und unmerklich zu gewinnen ist, durch Weinen,
durch Kratzen, durch Zerren zu bekommen, so wie ein Kind am
Tischtuch zerrt (KAFKA, 2001:455) (grifo nosso). [18]
Mais exemplos de repetições:
Viele glaubten es liege K. sehr viel daran
den Tischler Lanz zu finden, dachten lange nach, nannten einen Tischler, der
aber nicht Lanz hieß, oder einen Namen, der mit Lanz eine ganz entfernte
Ähnlichkeit hatte, oder sie fragten bei Nachbarn oder begleiteten
K. zu einer weit entfernten Tür, wo ihrer Meinung nach ein derartiger Mann
möglicherweise in Aftermiete wohne oder wo jemand sei der bessere
Auskunft als sie selbst geben könne (KAFKA, 1998a, p. 346) (grifo nosso).
“[...] der Weg zum
Onkel durch die Glastüre, über die Treppe, durch die
Allee, über die Landstraßen, durch die Vorstädte zur großen Verkehrsstraße,
einmündend in des Onkels Haus“ (KAFKA, 2007) (grifo nosso) “[...] die bald
lasen, bald excerpierten, bald in ihre Aktentaschen einlegten“
(KAFKA, 2007) [19]
(grifo nosso).
Assim
como acontecem repetições sintáticas, percebemos também repetições na fala dos
personagens. Então, para quantificarmos essas repetições, buscamos o auxílio do
aplicativo HYPERBASE para realizar uma contagem maior, ou seja, com
todos os textos reunidos. Resultaram disso alguns números que demonstram o
total de vezes em que as formas wiederholte (repetiu
- 157 ocorrências), wiederholen (repetir - 46)
e Wiederholung (repetição - 11)
aparecem e em quais textos especificamente. Para que sejamos sucintos,
apresentaremos somente os textos de Kafka e os maiores empregos:
Textos
/ Formas |
wiederholte |
wiederholen |
Wiederholung |
Das
Schloss |
18 |
3 |
0 |
Der
Prozess |
10 |
3 |
0 |
Amerika |
15 |
3 |
1 |
Die Verwandlung |
2 |
1 |
0 |
Caspar Hauser |
17 |
0 |
0 |
Das
Gänsemännschen |
15 |
1 |
0 |
Der
Mann ohne Eigenschaft |
31 |
22 |
6 |
Robert
Musil se destaca de maneira mais acentuada nas três
formas e Franz Kafka mantém uma média nos três primeiros textos, pois o quarto
texto, obviamente, é muito mais curto. Porém, vale lembrar que, em um corpus de 32 textos, somente estes foram
tabelados por apresentarem um destaque na forma que mais nos interessa, wiederholte, pois ela caracteriza a narração em
terceira pessoa.
No
artigo Kafka hoje, Anatol Rosenfeld retrata a
forma com que a crítica tem elaborado seu pensamento a respeito da obra do
escritor tcheco. Ele relembra a grande insistência de críticos em fazer
exegeses de ordem teológica, filosófica, psicanalista ou sociológica, fato esse
considerado por ele como pouco satisfatório e até mesmo já saturado. Rosenfeld
ressalta a mudança de foco da crítica, afirmando que a mesma adquiriu um certo
amadurecimento. Segundo ele, a leitura de Martin Walser
é muito significativa nessa mudança de foco, pois
“se
refere com visível satisfação ao fato de que, em vez de especular sobre se na
obra de Kafka prepondera o julgamento ou a graça divina, se pôs a contar nela
as portas e janelas e verificar quem, entre as personagens, usa cartola e quem
usa barba, além de indagar por que ocorre tantas vezes a expressão ‘é verdade
que’” (ROSENFELD, 1976, p. 229).
Ainda segundo Rosenfeld (1976, p. 230), o exame literário aponta
a obra de Kafka mais próxima do expressionismo: “apesar de neste universo terem
entrado muitas ‘partículas reais’ de uma riqueza extraordinária, e esquemas
básicos da vida de Kafka, esses elementos foram remanipulados
segundo necessidades e obsessões expressivas”. Outro processo que o autor
designa como típico do expressionismo, é o fato de que as coisas, ou as
personagens não “se parecem”, elas simplesmente “são”. Gregor
Samsa não “se parece” com um inseto, ele o “é”. Essa
afirmação retoma as observações feitas por Günter Anders no que diz respeito às metáforas “tomadas ao pé da
letra” por Kafka. Mesmo assim, Rosenfeld caracteriza a obra de Kafka de modo
distinto ao movimento expressionista, pois tudo é narrado friamente,
sobriamente, o que já contraria o expressionismo:
“A linguagem de Kafka é um alemão puro e rigoroso entremeada de
raras expressões austríacas. No seu teor ‘administrativo’, quase de protocolo,
talvez reflita certo esforço sintático, típico de grupos legitimamente
marginais” (ROSENFELD, 1976, p. 232).
Rosenfeld verifica que geralmente a narração
kafkiana acontece pelo foco do herói, limitando a visão do mundo por quem é
projetado. Porém, não é o próprio herói que narra na pessoa do “eu”, e sim um
narrador encoberto que se refere ao herói com o uso do pronome “ele”. Com isso,
a visão do mundo tomada pelo herói é aprovada e direcionada pelo narrador, que
se responsabiliza por ela, garantindo ao leitor que não se trata de alucinações
do personagem.
Rosenfeld esclarece a sintaxe kafkiana
chamando-a de sintaxe da frustração:
É conhecida esta sintaxe da
frustração. As orações se iniciam com afirmações esperançosas que, em seguida,
são postas em dúvida, desdobradas nas suas possibilidades, cada qual
ramificando-se em novas possibilidades. Pouco a pouco a afirmação inicial é
limitada por uma inundação de subjuntivos e condicionais; surgem os “embora”,
“de resto”, “talvez”, “é verdade que”, “de um lado” e “de outro lado”, até ao
fim não sobrar nada e tudo ser anulado (ROSENFELD, 1976, p. 236).
6 QUESTÕES SOBRE A NARRAÇÃO
Martin Walser também
traz o seu testemunho sobre a narrativa de Kafka, trabalhando com os três
romances (Der Prozess, Amerika
e Das Schloss). Para ele, em Kafka, a coisa se
narra, o que o diferencia muito da tradição da literatura épica. Assim como
outros, Walser conclui que se trata de um narrar sem
que sobressaia um narrador. Ele se questiona sobre o modo que o poeta escolhe
de não dar grande relevo ou dar um relevo não habitual até então, ao narrador,
e busca investigar de que maneira essa atitude determina o caráter da criação
kafkiana. Para ele, o narrador, geralmente, se dá a conhecer como o meio de
comunicação entre o leitor e o mundo da narrativa. Mas, no caso de Kafka, Walser admite haver visivelmente uma espécie de refração
exercida pelo narrador sobre a realidade narrada, como se Kafka prescindisse de
todas as possibilidades de manifestação narrativa que um narrador pudesse ter
diante de uma exegese. Daí vem a afirmação de que a coisa em Kafka se narra. “Ha de quedar demostrado que para Kafka llega a ser una conditio
sine qua non precisamente el narrar sin que parezca el narrador, y que su
creación es, no obstante, puramente épica” (WALSER, 2000, p. 20).
Sua reflexão sobre as relações entre narrador e
protagonista, Walser destaca sua condição de
estranho. Surgem protagonistas que estão fadados a uma perpétua chegada ou
partida. O autor salienta que o uso do modo subjuntivo, a oração indireta, o
uso múltiplo de advérbios de suspeita, do não saber, são constituintes da
maneira que protagonistas têm de reagir ao mundo desconhecido que os rodeia. As
cadeias de subjuntivos formam parte dos modos de expressão mais fundamentais na
criação poética de Kafka. Segundo Walser, as voltas
que provam a congruência do narrador com os três K.’s se encontram, sobretudo
onde o interlocutor (narrador) se expressa em subjuntivo e os pensamentos de K.
no indicativo.
Maurice Blanchot
também acrescenta algo sobre essa ambigüidade: “Toda a obra de Kafka está à
procura de uma afirmação que ela desejaria obter pela negação, afirmação que,
assim que se esboça, se esquiva, aparece como mentira e assim se exclui a
afirmação” (BLANCHOT, 1997, p. 14).
Do mesmo modo, Domdey
aceita que o elemento principal da ação no romance mencionado, resultando em
traços estilísticos da obra, é a afirmação da existência seguida pela sua
negação ou restrição. Ao chegar ao vilarejo do castelo, K. não é recebido com
boas vindas. Somente após o segundo telefonema passa a ser aceito. Porém,
precisa de uma permissão para permanecer e trabalhar no castelo, fato que nunca
se concretiza. Segundo Domdey, o romance é composto
de variações de dois tipos de unidades fundamentais: de um lado a ação (a
luta), de outro lado a reflexão, seguindo desse modo até o seu “final”
fragmentado, sem apresentar uma decisão de luta. Para ele, o movimento da
narração mostra-se com variações de repetição de uma dada situação.
Algumas passagens podem exemplificar esses levantamentos acerca
da afirmação seguida pela negação. Uma dessas passagens se apresenta
“Aber ich komme gleich zurück
und dann geh ich mit Ihnen, wenn Sie mich mitnehmen, ich gehe wohin Sie wollen,
Sie können mit mir tun, was Sie wollen, ich werde glücklich sein, wenn ich von
hier für möglichst lange Zeit fort bin, am liebsten allerdings für immer“
(KAFKA, 1998a, p. 363). “‘Und Sie wollen nicht befreit werden’, schrie K. und
legte die Hand auf die Schulter des Studenten, der mit den Zähnen nach ihr
schnappte. ‘Nein’, rief die Frau und wehrte K. mit beiden Händen ab, ‘nein,
nein nur das nicht, woran denken Sie denn!’“ (KAFKA, 1998ª, p. 365)[20].
Outro exemplo que se encaixa exatamente nesta
seqüência de afirmação, restrição e anulação, pode ser verificado novamente em Der
Prozess[21]
durante a conversa de Josef K. com o pintor Titorelli
sobre as absolvições (real, aparente e processo arrastado). Walser
ressalta que a apresentação das comprovações que estimulam a esperança de Josef
K. até a sua restrição, se compõe de um número limitado de construções
sintáticas que são fortemente marcadas como características da prosa de Kafka.
Para ele, a introdução do processo de limitação é sempre introduzida pelas
mesmas partículas: freilich, allerdings, natürlich , übrigens, trotzdem, zwar... aber.[22]
(WALSER, 1961, p. 94)
Las
proposiciones subordinadas que siguen a tales comprobaciones son introducidas
con ‘en todo caso’ y ‘naturalmente’ y se precipitan, por así decirlo, dentro de
las proposiciones principales, con el fin de reducir cuanto antes la
circunstancia comprobada. A menudo también la restricción se refiere, mediante
una proposición principal y disminuye así la comprobación aun antes de que
pudiera aparecer del todo (...) Es obvio que un párrafo sembrado de partículas
como ‘con todo’, ‘ciertamente’ y parecidas, puede también contener algunas
afirmaciones; pero el movimiento dominante será en este caso siempre el de la
limitación con miras al punto cero, a la definitiva anulación (WALSER, 2000, p.
102-3).
As análises de freqüência relativa indicam que
Kafka e Rilke se aproximam bastante com o uso de freilich; com übrigens,
Rilke aparece em primeira posição, seguido de Kafka;
os jornais, Thomas Mann e Musil se igualam; com trotzdem Kafka se destaca mais, Rilke
surge logo após seguido de Meyrink e dos jornais.
Veja os gráficos abaixo:
Agora, ilustra-se a característica dos textos de
Kafka que diz respeito à repetição trabalhando com os segmentos repetidos. No
caso, trata-se dos segmentos als ob e wie wenn (traduzidos normalmente por “como se”). Com muita
freqüência e por vezes nos mesmos parágrafos, podemos encontrar também a seqüência
als + Konjunktiv
II nos textos de Kafka. Normalmente na
voz do narrador:
Ich merkte zwar gut, daß in aller
Bescheidenheit dieses Planes auch Anmaßung lag, daß es den Eindruck
erwecken konnte, als ob wir der Behörde diktieren wollten, wie sie Personalfragen
ordnen sollte oder als ob wir daran zweifelten, daß die Behörde
aus eigenem das Beste anzuordnen fähig war und es sogar schon längst angeordnet
hatte, ehe wir nur auf den Gedanken gekommen waren, daß hier etwas getan
werden könnte (KAFKA, 2007).
“Jetztz in der Pause setzte er sich allmählich als
sollte es nicht bemeerkt werden. Wahrscheinlich um seine Miene zu beruhigen nahm er wieder
das Heftchen vor” (KAFKA, 1998a, p. 350).
“[...] K. dachte nicht eigentlich mehr an das Paar, ihm war; als
werde seine Freiheit eingeschränkt, als mache man mit der Verhaftung
ernst und er sprang rücksichtslos vom Podium hinunter” (KAFKA, 1998a, p.
357). “[...] als hätte er seine
Gedanken laut ausgesprochen und dadurch der Frau sein Verhalten erklärt“ (KAFKA,
1998a, p. 360).
“Er glaubte auf einem Schiff zu sein, das sich in
schwerem Seegang befand. Es war ihm als stürze das Wasser gegen die
Hölzwände, als komme aus der Tiefe des Ganges ein Brausen her, wie von
überschlangendem Wasser, als schaukle der Gang in der Quere und als
würden die wartenden Parteien zu beiden Seiten gesenkt und gehoben“ (KAFKA
1998a, p. 378)
[...] und einem söllerartigen Abschluß,
dessen Mauerzinnen unsicher, unregelmäßig, brüchig wie von ängstlicher oder
nachlässiger Kinderhand gezeichnet sich in den blauen Himmel zackten. Es war wie
wenn irgendein trübseliger Hausbewohner, der gerechter Weise im
entlegensten Zimmer des Hauses sich hätte eingesperrt halten sollen, das
Dach durchbrochen und sich erhoben hätte, um sich der Welt zu zeigen
(KAFKA, 2007).
Es war wie wenn sich aus dem
Summen zahlloser kindlicher Stimmen - aber auch dieses Summen war keines,
sondern war Gesang fernster, allerfernster Stimmen - wie wenn
sich aus diesem Summen in einer geradezu unmöglichen Weise eine einzige hohe
aber starke Stimme bilde, die an das Ohr schlug so wie wenn sie fordere
tiefer einzudringen als nur in das armselige Gehör. K. horchte ohne zu
telephonieren, den linken Arm hatte er auf das Telephonpult gestützt und
horchte so (KAFKA, 2007).[23]
Essas repetições, que poderíamos citar quase
que infinitamente, em grande parte aparecem na voz do narrador. É um narrador
que busca se aproximar dos personagens e interpretá-los a partir dos seus
gestos, dos seus tons de voz, das suas expressões. Ele apresenta uma forma de
interpretar narrando; um observador que tenta contar ao leitor algo que ele vê,
mas que não tem total certeza do que vê. “A arte é um como se. Tudo se
passa como se estivéssemos em presença da verdade, mas essa presença não chega
a ser de fato e por isso não nos proíbe o avançar” (BLANCHOT, 1997, p. 25). Tal
incerteza se mostra também pela freqüência das formas vielleicht
e wahrscheinlich trabalhadas anteriormente.
Abaixo acrescentaremos os gráficos que
delineiam as ocorrências dessas formas:
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A insistência na repetição é bastante comum nos
textos de Franz Kafka. Tanto em nível sintático (no modo quantitativo), como,
algumas vezes também, em nível semântico (qualitativo, nas falas dos
personagens).
Muitas características apontadas pela crítica
que foram coletadas estão de acordo com os resultados dos aplicativos. Por
exemplo, a afirmação de Anatol Rosenfeld sobre a
adoção do pretérito, do farto uso de condicionais e subjuntivos, foi
contemplada. Contudo, vimos com Harald Weinrich que o pretérito é uma forma muito comum na prosa
alemã. Contrastado com os outros textos em relação ao uso de Konjunktiv II, Kafka se aproxima mais de
cinco escritores: Rainer Maria Rilke,
Georg Heym, Robert Musil, Gustav Meyrink
e por último, Hermann Hesse. Todavia, essas
contigüidades variam e, dependendo do aspecto observado, ora são uns, ora são
outros que se aproximam de Kafka.
Horst Domdey ressaltou a seqüência da afirmação seguida pela
negação e verificou-se, em algumas passagens, que ela realmente acontece e que,
em conseqüência disso, caracteriza a sintaxe da frustração, apontada por
Rosenfeld. Günter Anders
destaca a freqüência de subjuntivos e o forte uso da conjunção wenn, e esta última é justamente uma das
particularidades que Martin Walser propõe sobre a limitação
da prosa kafkiana; são os “ses” das possibilidades e
impossibilidades que se manifestam também como as co-ocorrências de vielleicht e wahrscheinlich,
e nas sutilezas do narrador com wie wenn, als ob.
Sobre as seqüências de subordinadas que Modesto
Carone coloca, poderiam ser consideradas como
resultado de todo esse acúmulo de condicionais, de subjuntivos e conjunções que
permeiam a prosa de Kafka. Quanto à clareza na escrita de Kafka (comentada por Edwin Muir), pensamos que ela
pôde ser distinguida, estatisticamente, pela aproximação que resultou entre os
textos de Kafka e os textos jornalísticos da época em relação ao uso comum de
alguns advérbios.
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LEXICO
3. Disponível em: http://www.cavi.univ-paris3.fr/ilpga/ilpga/tal/lexicoWWW/
acessado em 11/02/2007.
http://amtspresse.staatsbibliothek-berlin.de/verzeichnis.php
<REVISTA TEXTO
DIGITAL>
[1] Jakob Wassermann (1873-1934): Alexander
in Babylon (1905), Caspar Hauser oder Die Trägheit des Herzens
(1908), Das Gänsemännchen (1915), Die Juden von Zirndorf (1897) e
Die Schwestern (1906); Hermann Hesse (1877-1962): Siddhartha:
eine indische Dichtung (1922); Hugo Ball (1886-1927): Flametti
oder vom Dandysmus der Armen (1918), Das Carousselpferd Johann
(1916); Georg Heym (1887-1912): Der Dieb (1913); Thomas Mann
(1875-1955): Glaudius Dei (1902); Tristan (1903); Schwere
Stunde (1905) e Der Tod in Venedig (1912); Robert Musil
(1880-1942): Der Mann ohne Eigenschaften (1926); Gustav Meyrink (1868-1932): Das grüne Gesicht
(1916), Der weisse Dominikaner (1921), Der seltsame Gast (1925) e
Walpurgisnacht (1917) e Rainer Maria Rilke (1875-1926): Die
Flucht (1897), Feder und Schwert (1893), Generationen (1898),
Der Kardinal (1899), Die Turnstunde (1902) e Frau Blahas Magd (entre
1893 e 1902). Selecionamos apenas os textos em prosa, apesar de alguns autores se
destacarem pela sua poesia, como o caso de Rilke e Heym. Quanto ao corpus
jornalístico, eles provêm de jornais do ano de 1894, extraídos do projeto Digitalisierung der Amtspresse Preußens.
[2]Respectivamente: A metamorfose, O
processo, O castelo e América ou o desaparecido.
[3]Criado por Étienne Brunet e equipe do Institut de Linguistique Française, CNRS.
Esse programa efetua tratamento estatístico e documentário de corpora
textuais em todas as línguas que se utilizam do alfabeto latino.
[4]LEXICO 3 é um programa desenvolvido pela equipe YLED-CLA2T, da
universidade de Sorbonne nouvelle-Paris3.
As diferentes versões do aplicativo podem ser encontradas gratuitamente no
sítio: http://www.cavi.univ-paris3.fr/ilpga/ilpga/tal/lexicoWWW/.
Tal programa, assim como outros, exige uma preparação, um balizamento dos
textos, para que os mesmos possam ser reconhecidos e lidos. O programa pede que
todas as formas estejam em letras minúsculas. Isso seria complicado para os
textos escritos em alemão, pois se tais procedimentos fossem respeitados,
teríamos informações alteradas com o problema da ambigüidade, por exemplo, a
forma essen, que pode ser tanto verbo sie essen, quanto
substantivo das Essen. O programa reconheceria
uma forma, sendo claramente duas. Portanto, na lista de segmentos, na lista de
freqüências e talvez em outros métodos de exploração, perceberemos a repetição
de qualquer forma em maiúscula e minúscula.
[5] Weinrich define
dois planos sintáticos: o primeiro, que se destina à oração principal e o
segundo, à oração subordinada.
[6]Consoante Bernard, a
primeira operação executada pelos programas específicos em análise textual é um
corte das seqüências de caracteres em formas (types),
de onde eles retiram as ocorrências (tokens).
Por exemplo, se a forma “garrafa” aparece uma vez em um dado corpus, se diz que ela tem uma ocorrência,
e que tal é a sua freqüência.
[7] Palavras de uma única ocorrência.
[8] Lembrando que nossos corpora não foram lematizados. Para uma
análise mais enxuta, observamos que se faz necessária uma lematização.
Porém, no nosso caso, como nenhum texto do corpus foi lematizado, não existe nenhuma alteração no sentido de
contagens absolutas.
[9] Segundo o glossário de L. Lebart (1994, p. 315) partição é uma divisão de um de
corpus em partes constituídas por fragmentos consecutivos de textos, sem
intersecção comum e cuja reunião é igual ao corpus.
[10] A forma der é artigo definido
masculino, porém pode ser também as formas feminina (die) e plural (die) no genitivo
e dativo. A forma die pode ser tanto
artigo definido feminino no singular, artigo definido no plural, quanto pronome
relativo e pronome demonstrativo.
[11]Respectivamente: “O vapor na
sala era extremamente incômodo, impedia até uma visão mais precisa dos que
estavam longe” (KAFKA, 1998b, p. 60). “K. foi interrompido por um chiado no
fundo a da sala e protegeu os olhos para enxergar, pois a luz turva do dia
tornava o vapor esbranquiçado e ofuscava a vista” (KAFKA, 1998b, p. 62). “Um
grande cômodo na penumbra. Quem vinha de fora a princípio não via nada. K.
cambaleou contra uma tina, a mão de uma mulher o segurou” (KAFKA, 2001, p. 23).
“Uma jovem abriu, eles estavam na soleira de uma grande peça quase às escuras,
pois só uma minúscula lâmpada de óleo pendia sobre uma mesa à esquerda, no
fundo” (KAFKA, 2001, p. 51). “No quarto mesmo, em cujo interior ainda não
penetrara o clarão da lua, não se podia distinguir realmente quase nada. Karl
lamentou não ter trazido a lanterna elétrica que tinha recebido de presente do
tio” (KAFKA, 2004, p. 65).
[12] As formas que estiverem na legenda mas não
no gráfico, portam uma freqüência tão mínima que não se torna interessante realizar a leitura graficamente das freqüências
relativas.
[13] “Pouco antes do primeiro andar, teve
inclusive de esperar um pouco até que uma bola de gude
completasse seu percurso; enquanto isso, dois meninos com os rostos
impenetráveis de marginais adultos o seguravam pelas calças; se quisesse se
livrar deles teria de machucá-los e ele temia seus gritos” (KAFKA, 1998b, p.50)
(grifo nosso). “Nesse ínterim, o
diretor havia se inclinado sobre o jornal casualmente ou, o que era mais
provável, em consideração especial por K.; agora levantava os olhos e,
erguendo-se, estendia-lhe a mão enquanto lhe desejava, sem fazer mais
perguntas, uma boa viagem” (KAFKA, 1998b, p. 285) (grifo nosso).
[14]“[...] o castelo o decepcionou, na verdade
era só uma cidadezinha miserável, um aglomerado de casas de vila, que se
distinguiam por serem todas talvez de pedra, mas a pintura tinha caído havia
muito tempo e a pedra parecia se esboroar” (KAFKA, 2001, p. 18).
[15] “Quando eu voltar aqui da
próxima vez, preciso trazer doces para conquistá-las ou então a bengala para as
espancar, disse consigo mesmo” (KAFKA, 1998b, p. 50).
[16] “Se eu fosse um
perigoso assaltante [...] – se ele estivesse aqui teria de confirmar
isso–“ (voz de Josef K.) (KAFKA,1998b, p. 58) (grifo nosso) “Se ficasse
em casa e levasse sua vida habitual, seria mil vezes superior a
qualquer dessas pessoas [...]. E imaginou a cena mais ridícula que poderia
haver, por exemplo, se esse lamentável estudante, essa criança
enfatuada, esse barbudo torto, se ajoelhasse diante da cama de Elsa e, com as mãos juntas, pedisse clemência.”
(KAFKA, 1998, p. 76) (grifo nosso) “Gregor pensou
então que talvez fosse bom se a mãe entrasse, naturalmente
não todos os dias, mas quem sabe uma vez por semana; ela sabia das coisas muito
melhor que a irmã, a qual, a pesar de toda a sua coragem, era apenas uma
criança e em última análise talvez só tivesse assumido uma tarefa tão
pesada por leviandade infantil.” (KAFKA, 2006, p. 47)
[17]“Estava agora cara a cara
com a multidão. Tinha julgado certo as pessoas? Tinha confiado demais no efeito
de seu discurso? Será que as pessoas haviam fingido enquanto ele falava e,
agora que chegava às conclusões, estavam fartas de fingimento?” (KAFKA, 1998b,
p. 62-3) “Por que Gregor
estava condenado a servir numa firma em que à mínima omissão se levantava logo
a máxima suspeita? Será que todos os funcionários eram sem exceção vagabundos?
Não havia, pois, entre eles nenhum homem leal e dedicado que, embora deixando
de aproveitar algumas horas da manhã em prol da firma, tenha ficado louco de
remorso e literalmente impossibilitado de abandonar a cama? Não bastava
realmente mandar um aprendiz ir perguntar – se é que havia necessidade desse
interrogatório? Tinha de vir o próprio gerente, era preciso mostrar com isso à
família inteira – inocente – que a investigação desse caso suspeito só podia
ser confiada à razão do gerente?” (KAFKA, 2006, p. 16) “Por que a irmã não ia juntar-se aos demais?
Certamente ela tinha acabado de se levantar da cama e ainda não havia começado
a se vestir. Por que então chorava? Porque ele não se levantava e não deixava o
gerente entrar, porque corria o perigo de perder o emprego e porque depois o
chefe iria perseguir de novo os pais com as antigas exigências?” (KAFKA, 2006,
p. 18) “Foi e então que Barnabás parou. Onde eles
estavam? Era ali o fim do caminho? Será que Barnabás
ia se despedir? Será que Barnabás is se despedir?
[...] Ou será que o impossível tinha acontecido e eles já estavam no castelo ou
diante dos seus portões? Mas, até onde sabia, eles não tinham subido. Ou será
que Barnabás o levara por um caminho que ascendia de
modo tão imperceptível?” (KAFKA, 2001, p. 51) “Será,
pois, que lá no corredor ele não tivera o sentimento penoso de não estar no seu
lugar? Mas se o teve, como pôde circular ali como um animal no campo? Ele não
tinha sido intimado para um interrogatório noturno e não sabia, portanto, por
que haviam sido introduzidos os inquéritos à noite?” (KAFKA, 2001, p. 415-6)
[18] “É por isso que
guardas tentam roubar a roupa do corpo dos detidos, é por isso que
inspetores invadem casas alheias, é por isso que inocentes devem ser
aviltados, ao invés de inquiridos diante de assembléias inteiras”(voz de K)
(KAFKA, 1998b, p. 61-2) (grifo nosso). “De repente, no meio da noite, já devia
ser noite alta, eu acordo, ao lado da cama está o juiz de instrução, que
cobre o lampião com a mão de modo que não incida a luz sobre o
meu marido; era uma precaução desnecessária, meu marido tem um sono que
nem a luz o teria despertado. Estava tão assustada que teria quase
gritado, mas o juiz de instrução foi muito amável, me recomendou que
tivesse cuidado, sussurrou-me que tinha escrito até aquela hora, que
estava me trazendo de volta o lampião e que nunca se esqueceria da visão
que teve ao me encontrar dormindo” (voz da lavadeira) (KAFKA, 1998b, p. 72)
(grifo nosso). “[...] com a tranqüilidade, a objetividade de Frieda, tivesse sido fácil de ganhar, fácil e
imperceptivelmente; como se esperássemos obtê-lo através do choro,
puxando, à maneira de uma criança puxa a toalha da mesa mas não consegue nada”
(KAFKA, 2001, p.455) (grifo nosso).
[19] “Muitos achavam
que era importante para K. encontrar o carpinteiro Lanz,
refletiam bastante, mencionavam um carpinteiro que, no entanto, não se chamava Lanz, ou então um nome que tinha semelhança muito
remota com Lanz, ou ainda perguntavam aos
vizinhos, ou acompanhavam K. até uma posta bem distante, onde, na
opinião deles, morava um homem assim, possivelmente em sublocação, ou
onde havia alguém que podia dar melhores informações do que eles” (KAFKA,
1998b, p. 51) (grifo nosso). “[...] o caminho que passava pelas portas
envidraçadas, pelas escadas, pela alameda, pelas estradas
vicinais, e pelos subúrbios levando à grande avenida movimentada que
desembocava na casa do tio” (KAFKA, 2004, p.
76) (grifo nosso). “[...] que ora os liam, ora faziam anotações, ora
colocavam nas suas pastas“ (KAFKA, 2007) (grifo nosso).
[20]“Mas eu volto logo, depois
vou com o senhor; se me levar, vou aonde quiser, pode fazer comigo o que
quiser, serei feliz se ficar o maior tempo possível longe daqui, de preferência
para sempre.” (KAFKA, 1998b, p. 73) “-E a senhora não quer ser libertada! –
gritou K., pondo a mão no ombro do estudante, que procurava abocanhá-la. -Não!
– bradou a mulher, repelindo K. com as duas mãos. – Não, não, tudo menos isso,
o que está pensando?” (KAFKA, 1998b, p. 76)
[21]Ver a conversa na íntegra em alemão (KAFKA,
1998, p. 433-52), ou no vernáculo (KAFKA, 1997, p. 175-201).
[22]De maneira quantitativa, Walser sugere algumas páginas no romance Das Schloss cujo texto é mais significativo em relação ao
uso dessas partículas. O autor soma um total de 24 aparições.
[23]“Observei bem, na verdade, que em toda a modéstia desse plano havia também arrogância, que poderia despertar a impressão de que queríamos ditar à autoridade o modelo pelo qual devia regular as questões do pessoal ou então que duvidássemos que a administração era capaz de tomar sozinha suas determinações da melhor forma possível até o tivesse feito fazia muito tempo, bem antes que houvéssemos chegado ao pensamento de que aqui poderia ser feita alguma coisa” (voz de Olga)(KAFKA, 2001, p. 335). “Agora, durante a pausa, sentou-se aos poucos, como se isso não devesse ser notado. Provavelmente para amenizar a expressão do rosto, pegou outra vez o caderninho.”(KAFKA, 1998b, p. 56) Na verdade K. não pensava mais no casal, para ele era como se a sua liberdade fosse restringida, como se levassem a detenção a sério [...] (KAFKA, 1998b, p. 62). “[...] como se tivesse proferido em voz alta os próprios pensamentos e dessa maneira explicado o seu comportamento à mulher.” (KAFKA, 1998b, p. 69) “Acreditava encontrar-se num navio em mar grosso. Para ele, era como se a água se precipitasse contra as paredes de madeira, como se do fundo do corredor chegasse um estrondo de águas dobrando sobre si mesmas, como se as partes interessadas subissem e descessem dos dois lados” (KAFKA, 1998b, p. 93). “[...] – e terminando numa espécie de terraço cujas ameias denteavam o céu azul, inseguras, irregulares, quebradiças como se desenhadas pela mão medrosa ou negligente de uma criança. Era como se algum morador reprimido, que por justa razão devesse permanecer preso no cômodo mais remoto da casa, tivesse rompido o telhado e se levantando para mostrar-se ao mundo” (KAFKA, 2001, p. 19). Do fone de ouvido saiu um zumbido que K. nunca antes tinha escutado ao telefonar. Era como se fosse o zumbido de inúmeras vozes infantis – mas não era também um zumbido e sim o canto de vozes distantes, extremamente distantes – como se desse zumbido formasse [...] uma única voz [...]” (KAFKA, 2001, p. 37).