<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 2 n.3 2006 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


DINIZ, L. A. G. Orkut e hipertextualidade: a construção do sujeito em uma estrutura hipertextual de crescimento exponencial. Texto Digital, Florianópolis, ano 2, n. 2, Dezembro 2006.

 

 

ORKUT E HIPERTEXTUALIDADE: a construção do sujeito em uma estrutura hipertextual de crescimento exponencial.

 

ORKUT AND HYPERTEXTUALITY: construction of the subject in a hypertextual structure of exponential growth.

  

Luiz Antônio Garcia Diniz

Doutorando em Teoria da Literatura / UNESP – S.J. Rio Preto

Luizdiniz953@yahoo.fr

  

 

RESUMO: Nossa proposta de estudo é refletir sobre a construção do sujeito no ciberespaço, especificamente no interior da comunidade virtual Orkut. A construção dos simulacros dispostos como avatares interfaceando as relações geradas e criadas pelos ecrãs mediante a utilização dos computadores pessoais (PCs), mostra-se de fundamental importância para a compreensão de como essa arquitetura hipertextual conduz à construção do que nomearemos sujeito digital. Para tanto e como ponto de partida, analisaremos a comunidade virtual Orkut enquanto paradigma de estrutura hipertextual a crescimento exponencial e consideraremos, como hipótese, sua estratégia construtiva como modelizadora e dissolutiva de identidades digitais. Trata-se de um dispositivo paradoxal, na medida em que de um lado, define caminhos, induz escolhas, de outro, libera, supostamente, o indivíduo de seus limites biológicos e socioculturais, apontando para a prática de um percurso hipertextual extremamente singular.

PALAVRAS-CHAVE: Sujeito digital, Orkut, Hipertexto, Ambientes digitais, Identidade.

ABSTRACT: Our aim is to reflect on the construction of the subject in cyberspace, specifically within the virtual community Orkut. The simulacra’s construction set as avatars interfacing the relationships, generated and created by screens and the increased use of personal computers (PCs), reveals itself as essential to the understanding of how this hypertextual architecture leads to the construction of the digital subject. The virtual community Orkut will be understood as paradigm of hypertextual structure with exponential growth and its constructive strategy leading and inducing to the modelling and dissolving of digital identities will be considered. It is a paradoxical device, since, on one hand, it defines ways and induces choices, and, on the other, it supposedly liberates the individual from his/her biological and socio-cultural limits, pointing to the practice of an extremely singular hypertextual route.

 

KEYWORDS: Digital subject, Orkut, Hypertext, Virtual environments, Identity.

 

  

Quanto a estes escritos que emergem das minhas máquinas copiadoras, dos dáctilos, não fazem partedo livro de que eu estava falando, não. Gostariam de conhecer o meu método? É simples. Enquanto estou escrevendo um livro (a primeira parte poderia chamar-se Média do Pulso, 103), escrevo outro acerca dele, depois um terceiro sobre este, e assim por diante. Uma nova lógica pode bem nascer daí, quem sabe? Lawrence Durrell, Nunquam

 

1  INTRODUÇÃO

 

A hipótese levantada por nós neste estudo é que a elaboração dos percursos das singularidades em uma estrutura de crescimento exponencial positivo, traz como conseqüência a construção de sujeitos digitais. Passaremos então, com o intuito de colaborar na compreensão dos dispositivos culturais e semióticos utilizados para a edificação dos construtos produzidos, a esboçar o funcionamento estrutural das probabilidades construtivas das singularidades na rede hipertextual denominada Orkut, pressupondo como ponto de partida que a dinâmica construtiva proposta por essas redes, tal qual teremos a oportunidade de verificar ao longo deste trabalho, implica tanto relações finitas, quanto probabilidades relacionais que tendem ao infinito[1].

 

Para tanto, recorreremos como método demonstrativo a um modelo hipotético, em que as possíveis relações analógicas estabelecidas entre a unidade informacional I e suas afinidades com os determinismos dos grupos comunitários serão simuladas matematicamente. Desse modo poderemos ter uma visão um pouco mais abrangente da rede de significações que a arquitetura hipertextual provoca e instaura, como conseqüência, na literatura contemporânea. Começaremos, pois, com algumas projeções sobre a relação entrópica iniciando-se — que desde já adiantaremos como hipótese — por uma disrupção na estrutura.

 

Há, sempre, uma indeterminação nas possíveis analogias entre a unidade informacional 1 (UI-1) com as outras a ela relacionadas. Eu poderia me relacionar com um amigo com o qual dividiria uma de suas preferências ou algumas delas — relacionadas a questões de afinidades — porém, dificilmente partilhar a totalidade da UI tomada no seu conjunto composto de elementos referenciais. Assim, por exemplo, eu posso gostar de rock assim como a UI-2, mas não necessariamente sua orientação sexual, o que direcionaria meu interesse para conhecer as comunidades sob o ângulo de outras vertentes, dispositivo cognitivo que funcionaria sob a forma de adições, na medida em que eu incorporo ao meu repertório similitudes eletivas em relação aos enunciados das UI as quais eu tenho acesso. Embora o crescimento seja exponencial, a direção imposta ao crescimento se dará em torno de uma particularidade que nos parece importante, ou que nos seduza o suficiente para nos dirigirmos a essa escritura proposta, ou às proposições do seu enunciado.

 

Figura I[2]

 

A figura acima espacializa uma relação de uma UI com 12 outras. Essa relação é construída por meio da escolha de só um elemento de cada UI, o que, na prática, geralmente não ocorre, pois o percurso instaurado pelo criador desse texto hipotético nunca pode ser determinado matematicamente. Utilizamo-nos desse artifício para mensurar hipoteticamente determinadas combinações, a quantidade de intersecções, de cruzamentos, e a partir desses dados, levantar a hipótese de que em cada um deles se constitua uma outra UI que se desdobra em outras n probabilidades numéricas. Um exemplo simples: dessas combinações nós teremos x “relações”, pressupondo, insistimos, uma só instância relacional, quer dizer de A a B e de B a A. Essa simulação de uma quantidade mensurável em números nos dá uma idéia de coletividade hipertextual em relação exponencial. Esse modelo representa uma relação entre 13 UI compostas de combinações finitas. Um exemplo dessas relações finitas de análise combinatória (embora numericamente enormes) é a possibilidade de se ganhar na Sena: jogo que se compõe de números de 1 a 60 e de suas possíveis combinações entre eles.

 

O exemplo abaixo nos dá uma idéia do número exato, logo finito, de suas combinações.

O problema pode ser apresentado dessa maneira:

      1)

 

A chance, então, de se acertar será de 1 (uma) entre 36.045.979.200 (trinta e seis trilhões, quarenta e cinco bilhões, novecentos e setenta e nove milhões e duzentos mil) probabilidades.

 

O problema, e por conseqüência, a inviabilidade da análise combinatória para nosso estudo é que nele os pares iguais não são possíveis, o que ocorre nessa apresentação, vejamos, por exemplo:

 

 

4 x 4 = 16

 

1, 2, 3, 4

 
      2)

           

            (1,1) (1,2) (1,3) (1,4)

      (2,1) (2,2) (2,3) (2,4)

      (3,1) (3,2) (3,3) (3,4)

      (4,1) (4,2) (4,3) (4,4)

     

Como vimos acima, a combinatória descrita acima gera duplos (1,1), (4,4), o que não existe concretamente em uma relação comunicacional, pois o (1) irá sempre se relacionar com uma das possibilidades (2), (3) ou a (4), nunca com ele mesmo, pressupondo que a condição para que haja ação comunicacional é a existência, pelo menos, de um emissor e um receptor, antropomórfico ou não, na medida em que a troca de informações entre computadores necessita da mesma forma de combinação. Quanto à produção de sentido que a informação pode provocar, entendemos a comunicação no seu aspecto dialógico e bakthiano.

 

Outra maneira possível de imaginar matematicamente as possíveis combinatórias relacionais propostas por um texto é a seguinte:

3) Permutação ou arranjo

                                      n= total

                          r= tamanho do grupo (1, 2, 3... indivíduos).

 

Por ex: número/permutação/dimensão do grupo = n (fatorial) sobre n- r fatorial

 

Exemplos de fatorial: 5!= 5  4  3  2  1 = 120

                                   4!= 4  3  2  1 = 24

                                   3!= 3  2  1 = 6

 

Vejamos agora o exemplo da relação (finita) comunicacional mostrada pela Figura I:

                              

         

     

Como o fatorial 11! é repetido, simplificamos a fração.

 

Fig.II

 

Fig. III (detalhe)

 

Vamos pressupor esse hipertexto como fluxo. Essa unidade informacional representada pelo círculo maior (Fig. II e III), é o descentramento de uma outra UI que abriria um leque de possibilidades identitárias ou de identificações provisórias. O recorte no fluxo pode assemelhar-se às conceituações de continuidade e descontinuidade, como veremos a seguir.

 

A contribuição dos estudos de semiótica, sobretudo no que se refere a conceituações sobre temporalidade se mostram muito úteis para nosso trabalho. Segundo um dos autores que consideramos importante lembrar, Luiz Tatit (1995), a noção de perceber situada em um corpus teórico em que ocorrem as flutuações tensivas compostas alternadamente de “saliências” e “passâncias” nos conduz a noção de sentir interligada a foria. A foria, ela própria composta de momentos distintos de euforia e disforia: as “saliências” correspondendo a momentos de disforia e as distensões ou euforia às “passâncias”, contrapomos momentos temporais de continuidade e de descontinuidade: sincretismo categorial que a semiótica denomina como tensividade fórica. Esse conceito revela assim, segundo o autor, a existência abstrata de um fluxo contínuo composto de “paradas” e “paradas de paradas” (p.164). Uma descontinuidade pode ser definida como uma “parada” no fluxo e a continuidade uma “parada da parada”. É oportuno lembrar que para nós, a parada terá o sentido de uma disrupção estrutural provocada por uma ação singularizadora e, a retomada arborescente do fluxo (continuidade), a “parada da parada”, uma disrupção na disrupção da estrutura.

 

É nesses aspectos que a reflexão de Luiz Tatit nos parece de valor conceitual para nosso trabalho. Enfatizando a contribuição de Claude Zilberberg que define dessa forma seu olhar sobre essa questão: o sujeito enunciativo situado na interface espaço/tempo, seleciona como ponto de partida, valores de continuidade ou de descontinuidade, para em seguida convertê-los em objetos narrativos (TATIT, 1995, p.165). É nessa “seleção” de valores de continuidade e de descontinuidade que, a nosso ver, “inicia-se” o processo da ação singular que definirá o percurso hipertextual, ele próprio, constituído de continuidades e descontinuidades, pressupondo, por assim dizer, uma estrutura construída de “quebras”, de momentos de disrupção que caracterizam o movimento constitutivo, ou os possíveis momentos constitutivos componentes da estrutura hipertextual a crescimento exponencial.

 

DISRUPÇÃO NA ESTRUTURA

 

Imaginemos que esse gráfico esteja representando uma intrincada rede em que os círculos vermelhos seriam os “amigos” (UI) em relação uns com os outros. Os recortes apresentados sob a forma arborescente representam alguns percursos instaurados por singularidades, correspondendo a disrupções na estrutura. Não há, evidentemente, todas as UI conectadas em rede e representadas graficamente, pois nosso escopo foi tentar mostrar visualmente uma disrupção na rede provocada pela UI (círculo maior) que originou um trajeto, um deslocamento estrutural e direcional e uma parada disruptiva no fluxo, redirecionando-o no estabelecimento ou criação de outras estruturas funcionalmente existindo com as mesmas qualidades comunicacionais, e de crescimento, como anteriormente, exponencial, porém, caracterizadas como singularidades irrepetíveis.

 

Na intersecção da UI-1 com as propostas textuais da UI-2 situa-se o momento em que ocorre a disrupção na estrutura, até então construída com base na troca de informações bidirecionais: A → B → A. Esse acontecimento, o “événement” no sentido derridiano, é configurado na disrupção da estrutura até então construída de forma linear, para se reestruturar, como disrupção, em caminhos caracterizados por um crescimento exponencial positivo. É o lugar, local, lieu, em que as propostas textuais acima citadas articulam suas diferenças, como nos lembra Homi Bhaba (1995) com a criação de singularidades discursivas e onde os sujeitos se estruturam enquanto indivíduos particulares em uma rede. A ênfase dada ao deslocamento de identidades fixas, como o pretendia a noção cartesiana de cogito é dissolvida no conceito de “entre-lugares”, noção teórica que produz um deslizamento conceitual e suas ressonâncias relacionadas às arquiteturas textuais construtivas do sujeito são basilares: o local espaciotemporal em que se produz e se constrói identidades só pode ser operacional na medida em que, à semelhança de nossos gráficos, a potencialidade construtiva localiza-se entre dois pontos — supostamente centros identitários fixos — é, pois nesse não-espaço, ou em todo caso, nesse espaço ainda não sedimentado que se articulam dinâmicas estruturais responsáveis pela elaboração de identidades digitais.

 

Os contornos tradicionalmente definidores do sujeito perdem sua nitidez no ciberespaço e no processo de seleção eletivas no magma composto por estímulos originários de todas as propostas circundantes. ”Circundantes”, não adjetivaria a espacialização de algoritmos instáveis, de discursos à procura de sujeitos que os assumiriam. A palavra mais adequada para ajudar na construção desse conceito talvez seja assédio: operação levada a termo por inúmeros estímulos que se situaria não em um ponto de A a B como dissemos anteriormente, mas sim em um espaço tridimensional composto de múltiplos As e Bs levados a potência x. Mais que espaço físico, poderíamos definir esse entre-lugares como matéria prima forjadora de representações, simulacros discursivos, avatares e Prometeus transgressores. Uma vez a estabilidade momentânea produzida, o assediado dá lugar ao assediante. Processo de trocas identitárias que ousaríamos dizer que é típico ao movimento construtivo de discursos no ciberespaço. Daí sim, a oscilação estrutural composta de fluxos contínuos e descontínuos, alternâncias, momentos eufóricos, disfóricos, enfim, a estrutura “quebrada” e defletida, encontre seu lugar no processo constitutivo das articulações das diferenças citadas mais acima.

 

Fala-se muito em questionamento da noção de autor, sobretudo quando abordamos produtos literários hipertextuais, na medida em que o leitor enquanto participante da criação do texto questiona as categorias tradicionais de autoria e por conseqüência, de autoridade textual tal como foi problematizado por George Landow: “Tal como a teoria crítica contemporânea, o hipertexto reconfigura - reescreve - o autor de diversas maneiras. Antes de tudo, a figura do autor do hipertexto aproxima-se da figura do leitor, ainda que não se funda completamente com ela, e as funções de leitor e escritor tornam-se mais profundamente interligadas do que antes (LANDOW, 1992, p. 72) [3]”.

 

Entretanto, uma das particularidades a ser assinalada e que de resto, é próprio da estrutura hipertextual, é que além desse leitor instaurar um percurso singular mediante sua prática de navegação na rede, ele é igualmente instaurado por ela. Ou seja, ele, o sujeito estrutura um trajeto textual e mutatis mutandis, é por ele estruturado. A própria construção hipertextual por meio de sua arquitetura elabora sujeitos. Há que se convir que algumas formas hipertextuais são mais flexíveis e mais dinâmicas que outras e entendemos que o fato de evidenciar as especificidades próprias a cada objeto se torna ponto de partida para concebê-lo no que ele possui de singular, que, acreditamos ser de significado múltiplo e diverso. Assim, certa categorização dos “hipertextos”, ou seja, o reconhecimento da existência de modalidades diferentes, à semelhança daquela construída pela teoria literária no século XX possa se tornar necessária para situar o objeto em um espaço, e levando em conta suas particularidades poder abordá-lo sem se deter nas intermináveis questões do tipo: livro impresso x hipertexto, estrutura linear x não linear, centramento x descentramento e totalidade x fragmento.

 

É evidente, por exemplo, a diferença entre um hipertexto construído coletivamente e um hipertexto singular que pela sua própria arquitetura ofereça uma multiplicidade de nós, que chamamos de sinapses, se abrindo para outros percursos, o que significa dizer, para outras textualidades, ou ainda, para uma sinapse caracterizada, ela própria, num hipertexto provocando, por essa dinâmica criada por esse dispositivo, uma disrupção no fluxo estrutural.

 

Na figura abaixo compomos um gráfico representando uma relação combinatória de permutação em um desdobramento qualitativo para um crescimento exponencial:

 

 

Fig. IV

 

Esfera 1: o ponto de partida e instauração da rede comunicacional.

Esfera 2: meus amigos e amigos de meus amigos.

Esfera 3: comunidade virtual composta de 130 membros.

 

As possibilidades relacionais dos três grupos de amigos podem ser representadas matematicamente por:

 

 

O resultado dessa projeção é de 1. 267.812.000 (um trilhão, duzentos e sessenta e sete bilhões, oitocentos e doze milhões) possibilidades de cruzamentos relacionais.

 

A esfera maior (numerar) retratada na figura IV representa uma comunidade que possui 130 membros. A relação de “volta”, hipotética enquanto possibilidade às UI, constrói uma estrutura que partindo das cinco UI originárias, as tomando como um recorte de uma estrutura em fluxo, resulta uma combinação possível de 1. 267.812.000. Para espacializar graficamente essa relação, ou relações, teríamos que projetar os 130 membros da comunidade interfaceando com um número x exponencial, por exemplo, 130 x.10 que resultaria em um número muito grande para ser representado com base na estrutura decimal. Mas, o que para nós é importante ressaltar é que de acordo com a definição de uma relação exponencial em uma função matemática é que uma variável aparece em um dos expoentes remetendo a uma outra estrutura composta por elementos diferentes e caracterizada por seus próprios crescimentos exponenciais.

 

Convém ressaltar que a preocupação de explanação de alguns mecanismos de crescimento exponencial na rede, vem no sentido de pensar a navegação como metáfora de criação textual, como percurso, como escritura singular e como intervenção na textualidade proposta, para em seguida redefini-la, dela se apropriando enquanto projeto pessoal. Porém, há de se salientar que todos esses dados compondo essa escritura, colocam o navegador em situação de vulnerabilidade pois  sujeito à contaminação e dispersão entrópica que esses dispositivos tanto estruturais quanto pulsionais provocam.

 

Fig. V

 

Esfera 1: o ponto de partida e instauração da rede comunicacional

Esfera 2: meus amigos e amigos de meus amigos

Esfera 3: comunidades virtuais

 

Embora o crescimento exponencial das redes sócio-eletrônicas seja uma realidade, o acesso a elas é ainda restrito, entretanto, o que nos parece importante salientar é a forma como sua construção conduz a possibilidades comunicacionais, logo relacionada a linguagens, tendendo ao infinito. Essa hipótese não seria de nenhum valor se o que quiséssemos demonstrar não focasse a singularização dos percursos textuais e, ao mesmo tempo, por esse procedimento, não desconstruísse o que como colocamos mais acima como possibilidades matemáticas de relações bidirecionais sob a forma de formulações finitas. Essa é a razão pela qual percorremos, neste trabalho, raciocínios e linguagens diversas para relacionar estruturas tecnológicas e suas internalizações sob a forma de linguagem pelo sujeito, mediante dispositivos os mais diversificados. É oportuno, a esse respeito, lembrar Derrida:

 

                             A totalização pode ser considerada impossível no sentido clássico: evoca-se então o esforço empírico de um sujeito ou de um discurso finito correndo em vão atrás de uma riqueza infinita que jamais poderá dominar. Há demasiado e mais do que se pode dizer. Mas pode-se determinar de outro modo a não-totalização: não mais sob o conceito de finitude como assignação à empiricidade mas sob o conceito de jôgo. Se então a totalização não tem mais sentido, não é porque a infinidade de um campo não pode ser coberta por um olhar ou um discurso finitos, mas porque a natureza do campo — a saber, a linguagem e uma linguagem finita — exclui a totalização: este campo é com efeito o de um jôgo, isto é, de substituições infinitas no fechamento de um conjunto finito (DERRIDA, 1972, p. 244).

 

 

Fig. VI

 

A ilustração acima nos acena para essa impossível redução a uma única possibilidade relacional ou a uma qualquer totalidade tout court. As figuras passíveis de serem encontradas enquanto figuras simbólicas e determinantes de percursos desmentem essa vertente construtiva. Os caminhos possíveis e impossíveis a serem trilhados — tendo em vista suas multiplicidades compostas de geometrias arborescentes e rizomáticas — nos levam a um sentimento de abandono, de estar perdido. A vertigem é, metaforicamente, o signo apropriado para essa mise em abyme comunicacional. De tantas, não resta nenhuma. Ou quase nenhuma alternativa para a subjetividade afirmar-se como singularidade, embora, sua afirmação seja o “enjeu” dessa proposta relacional. Forma hipertextual funcionando como dispositivo pulsional, como matrizes comportamentais e, devido sua especificidade arquitetônica adaptável e camaleônica, seríamos nessa galáxia semiótica, algo como uma sinapse momentânea, efêmera, porém brilhantemente presente na rede de elétrons por nós construída e que nos constrói.

 

Referências

 

BHABHA, Homi, K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed., UFMG, 1998.

 

DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. São Paulo: Editora perspectiva, 1971.

 

DINIZ, Luiz Antonio Garcia. Cibercultura e literatura: hipertexto e as novas arquiteturas textuais. Alea, Estudos neolatinos 7, 2, p.209-222, Julho/dezembro/2005.

 

DURRELL, Lawrence. Nunquam. Tradução de Vera Neves Pedroso. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1971.

 

LANDOW, George. Hypertext: The convergence of Contemporary Theory and Technology. Baltimore and London, Johns Hopkins University, 1992.

 

LYOTARD, Jean François. Des dispositifs pulsionnels. Paris : Union Générale d’Edition, 1973.

 

TATIT, Luiz. A Semiótica e Merleau-Ponty. In: Eric Landowski; Ana Claudia de Oliveira. (Org.). Do inteligível ao sensível: em torno da obra de Algirdas Julien Greimas. São Paulo: educ., p. 161-167, 1995.

 

 

 

 

 

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[1] Conferir Revista Alea V. 7, nº.2, nosso artigo CIBERCULTURA E LITERATURA: hipertexto e as novas arquiteturas textuais.

 

[2] Os modelos gráficos mostrados neste trabalho são criações Marcio Henrique Garcia Diniz Marques.

[3] Like contemporary critical theory, hypertext reconfigures — rewrites — the author in several ways. First all, the figure of the hypertext author approaches, even if it does not entirely merge with, that of the reader, the functions of reader and writer become more deeply entwined with each other than before (LANDOW, 1992, p. 72). As traduções inglês/português são de autoria de Álvaro Luiz Hattnher.