<REVISTA TEXTO DIGITAL>

ISSN 1807-9288

- ano 2 n.3 2006 –

http://www.textodigital.ufsc.br/


SILVA, N. R. da. Práticas de leitura: a utilização do blog em sala de aula. Texto Digital, Florianópolis, ano 2, n. 2, Dezembro 2006.

 

 

PRÁTICAS DE LEITURA: a utilização do Blog em sala de aula

READING PRACTICES: the use of Blogs in classrooms

 

 

Nívea Rohling da Silva

Mestranda em Lingüística / UFSC

niveajoi@yahoo.com.br

 

 

RESUMO: O artigo relata os resultados e caminhos teórico-metodológicos da pesquisa intitulada: Práticas de leitura – a utilização do Blog em sala de aula. O objetivo e disponibilizar caminhos ao professor de língua materna para uma prática de leitura mais efetiva, utilizando a tecnologia de forma mediatica nesse processo. A construção de um blog por estudantes do ensino médio possibilitou o desenvolvimento de aulas de leitura com grande potencial dialógico. Discute-se, portanto, de que maneira os gêneros emergentes em contextos digitais contribuem no desenvolvimento de sujeitos leitores e quais as interações possíveis nesse universo de leitura digital. O artigo pontua teoricamente conceitos como cibercultura, hipertexto e gênero digital blog, conceitos relevantes para se pensar uma práxis docente contextualizada e relevante.

 

PALAVRAS-CHAVE: Leitura hipertextual, Hipertexto, Cibercultura, Blog.

 

ABSTRACT: The article relates the results and theoretical-methodological paths of the titled research Reading practices - the use of Blog in classroom. The objective is to make available ways for more effective reading practice for the teachers of mother languague, using in this process the technology in a mediatic way. The building of a blog by high scholl students turne possible the development of reading classes with grat potencial fo dialog. It’s about the way emergent issues in digital contexts contribute to the development of the readers and possible interactions in this digital universe. The article also talks about the hipertextual reading theorically, the hypertext, cyberculture and caractea blog, relevant concepts to think about docent pratices contextualized and relevants.

KEYWORDS: Reading hyperttextual, Hypertext, Cyberculture, Blog

 

1  Introdução

  

Este trabalho propõe caminhos para uma prática de leitura mais efetiva na disciplina de língua portuguesa, pois a leitura, seguramente, constitui, muitas vezes, problemática para o docente da área da linguagem. É um grande desafio fazer com que a leitura deixe de ocupar um lugar menor nas aulas para ser ela mesma conteúdo de ensino como propõem os PCN’s[1].

 

Além da preocupação com o desenvolvimento de sujeitos leitores, pensou-se também nos novos processos de leitura requeridas pelo uso das novas tecnologias. Fazer com que as atividades docentes estejam ligadas ao uso da tecnologia, sobretudo, da Internet, já tem sido preocupação de vários pesquisadores, entretanto neste trabalho buscou-se um olhar para essa parceria de maneira mediatica, ou seja, a tecnologia não somente como estratégia ou meio para alcançar um objetivo, mas sim enquanto mediadora das novas maneiras de ler.

 

Estruturou-se o presente artigo da seguinte maneira: inicialmente, serão expostas algumas reflexões teóricas sobre leitura hipertextual, na seqüência uma breve caracterização do gênero Blog, e por fim um resgate e análise do desenvolvimento da pesquisa junto aos estudantes do Ensino Médio de uma escola da rede particular na cidade de Joinville.

 

 

2  Implicações da leitura hipertextual

 

Muito já se tem escrito sobre leitura[2], porém sem dúvida alguma o trabalho de Freire (1987) foi fundamental na busca da leitura libertária, da leitura de mundo que preceda a da palavra. Se estivesse acompanhando esse momento de grande avanço tecnológico, com certeza Paulo Freire produziria reflexões a respeito da leitura mediada pela tecnologia da informação. O educador refletiria, não de maneira homogênea e totalizante, mas sim percebendo o potencial heurístico e também fragilidades da leitura no suporte digital[3].

 

Certamente a condição de sujeito/leitor, tratando-se de leitura canônica, ainda não é uma realidade para muitos, de acordo com Mey (2001), a leitura não está isenta de sua própria problemática; leitura também é um exercício de ‘apropriação da voz’ do outro. Porém não se pode mais deixar de lado a necessidade de um novo olhar para a leitura, agora para a leitura hipertextual.

 

Para tanto, é necessário verificar alguns conceitos de hipertexto envolvidos na prática de leitura. O hipertexto não teve surgimento na cibercultura, haja vista a existência de bibliotecas, sumários, índices remissivos, notas de rodapé, enfim, elementos que já possibilitam uma certa quebra de linearidade na leitura.

 

Para Marcuschi (2002, p. 171), hipertexto constitui-se “uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem, que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona a sua superfície formas outras de textualidade”.

 

Também na mesma perspectiva de hipertexto Lévy (1999, p. 56) propõe os elementos que compõe o hipertexto: O hipertexto é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências músicas etc.) e por links entre esses nós, referências, notas, ponteiros, “botões” indicando a passagem de um nó a outro (Lévy 1999, p. 56).

 

 A partir da idéia de hipertexto como algo dinâmico, ou ainda, nas palavras de Lévy (1999, p. 56), “um caleidoscópio, que apresenta suas faces, gira, desdobra-se à vontade frente ao leitor”, percebe-se a riqueza da leitura hipertextual; os links até podem ser semelhantes às tradicionais notas de rodapés, contudo o hipertexto propicia ao leitor uma possibilidade única de escolher e trilhar seu próprio caminho de leitura.

 

Para Lévy (1999, p. 57), “o navegador participa, portanto. da redação do texto que lê. (...) os hiperdocumentos abertos acessíveis por meio de uma rede de computadores são poderosos instrumento de escrita-leitura-coletiva”. Aquele a quem Lévy chama de navegador equivale à figura do leitor, e navegar propõe uma postura bastante ativa, contrariando a idéia canônica de um leitor ideal e passivo.  Dessa maneira, através do hipertexto pode-se construir um percurso de leitura tal que propicie uma co-autoria por parte do leitor, pois na leitura hipertextual os papéis de autor e leitor se confundem, a própria noção de autoria precisa ser revisitada.

 

É no universo do hipertexto que novos processos cognitivos e relações discursivas com a leitura estão sendo construídas. A opção de ler um pouco, de ler tudo, de copiar e colar, ou seja, a relação com o texto no suporte digital traz imbricadas novas maneiras de ler. Segundo Costa (2005, p.113), “a leitura mediante as novas tecnologias exige outras atitudes e posturas, ou novas competências cognitivas (leitura de menus, ícones, palavras-chave, aprender a “navegar-ler”).

 

Os processos cognitivos de leitura são alterados a partir dos espaços de leitura, mudanças tanto no que se refere à rapidez, armazenamento de informações, linearidade do ato de ler. Soares (2002, p. 150) estabelece uma dicotomia entre o ler/escrever no suporte papel e no suporte digital:

 

O texto no papel é escrito e lido linearmente, seqüencialmente – da esquerda para a direta, de cima para baixo, uma página após outra; o texto na tela – o hipertexto – é escrito e é lido de forma multilinear, multi-seqüencial, acionando-se links sem que haja uma ordem preferida. A dimensão do texto no papel é materialmente definida: identifica-se claramente seu começo e seu fim, (...) o hipertexto, ao contrário, tem a dimensão que o leitor lhe der (Soares, 2002, p. 150).

     

Ressalta-se aqui a maneira como o suporte pode possibilitar novas maneiras de ler. O texto impresso traz imbuído um condicionamento de leitura linear de início, meio e fim, enquanto que o hipertexto subverte a ordem fazendo do leitor o construtor de sua leitura. Entretanto, para isso, o leitor precisa desenvolver competências (meta)cognitivas para que tenha fluência em sua leitura como também em sua estratégia de navegação.

 

Para Ramal (2002), a leitura hipertextual assemelha-se às conexões neurais, ou seja, a maneira de ler na cibercultura[4] se aproxima do esquema mental, que se dá em rede, em conexão, através de dimensões superpostas e interligadas e não de maneira seqüencial e linear.

 

A hipótese é de que as mudanças não fiquem somente no aspecto cognitivo; na perspectiva de Soares (2002, p. 151):

 

(...) há conseqüências de ordem cognitiva, social e discursiva, que estão assim configurando um letramento digital·, ou seja, um certo estado ou condição – do letramento – que adquirem os que se apropriam da tecnologia digital e exercem praticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição - do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel (Soares, 2002, p. 151).

 

Nos estudos lingüísticos consideram-se relevantes aqueles sobre as implicações discursivas nas práticas de leitura hipertextual, pois novas motivações sociais propiciam o surgimento de novos gêneros discursivos em ambiente digital como, por exemplo: chats, e-mail, fóruns, weblog, fotolog, site[5].

 

Por fim, está se configurando uma nova relação com a leitura, com a escrita, com o pensar, em suma, com o saber. Tais implicações vão para muito além de simples assimilação da tecnologia digital. Para Lévy (1999), surge uma nova ecologia cognitiva a partir das interações possibilitadas pela Cibercultura. Para Marcuschi (2002), evidencia-se o surgimento de um discurso eletrônico. Tanto na questão cognitiva quanto discursiva, há aqui um vasto campo de estudo não só de domínio lingüístico, mas de uma multiplicidade de campos científicos.

 

 

3  Conhecendo o Gênero Blog

 

O blog constitui-se um gênero emergente no contexto digital. De acordo com Komesu (2005), o termo vem de weblog, ou seja, “arquivo na rede”. Surgiu em agosto de 1999, criado pelo norte-americano Evan Williams.  Trata-se de um diário aberto, o blogueiro[6] deixa registrado, em forma de diário, seu cotidiano. De acordo com Marcuschi (2005, p. 61), “a princípio os blogs eram listas de links e sites interessantes que poderiam ser consultados, bem como notas de atalhos para navegação”. Atualmente alguns blogs já estão sendo utilizados para anotações diversas como: poema, crítica literária, crítica de cinema, letras de música, exposição de idéias, opiniões políticas, enfim tudo que é dialógico no ambiente virtual.

 

Uma das funções do blog é aproximar pessoas, enfim possibilitar interações. Através dele é possível saber notícias de amigos distantes como também fazer novos amigos, formando-se uma comunidade de blogueiros, pois vários blogs disponibilizam links para outros blogs como se fosse uma recomendação de boa leitura.

 

Além da modalidade escrita, esse gênero constitui-se a partir de várias semioses que completam seu potencial discursivo: imagens, sons, animações, emoticons[7]. Essa reunião de signos torna seu aspecto visual bastante interessante para o leitor desse gênero. Com relação ao aspecto estrutural, é um gênero bem simples, as últimas postagens geralmente aparecem no topo, já as mais antigas no final da página, e há sempre o acompanhamento da data e do horário da postagem. As atualizações podem ser feitas diariamente ou de forma seqüencial de acordo com a disponibilidade do blogueiro.

 

A linguagem utilizada no blog, geralmente, mostra-se informal em virtude da necessidade de rapidez nas postagens. Segundo Ruiz (2005, p. 121), onde se encontra uma pesquisa voltada à análise das marcas lingüísticas evidenciadas no gênero blog, parece que a linguagem do chat excursionou para o blog. “Ou seja, tudo leva a crer que estejam simplesmente importando para o blog as formas lingüísticas típicas do discurso do chat”.

 

Ainda com relação à linguagem, é importante lembrar que o campo semântico da informática também compõe o gênero. Os textos são breves, há porém os blogueiros com aspirações literárias que utilizam esse gênero com objetivo de veiculação de textos de autoria própria.  Há uma dialogicidade inerente ao gênero, pois diferente dos e-mails e chats, um visitante pode deixar registrado - na sessão comentários - o que achou da postagem e até mesmo impressões sobre a pessoa do blogueiro em questão; nesse aspecto o blog se revela bastante interativo.

 

Criar um blog e mantê-lo não é muito difícil do ponto de vista técnico. Muitos provedores não cobram sua hospedagem o que torna o acesso possível à maioria das pessoas, entretanto, é um gênero bastante requisitado pelo público adolescente. Segundo pesquisa de Komesu (2005), a popularidade do gênero se justifica pelo fato de não exigir conhecimento do especialista em informática, e a gratuidade também é um fator considerável. Obviamente o blogueiro precisa ter acesso à Internet e um bom equipamento para a constante atualização de seu blog.

 

Os blogs lembram os antigos diários escritos e até mesmo as agendas contemporâneas. É importante lembrar que os gêneros discursivos de acordo com Bakhtin (2003) carregam em si um caráter flexível e plástico, haja vista serem tipos relativamente estáveis de enunciados. Nessa definição a palavra relativamente é fundamental, pois é quem denota a flexibilidade do gênero que está diretamente ligada às práticas sociais. Pois se as relações humanas são complexas, se as mudanças são ininterruptas e os gêneros se constituem a partir das atividades humanas, conseqüentemente, irão refletir as mudanças histórico-sociais.

 

Da mesma forma, o gênero blog também surge a partir de necessidades discursivas. Com relação às novas necessidades discursivas que propiciaram o surgimento do blog, Komesu (2005, p.112) afirma que “seja em escritos pessoais, seja na apresentação física dos corpos, deve-se, também ao olhar do Outro, leitor e telespectador atentos, computáveis enquanto audiência do site ou do canal de televisão”. A autora, em sua pesquisa: Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet, estabelece uma relação entre a escrita na Internet e os programas de Reality Show que são motivados pela necessidade do olhar e aprovação do outro. Tal análise reflete necessidades discursivas de uma sociedade de consumo, implicando relações axiológicas questionáveis.

 

Enquanto gênero discursivo o blog apresenta características que trazem à lembrança os conhecidos diários, contudo apresentam diferenças bem marcadas, como, por exemplo, o auditório e a intenção comunicativa.

 

Na escrita de diários íntimos em cadernos o objetivo era não ser lido, tratava-se de um desabafo, é como se o próprio diário fosse o interlocutor. No blog é justamente o contrário, há um anseio de que todos leiam, quanto mais lido e comentários registrados tiver, mais o blogueiro sente-se motivado a continuar postando. A escrita do blog é motivada pela reação resposta-ativa do interlocutor.

 

A partir dessa distinção talvez a escrita sobre si no blog não seja tão verdadeira como a dos antigos diários. Na verdade o autor constrói uma imagem para seus interlocutores, utilizando, para tanto, um jogo dialógico intenso. Ao levantar essa dicotomia, dois elementos que compõe a situação de produção do enunciado são alterados, são eles: o auditório e a intenção discursiva. No momento em que se tem um auditório e uma intenção discursiva diferenciada, tem-se um novo gênero, obviamente, com algumas características semelhantes às do diário íntimo.

 

Buscou-se elucidar alguns aspectos relevantes que permeiam o gênero blog. A caracterização foi bastante sucinta; uma descrição mais completa pode ser encontrada em Ruiz (2005), Komesu (2005) e Marcuschi (2005).

 

 

4  Recuperando a trajetória metodológica

 

Durante o percurso de realização do trabalho, além de professora titular das turmas, assumiu-se o papel de pesquisadora. Assim buscou-se desenvolver uma pesquisa de abordagem sócio-histórica, e além da pesquisa teórica fez-se uma intervenção em sala de aula. Ou seja, houve elaboração didática de aulas de leitura tomando como objeto de ensino o gênero discursivo blog.

 

 A concepção de gênero discursivo[8] adotada na pesquisa parte da linha teórica bakhtiniana (2003), trazendo consigo toda sua concepção de linguagem enquanto fenômeno sócio-ideológico em contraposição à visão de língua enquanto sistema abstrato[9]

 

O projeto Práticas de leitura – a utilização do blog em sala de aula foi desenvolvido em duas turmas do 2º ano do Ensino Médio de um Colégio da rede particular na cidade de Joinville (SC). Para realização da proposta, trabalhou-se em parceria com a disciplina de Informática.

 

Inicialmente, a professora-pesquisadora apresentou às turmas o projeto que seria desenvolvido, abordando os objetivos e passos a serem seguidos. O trabalho teve por objetivo principal propiciar práticas de leituras significativas ao grupo de alunos a partir de suporte digital, através do gênero blog. Outros objetivos foram elencados: incentivar leituras contextualizadas; perceber se o uso de um gênero digital pode servir de estímulo aos estudantes pela leitura; utilizar o Blog como diário de leitura e por fim ampliar o horizonte de leituras do grupo.

 

Na seqüência, foi aplicado um instrumento de pesquisa inicial com intuito de perceber o contato dos estudantes com o computador e com a Internet. A seguir foram montadas as equipes de trabalho com a seguinte classificação: grupo de discussão, grupo de postagem, grupo de comentários. Todos estariam envolvidos com tarefas específicas. Foi criado um blog para cada turma, essa tarefa coube aos profissionais responsáveis pelo laboratório de informatica, mas somente o cadastro na página, pois o blog foi modelado pelos grupos responsáveis pelas postagens. Os endereços dos blogs são: http://www.nossasleituras2c.blig.com.br e http://www.nossasleituras2e.blic.com.br.

 

Ficou definido o plano de trabalho. O percurso se daria da seguinte maneira: como o objetivo principal era propiciar práticas efetiva de leitura, a professora traria artigos assinados para leitura e discussão. O texto de discussão da aula era encaminhado com antecedência para o grupo de discussão que fazia sua análise previamente à aula. Esse era o grupo âncora, ou seja, responsável pela condução da discussão. Obviamente todos poderiam se manifestar, contudo o grupo de discussão ficava responsável por lançar as questões mais relevantes a serem discutidas.

 

Durante as discussões, o grupo que iria postar, ou seja, registrar a discussão no blog da turma tomava nota das falas dos estudantes, da professora. E, por fim, o grupo comentário era o responsável por comentar no blog, no item comentários, a aula e a postagem se estava adequada, e tudo mais que julgasse relevante.

 

   Essa divisão foi uma maneira de organizar os trabalhos, pois as turmas giram em torno de 40 estudantes e todos devem se sentir integrados e com tarefas definidas, para que haja estímulo à prática de leitura. Mas não houve rigidez em tal delimitação, todos puderam participar de maneira diversificada. A escolha dos grupos também se deu de maneira espontânea, os estudantes em sua maioria escolheram sua função.

 

   Optou-se pela leitura de artigo assinado, tendo em vista o grande potencial discursivo deste gênero. Ao tratar de assuntos polêmicos que fazem parte do cotidiano dos estudantes seria possível uma interação bastante interessante. Contudo outros gêneros também podem ser igualmente trabalhados.

 

   Passado o momento de explicar, organizar, motivar, chegou o momento de iniciar as leituras.  Foram selecionados três artigos para a discussão: Cotas nas universidades de Helio Sachwarstman; Armadilha pra pegar jovens de Gilberto Dimenstein e Desarmamento: poeira nos olhos de um povo crédulo de Içame Tiba. Os assuntos abordados pelos articulistas foram ricos para o posicionamento do grupo.

 

Foram três aulas destinadas à discussão dos textos. Um texto a cada semana para que houvesse tempo hábil para postagem no blog e posteriores comentários. A postagem pôde ser realizada na aula de informática e também em casa de acordo com a disponibilidade dos grupos. A parceria entre Língua Portuguesa e Informática foi importante no processo, pois os estudantes puderam, durante as aulas de informática, acessar o blog, deixando comentários interessantes, enfim, continuando a leitura feita em sala de aula.

 

Em toda essa caminhada desde a escrita do projeto, sua execução e posterior avaliação junto ao grupo, foram possíveis algumas inferências relevantes para análise. Tais percepções foram proporcionadas, primeiramente, pela avaliação feita pelo grupo, ou seja, a impressão dos estudantes enquanto agentes ativos na pesquisa, o olhar da professora-pesquisadora sobre os resultados e os registros de leituras no próprio blog.

 

5  Com a palavra os estudantes

 

   A partir de uma concepção dialógica de linguagem (Bakhtin, 2003), na elaboração de projetos de leitura quanto de escrita, os resultados não são mensurados de maneira quantitativa. Portanto, pretende-se aqui tão somente trazer algumas implicações de um trabalho de leitura pautado na teoria dos gêneros discursivos, sobretudo, em um gênero emergente em contexto digital (blog), considerando ainda a tecnologia de maneira mediática.

 

Alguns instrumentos foram utilizados no decorrer do processo: um instrumento de pesquisa inicial contendo cinco questões com intuito de perceber o contato dos estudantes com a tecnologia, saber quanto tempo ele destinava diariamente ou semanalmente em pesquisas, leituras, conversas em ambiente digital, em que lugar era realizado o acesso (em casa, lan house, escola, etc...) e um instrumento de pesquisa final, além da própria escrita do blog.

Contudo, tanto o instrumento de pesquisa inicial como as escritas do blog não serão analisadas no presente artigo, constituindo-se corpus para outras discussões que possam girar em torno das condições e democratização do acesso à tecnologia (questionário inicial) e o blog para uma análise das marcas lingüísticas no texto eletrônico e suas possíveis intervenções no estudo de língua materna; e a interligação entre modalidade oral e escrita nos gêneros digitais.

 

 No presente artigo serão pontuadas considerações a partir do instrumento de pesquisa final, aplicado junto aos estudantes na fase de avaliação da pesquisa. O instrumento teve o intuito de avaliar os resultados da elaboração de aulas de leitura a partir do gênero bloge contou com três questões que foram respondidas pelos grupos de trabalho (discussão, postagem e comentários).

 

1. Comente os resultados do projeto desenvolvido na disciplina de LP: “Práticas de leitura – a utilização do Blog em sala de aula”.

2. Em sua opinião lemos da mesma maneira um texto impresso e um texto na WEB? Quais as possíveis estratégias de leitura em ambos os suportes?

3. Dê sugestões de práticas interessantes para aula de L.P. que utilizem a tecnologia de forma a mediar o conhecimento.

 

Das três questões lançadas aos grupos, a primeira questão foi a que mais apresentou um caráter avaliativo do projeto; a segunda questão, por sua vez, focalizou a discussão sobre leitura, em uma tentativa de fazer com que os estudantes refletissem sobre práticas de leitura importantes na contemporaneidade, e, por fim, a terceira questão teve o objetivo de conhecer os gêneros que despertam interesse dos estudantes, como também, fazê-los sujeitos ativos no processo de encaminhamento das aulas.

 

A presente análise limitar-se-á à primeira questão, sendo que as outras duas podem seguramente produzir novas reflexões em outro artigo. Foram selecionados seis grupos para a presente análise, contudo as falas dos grupos não foram separadas por turma, pois não houve a intenção de estabelecer comparativos entre ambas as turmas.

 

G1

“Apesar das dificuldades técnicas, acreditamos que o blog em seu contexto geral foi super positivo, pois ele propiciou aos alunos uma chance de exporem suas opiniões, além de mais tarde podermos interagir com o blog na internet.

G2

“Acreditamos que as atividades desenvolvidas em sala de aula trouxeram grande aprendizado para os alunos, pois temos certeza que atualmente, desenvolver o “senso crítico” é indispensável para não vivermos alienados. Os debates nos fizeram ver que temos opinião, que temos vez e voz na classe e assim temos que acreditar que temos vez e voz na sociedade em que vivemos, temos força para mudar o sistema atual que nos é imposto. A postagem e os comentários no blog ajudaram a “pôr no papel” o que discutimos. Enfim o modo com que a disciplina de L.P. foi trabalhada neste bimestre, foi excelente, no nosso ponto de vista.

G3

“Em sala, as discussões trouxeram informações de assuntos que nos interessavam naquele momento, nos fizeram refletir e, de certa forma, esclareceram algumas de nossas dúvidas, despertando em cada um de nós um novo senso crítico. O blog, em si, concretizou as idéias propostas e discutidas em sala de aula”.

G4

“Os resultados foram satisfatórios. Os assuntos discutidos em sala foram atuais e as discussões foram coerentes com os textos propostos. Houve uma interação e interesse por parte dos alunos, as atividades propostas pela professora nos abriram a visão com relação ao assunto proposto. O blog foi o ápice do projeto, pois nele se resumiram todos os assuntos e, principalmente, no blog havia as opiniões dos alunos”.

G5

“Foi uma prática diferente e muito interessante, pois uniu o “útil ao agradável” – útil: estudo em sala – agradável: internet. Esse meio possibilitou maior interesse dos alunos, discussões sobre assuntos atuais em sala com a opinião de cada um e depois o blog, com a parte escrita do que foi discutido e os comentários interagindo com os alunos”.

G6

“O melhor do projeto foram as discussões com os diversos assuntos abordados; pois demos nossa opinião e ainda registramos tudo em um blog, onde pudemos interagir com a tecnologia atual.

 

A resposta dos grupos à primeira questão traz indicativos interessantes para a presente análise. Foi perceptível a maneira como a elaboração das aulas propiciou uma interação discursiva significativa, pois os estudantes ressaltam a idéia de dar sua “opinião”. Será que não são dados aos estudantes oportunidades de falas no decorrer das aulas? Obviamente que sim, mas dessa vez parece que eles de fato sentiram-se sujeitos de seu dizer. Ao discutir em aula, fazer a postagem ou comentário no blog, eles perceberam um espaço para o seu dizer, e muito mais que isso, perceberam um interlocutor real de seu dizer: “no blog havia as opiniões dos alunos” ou ainda “pois ele propiciou aos alunos uma chance de exporem suas opiniões, além de mais tarde podermos interagir com o blog na Internet”.

 

Outro aspecto a ser ressaltado é a maneira como a discussão se enriquece quando se parte de leituras de artigos que abordem situações reais e do cotidiano dos adolescentes, como, por exemplo, os que foram discutidos no projeto: o mercado de trabalho dos jovens, o desarmamento e as quotas nas universidades. Isto é verificado na fala do G4: “Os assuntos discutidos em sala foram atuais e as discussões foram coerentes com os textos propostos. Houve uma interação e interesse por parte dos alunos, as atividades propostas pela professora nos abriram a visão com relação ao assunto proposto”.

 

 Certamente outros gêneros podem ser utilizados para leitura e posterior registro no blog, e até mesmo serviu como uma ótima estratégia de motivação para leitura do texto literário, porém como houve uma limitação de tempo, o artigo assinado mostrou-se mais apropriado.

 

Poder expor sua posição a respeito do que estava sendo tratado e posteriormente o registro do que foi discutido no blog, como se fosse um diário de leitura possibilitou a interação discursiva completa. Segundo Costa (2005), a emergência de um gênero e definida por parâmetros de produção como: o lugar social da interação (sociedade, instituição, esfera cultural, tempo histórico); os lugares sociais dos interlocutores (relações hierárquicas e interpessoais, relações de poder); e finalidades da interação (intenção comunicativa do enunciador). Assim, para a produção do gênero blog, houve a presença de todos os elementos necessários segundo a abordagem discursivo-dialógica de Bakhtin.

 

O auditório real, as questões relevantes, a conexão entre a aula de LP e tecnologia, enfim, todos esses aspectos colaboraram para uma prática de leitura mais efetiva, e principalmente, propiciaram que todos interagissem, tanto por meio da discussão em aula, quanto através da postagem ou do comentário no blog. Os estudantes que muitas vezes se mostram tímidos, menos falantes nas aulas, marcaram sua presença no blog de maneira bastante eficaz. Houve, portanto, uma democratização do espaço de fala e de leitura, deixando de ser a oportunidade apenas dos mais falantes e desinibidos.

 

Outro item referenciado pelos grupos foi a dinamicidade da proposta de leitura, enfim a interação dos estudantes com o gênero e a maneira diferenciada de abordagem da leitura. O fato de estar utilizando a tecnologia nas aulas de LP despertou o interesse dos estudantes para ato de ler conforme o depoimento do G5:  “Foi uma prática diferente e muito interessante, pois uniu o “útil ao agradável” – útil: estudo em sala – agradável: Internet.

 

Tal posicionamento confirma a fala de Ramal (2002) de que as novas interações proporcionadas pela tecnologia questionam a escola com seus currículos rígidos. Para a autora é necessário utilizar a tecnologia de maneira mediática e crítica, fazendo com que os estudantes se percebam sujeitos de sua leitura e escrita.

 

 

6  Considerações finais

 

Com a popularização da tecnologia da informação e da comunicação, novas relações com o saber se configuram, e nesse cenário está a prática educativa. Essas relações estabelecidas têm sido estudadas a partir de vários posicionamentos teóricos, alguns de forma pessimista, revelando efeitos nefastos da tecnologia nas relações sociais, e outros de forma otimista, e até um tanto idealista. 

 

O fato é que uma nova maneira de interagir com o conhecimento, e, principalmente, com a leitura está posta. A escola como a principal agência de letramento não pode se abster dessa discussão; é fundamental que incorpore as práticas de letramento digital ao seu universo didático-metodológico. Ramal (2002) aponta que a rigidez dos currículos e a postura pedagógica monológica restringem as leituras e autorias possíveis em sala de aula, enfim o modelo cartesiano e linear encontrado no ambiente escolar tem sido questionado na cibercultura.

 

No presente trabalho procurou-se, dentro das possibilidades técnicas disponíveis, incorporar os gêneros digitais, e, sobretudo, a tecnologia às aulas de leitura. Trata-se de elaborações didáticas de aulas de leitura, contando como registro da leitura o gênero discursivo blog. As interações em sala de aula foram significativas e contextualizadas; os estudantes sentiram-se sujeitos de seu dizer, seja pelas discussões em sala ou através da postagem ou comentários no blog. Foi dada ao grupo a oportunidade de uma interlocução real, composta de um auditório interativo, de um gênero delineado pelos próprios estudantes, possibilitando a prática de uma leitura reflexiva e também atrativa aos adolescentes.

 

A partir de uma abordagem discursiva da linguagem, também foram percebidas as alterações nos processos de leitura, ou seja, perceber que se lê diferentemente um texto no suporte papel e um texto eletrônico. Não se trata de supervalorizar o suporte, mas sim de perceber sua influência nas interações contemporâneas, e cabe ao professor de língua portuguesa repensar seus conteúdos e estratégias para que de fato ocorra aprendizagem significativa tanto de leitura como de escrita.

 

Como vai se estabilizar, se isso for possível, a interação discursiva da leitura e da escrita a partir do hipertexto, ainda não se sabe, mas de acordo com Chartier (2002), “Como leitores, sem saber, a inventamos”.

 

Referências

 

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RUIZ, E.M.S.D. Kd o português dk gnt???:-D O blog, a gramática e o professor. In: Revista brasileira de lingüística aplicada. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG. Vol. 5, n 1, p. 115-133, 2005.

 

SOARES, M. B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educação e Sociedade/Centro de Estudos Educação e Sociedade – Vol. 23, n. 81. São Paulo: Cortez: Campinas: Cedes, 2002.

 

 

 

    

<REVISTA TEXTO DIGITAL>

 

 

 


[1] BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais de língua portuguesa – 3º e 4º ciclos.

[2]  Haeser (2005) realiza uma ótima exposição sobre algumas concepções de leitura através da história, teorias de leitura e de ensino de leitura no Brasil.

[3] Ver Costa (2005) (Hiper)textos ciberespaciais mutações do/no ler-escrever.

[4] Um dos principais autores, que sem dúvida alguma tem discutido o assunto de maneira esclarecedora, é o francês Pierre Lévy. Em sua concepção a cibercultura trata-se do conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.

[5] Em Marcuschi (2005), há uma caracterização de vários gêneros emergentes em contextos digitais.

[6]  Termo utilizado para o usuario do gênero blog.

[7] Emoticons – símbolos que expressam sentimentos, emoção, também são referenciados como Smiles.

[8] Adota-se aqui o termo gênero discursivo e não gênero textual por perceber a diferença teórica imbricada na terminologia. Segundo Rojo (2005) gênero discursivo centra-se, sobretudo, no estudo das situações de produção dos enunciados e seus aspectos sócio-historicos tendo como autores o próprio Bakhtin e os estudos de seu círculo; e gênero textual centra-se na materialidade textual, tendo como autores de referencia Bronkart e Adam.

[9] Refere-se ao objetivismo abstrato que concebe o estudo da língua enquanto sistema abstrato de formas, dissociado de enunciados reais concepção postulada por Saussure (1916) a partir da publicação Cours de linguistique générale em 1916.